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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A ficção científica "Blade runner"

"Blade runner, o caçador de andróides" é um filme da década de 80 e a ficção se passa nas primeiras décadas do século XXI (já chegamos nela) e a humanidade já inicia a colonização espacial, e para trabalhar nos serviços pesados e perigosos nas novas colônias cria máquinas muito semelhantes aos humanos – os replicantes ou andróides – que teriam um “tempo de vida” programado. Por causa de  um motim, os andróides são proibidos de viver na Terra, e são caçados por policiais treinados – os "blade runners" –  que têm permissão para destruí-los.

Dirigido por Ridley Scott (de "Alien, o 8º passageiro, "Thelma e Louise" e "Gladiador") o filme é definitivo em matéria de ficção científica, tornando-se um "cult" pelo impressionante visual assustadoramente apocalíptico, com uma Los Angeles futurista, decadente, apinhada de gente, com uma aparência sombria e uma chuva ácida constante - o sol simplesmente inexiste.

Harrison Ford (o famoso "Indiana Jones") é o detetive incumbido em descobrir os andróides que se rebelaram e se recusam a "morrer", e os andróides rebeldes são liderados pelo Rutger Hauer (charmoso e talentoso ator de "O feitiço de Áquila"). E a trilha sonora, um atração a parte, é do músico grego Vangelis (do também excelente "Carruagens de fogo"). 

E o filme é também cultuado até hoje por ser instigante em sua proposta de reflexão sobre os rumos que a humanidade vem tomando em seus valores morais e éticos. E anos depois do lançamento do filme, surge a "versão final do diretor" muito mais instigante ainda (veja a crítica de Marcelo Janot, no final do texto).

Filosoficamente há o dilema existencial, do ponto de vista dos quase humanos andróides que lutam para sobreviver, porque ninguém, nem mesmo um andróide, quer ser finito - quem somos? de onde viemos ? o que nos torna "humanos" ou não ? - a fala final do "replicante" Rutger Hauer  (veja abaixo) quando diz que todos os momentos ficarão perdidos no tempo "like tears in the rain,...time to die" é emocionante e definitiva.






sábado, 26 de dezembro de 2009

Nunca brinque com os sentimentos alheios

Eram amigos, e de repente a paixão. Depois de uma sutil "cantada" dele, ela confessou, virtualmente, que já não o via mais apenas como amigo. Entusiasmado, ele quis conferir "olhando nos olhos", disse ele. E defronte do espelho, tendo ela ao seu lado, ele disse que "formavam um belo par".

Ela não queria se iludir, pois ele estava sendo envolvido, contra a própria vontade segundo ele, numa relação antiga. Mas ele continuava sedutor, "romantizando" a relação com palavras e gestos. Romântica, ela acreditou nele. A letra da música "Velha infância" ela tomou para si: "meu riso é tão feliz contigo, o meu melhor amigo é o meu amor".

Ela, mesmo cética ainda, guardou um retrato dele no computador. Ele incentivava com palavras, continuava a alimentar as esperanças dela. Ela confiava cegamente nele. Ela o via como um amigo, e achava que era recíproco. Não podia imaginar que ele estivesse brincando com os sentimentos dela.

Mas de repente ele negou tudo. Então era tudo falso? Ele a enganou com palavras? Mas por quê? Eram amigos. Ele sabia que ia machucá-la. Por que a enganou? Para seduzi-la? Não precisava, estavam os dois já bastante envolvidos. Entã,o porque fantasiar se ele não tinha intenção de levar a sério aquele relacionamento? Deixou que ela se envolvesse emocionalmente e depois se retirou da vida dela como se nada tivesse acontecido.

Preferiu voltar para aquela antiga relação que ele mesmo admitia morna e insossa, mas que lhe era garantida. Ela se decepcionou. Não mais o reconhecia.

Ele hoje vive de relacionamentos "fakes". Ela não consegue perdoá-lo.




quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

"O trem da vida"

O "Trem da vida" conta a história surreal de uma aldeia de judeus, em um vilarejo do leste europeu, em plena era nazista que, temerosos em ser deportados para algum campo de concentração, resolvem por iniciativa do "louco da vila" comprar e forjar um trem nazista e assim simularem, antes que os verdadeiros nazistas apareçam, a própria deportação (metade da vila fingiria ser alemão como maquinistas e soldados e  a outra metade fingiria ser prisioneiros judeus) e com isso tentariam atravessar o país e chegar aos seus aliados soviéticos sãos e salvos.

A partir daí, estaremos diante de diversas piadas sutis e inteligentes, de cunho religioso, político, racial, uma verdadeira brincadeira com alemães, judeus, comunistas e afins. É um filme divertido (mas não a ponto de provocar gargalhadas) que sutilmente, num tom jocoso, mostra como o poder pode transformar as pessoas,

por exemplo, no início ninguém queria assumir o papel de "alemão", pois seria um "pecado", um "sacrilégio", mas quando optam pelo papel, o sentimento de poder "sobe a cabeça" de alguns judeus, tornando-se "nazistas" autoritários e controladores, enquanto os "deportados" também incorporam seu papel e começam a tramar uma rebelião contra seus  falsos algozes. 

"Trem da vida" sutilmente brinca com o poder, com a religião, com a política, e até com o holocausto, de uma maneira leve e até bem humorada. Alguns ortodoxos acham que o holocausto deve ser sempre tratado com austeridade, e que o cinema nunca deveria retratá-lo de maneira fantasiosa, sob o risco de banalizar o holocausto, a ponto de negarem sua existência como acontece de vez em quando na mídia, 

mas o cinema já mostrou os horrores do holocausto em diversos filmes como "A lista de Schindler", O pianista", "Sunshine, o despertar de um século" e muitos outros, e nesse filme "O trem da vida" não há desrespeito, ao contrário, ele dá uma lição de vida, mostrando os pecados e virtudes do ser humano, nossos conceitos e preconceitos (e pré-conceitos), as grandezas e misérias humanas (veja no final do texto o discurso do "louco da vila" sobre Deus e os homens - para pensar e refletir).

Um excelente filme, divertido, surpreendente na sutileza ao satirizar o nazismo e em mostrar como o poder transforma as pessoas. 


sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Meu blog e meus possíveis leitores

Aprendiz de escritora (amadora sempre), esse blog é meu desabafo e minha redenção, não sei o quanto sou lida, se poucos me lêem, pelo menos os que se manifestam são entusiastas e me incentivam, e apesar de muitos não "me seguirem" (preguiça? vergonha de se expor??) sei que me lêem, pelos comentários sobre detalhes dos meus textos e pelo número de visualizações no blog, sei que são assíduos na minha página.

Não ouso colocar todo meu íntimo nesse blog, em segredo guardo textos que traduzem meu espírito contestador e inquieto, talvez um dia eu os reúna em um livro, e quando o fizer, não será sob um pseudônimo, será sim minha alma inteiramente desnuda. Mesmo que ninguém o leia, sigo, persisto (e persigo) escrevendo, parafraseando Clarice Lispector escrevo "prá ficar livre de mim mesma, do contrário morro".

Já me convidaram para escrever em revistas e jornais locais. "Modesta", brinco que só aceitarei quando for num grande jornal ou revista de grande circulação, mas na verdade o compromisso de escrever me incomoda, gosto do espírito livre, da sensação de descompromisso.

Pois o que chamam de inspiração não tem hora prá aparecer, costuma me chegar de improviso, às vezes, surge debaixo do chuveiro e ainda molhada do banho revigorante, pego na caneta e os pingos d'água dos meus dedos borram de tinta o papel com as palavras que brotam como mágica. 

Às vezes, a inspiração me chega no meio da noite, de madrugada, me acorda de um sonho perdido, e ali mesmo, na penumbra, sob a luz do luar (ou a luz dos apartamentos vizinhos) me pego escrevendo meus rabiscos, só prá não me "escapar" aquele revoar de pensamentos.

Noutras vezes, a inspiração me "assalta" no meio da rua, na estrada, dirigindo, o que já me fez parar o carro num acostamento prá não deixar passar aquele turbilhão de pensamentos que cismam em invadir minha mente.

Se estou triste, saio à procura do mar, é minha maior fonte de alívio e inspiração, e se chove a beira-mar, meu choro misturado as gotas de chuva é catarse pura, meus olhos marejados se confundem com a maresia e essas horas sempre me rendem muitas e muitas inspirações.

A meus possíveis leitores, deixo um trecho do poeta alemão Rainer M. Rilke, em "Cartas a um jovem poeta", em que ele responde sabidamente ao jovem poeta (que insiste em querer saber se seus versos são bons ou não) - "Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever, examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos da alma, confessa a si mesmo: morreria, se lhe fosse velado escrever?"




O fascínio de "O mar" de John Banville

Quando entro numa livraria (assim como acontece, quando entro numa locadora, numa estante de filmes "cult"), me "esqueço" da vida, gosto de "me perder" no meio daquele monte de títulos, e às vezes, sem noção do que estou a procura, saio folheando vários, e o que me chama atenção nessas horas é o título e os seus primeiros parágrafos, se me cativarem, mando embrulhar.

Foi assim com "O mar" de John Banville, primeiro o título, porque sou simplesmente fascinada pelo mar, meu eterno companheiro das horas boas e ruins, desde a infância.

E o início da narrativa me cativou: "Os deuses partiram no dia daquela maré estranha. Durante toda a manhã, sob um céu leitoso, as águas da baía subindo, subindo, atingindo alturas inauditas, com pequenas ondas lambendo a areia ressecada...Depois daquele dia, nunca mais nadei...As ondas iam deixando uma faixa de espuma amarelada na areia. Não, não voltei a nadar depois daquele dia. Nunca mais.

Aquele parágrafo atiçou minha curiosidade de leitora - afinal o narrador parecia, como eu, fascinado pelo mar, e de repente, algo aconteceu e ele não mais entrou no mar. Esse misto de fascínio e medo que o mar nos evoca sempre "mexeu" comigo.

A favor do livro estava seu prêmio como vencedor do "Booker Prize" de 2005, e ao lê-lo, tive que concordar com o merecido prêmio. Mas acredito que não seja um livro de fácil aceitação para o público geral, é preciso um certo "feeling" prá gostar desse tipo de prosa, com texto bastante rebuscado, como é esse romance.

Mas, para mim, o romance é de uma beleza hipnótica, ao comparar o ir e vir das ondas do mar com o vaivém entre o passado e o presente do narrador, um homem amargurado por um presente que considera medíocre, uma morte familiar recente, a incerteza do futuro que a velhice impiedosamente o "assalta", e na tentativa desesperada de aplacar o sofrimento, resolve "reviver" seu passado guardado na memória, das suas férias de infância, na casa de veraneio a beira-mar, um passado que, para ele, foi inferno e paraíso ao mesmo tempo.

Sou "suspeita" ao falar do livro, pois eu também, pré-adolescente, passava minhas férias em casa de veraneio a beira-mar (o preparo de véspera não dormia, tal era a ansiedade), e me vi no lugar dos protagonistas - assim como a menina da história, muitas vezes, ia sozinha ver o mar e ficava, como a menina, agachada, em frente àquele imenso mar, abraçada nas minhas próprias pernas, durante horas (???? o tempo para uma criança é incerto), o olhar perdido naquele horizonte infinito, o barulho das ondas batendo com força na areia, a maré subindo me dava uma sensação de medo e fascinação, ao mesmo tempo.

O sol muitas vezes já se pondo, e o crepúsculo da noite caía sobre o mar, a lua cheia iluminando as dunas de areia, aumentando ainda mais o mistério do ir e vir das ondas, e eu então era despertada desse transe pela minha mãe, que vinha me chamar de volta prá casa ("mania de ficar sozinha até tarde, um perigo para uma menina como você")

Na maior parte do tempo, o mar era nosso companheiro de brincadeiras daqueles verões mágicos (eu, meus cinco irmãos e os amigos "de verão"), o banho de mar era sagrado, todos os dias de manhã e à tardinha, testemunha do pique-bandeira, dos carnavais fantasiados de pierrôs e colombinas e, desde àquela época até os dias de hoje, o meu fiel confidente.

Quem vencer a "dificuldade" da leitura requintada, vai se encantar com o livro, pois a imensidão do mar dá ao narrador (e a nós, leitores) a medida exata da "pequenez" do homem diante dos grandes desafios da vida.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

"Abril despedaçado" - excelente filme brasileiro

"Abril despedaçado"- esse belo filme brasileiro, infelizmente, foi muito mal divulgado pela mídia, muitos nem sequer tomaram conhecimento da verdadeira pérola que é esse filme. Triste um país que não valoriza seus talentos.

"Abril despedaçado" conta a história de uma família do sertão nordestino, que vive miseravelmente da moenda de açúcar, no início do século XX, e que carrega, como sina, a rivalidade dos tempos prósperos de outrora, por lutas ancestrais pela posse de terras - o resultado dessa rivalidade culmina em mortes de ambos os lados, pois "reza" a tradição local que o sangue derramado do filho seja vingado pelo irmão e assim por diante, num ajuste de contas sem fim.

O "prazo" para se cumprir a vingança se esgota, quando a mancha de sangue da camisa exposta ao vento fica amarelada pelo sol "castigante" do sertão - é a abertura do filme, numa fotografia esplêndida, memorável, com a narração ingênua e comovente do irmão caçula de nome Pacu e a música-tema "Sobre todas as coisas" de Chico Buarque, na voz lamuriosa do Gilberto Gil, que "canta" toda a dor e o vazio daqueles corações desesperançados (veja o trailer com a música no final do texto).

Com direção de Walter Salles (dos também excelentes "Terra estrangeira", "Central do Brasil" e "Diários de motocicleta") a tomada da moenda, vista de cima, é magnífica, estonteante nos dois sentidos - pela beleza fotográfica e pelo girar lento e incessante, numa roda de "bois mandados" (o homem e o animal), numa mesmice de atos e comportamentos repetitivos.

"Abril despedaçado" tem Rodrigo Santoro como personagem principal em atuação primorosa (provando que não é só um "rostinho bonito e algo mais"), como o irmão que deve vingar a morte do primogênito da família de três irmãos - passei a admirar o ator a partir desse filme, ele está sujo, suado, maltrapilho, "encardido", "roceiro" mesmo. E tem também José Dumont (impecável atuação como sempre) como o patriarca da família.

E vamos nos envolver (e nos encantar) com o grupo circense e mambembe que chega na cidadezinha, trazendo esperanças aos olhos tristes de Tonho (personagem de Santoro) e alegria àquela terra árida, no vôo do trapézio ( outra fotografia "estonteante"), e também com a fantasia de menino do irmão caçula que teatraliza estórias e aventuras (do livro que ganhou da moça que "cospe" fogo, com quem Tonho descobre o amor) num desafio ao poder patriarcal e ao fatalismo daquela existência derradeira.

E a história termina tragicamente, quando a tarja negra do luto cai do braço de Tonho e então "em silêncio" (veja o filme e entenderás) ele vai ao encontro do mar, a procura da sereia que tanto sonhava seu irmão caçula.

Não deixe de ver. Dá orgulho ser brasileiro.
  

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Por que cinema, cinema, cinema e....cinema?

Nos dias de hoje, a correria da vida não nos deixa sobrando muito tempo, talvez por isso vemos tão poucos ligados numa boa leitura, apesar de não ser esse o meu caso, pois como adoro ler, costumo "devorar" um livro inteiro num só dia de folga.

Prá quem não tem essa facilidade, um bom filme (em casa mesmo) é uma excelente opção prá botar em dia o atraso cultural dos tempos atribulados de hoje em dia. Uma obra escrita pode, e muitas vezes consegue, ser adaptada magistralmente para o cinema.

Eu disse muitas vezes, mas nem sempre. Por exemplo, os filmes "Caçador de pipas" e "O código da Vinci" não conseguiram entusiasmar, principalmente para aqueles que leram a versão impressa dessas histórias. Já as obras da escritora inglesa Jane Austen foram cinematografadas magistralmente, ao retratar em imagens eternizadas, a Inglaterra do século XIX, nos excelentes "Razão e sensibilidade" e "Orgulho e preconceito" (veja trailer no final do texto).

Assim, se o cinema consegue transformar uma obra escrita em uma excelente obra cinematográfica, então, na minha opinião, o cinema é "superior" à obra escrita, porque são imagens registradas em cenas imortalizadas para sempre em nossas memórias, emoções audiovisuais que não podem ser descritas com palavras em língua nenhuma. A escritora Clarice Lispector percebia essa dificuldade, nenhuma palavra conseguia expressar totalmente seu íntimo.

Por exemplo, o teatro é efêmero, quem viu, viu, quem não viu, não verá jamais a mesma cena, mudam-se o palco, os atores, e já é outra cena, novamente não imortalizada. Ao contrário, o cinema dá vida aos personagens, eterniza para sempre uma cena. Como esquecer da cena final, magistral, do filme "Cinema Paradiso" com o personagem hipnotizado e os olhos marejados, diante das belas cenas "emendadas" dos beijos eternizados pelo cinema?

O cinema pode ser um entretenimento, mas como diz o cineasta dinamarquês Lars Von Trier (dos excelentes e não menos polêmicos "Dançando no escuro" e "Dogville"), o cinema foi feito prá provocar, prá "arrancar o espectador da apatia" e "jogá-lo contra a parede", e realmente, ninguém sai ileso depois de ver um filme dele.

Portanto, não há desculpas, da próxima vez que você achar que "não tem tempo", tire aquelas duas horas de cultura inútil que você perde com a chatice das novelas (e final de novela é tudo igual, casamentos chatérrimos na igreja, e "foram felizes para sempre", com o vilão devidamente enquadrado), esqueça a mesmice do futebol (tudo bem, dia de "jogão " decisivo, vá lá, tá perdoado), esqueça o "FANático" e os manjados bordões dos programas humorísticos, e vá curtir um bom filme. A cultura agradece.






domingo, 13 de dezembro de 2009

"Sunshine - o despertar de um século"

"Sunshine - o despertar de um século" (atenção ao subtítulo, pois há outros filmes com o mesmo título) - do diretor húngaro István Szabó, o mesmo de "Mephisto" - o filme conta a saga de uma família judia na Hungria, que começa no início do século 20 e atravessa as duas grandes guerras e as revoluções populares e comunistas da Europa (veja o trailer no final do texto)

O ator Ralph Fiennes ( de "A lista de Schindler e "O paciente inglês") interpreta três papéis: ele é o avô narrador da 1ª geração, depois na 2ª geração ele é o pai esgrimista, medalha de ouro nos jogos olímpicos na Alemanha de Hitler, e na 3ª geração é o filho "massacrado" pelas humilhações nos campos de concentração.

O ator, considerado um "pedaço de mau caminho", aparece nu numa das cenas, totalmente nu (e nu frontal) mas atenção, homens, não precisam ficar constrangidos nem desistam do filme (tem nu frontal feminino também), e vocês, mulheres, também não se empolguem, porque não dá nem prá dizer "uau",  porque é uma das cenas de morte mais impactante e sinistra (e mais bem filmada) que já vi em toda minha história de "cinéfila".

A história é longa e lenta (são quase 3 horas de filme, mas nem um pouco maçante) e as gerações são vividas e entrelaçadas por uma personagem-chave, a avó que atravessa as 3 gerações "sustentando" as dores e aflições dos que vão nascendo e crescendo, numa era de incertezas, numa Europa falida e destruída pelas guerras.

Prá curtir o filme é recomendável estar descansado e com tempo - prá não se perder, vale a pena dar uma "paradinha" a cada geração (em média leva 1 hora cada geração) prá não ficar cansativo, mas volto a dizer, vale a pena, é uma aula de história dentro de uma história comovente.

O diretor húngaro usa todas as histórias da sua infância, que ouvia de sua família à mesa de jantar, e mostra no decorrer do século 20 como a Europa (e o mundo) "decaiu" nos seus costumes, na linguagem, na mentalidade e até nas relações entre as pessoas - no início (na 1ª e ainda na 2ª geração) temos a "época de ouro" da Europa Central com seus famosos cafés, pessoas cultas e envolvimento emocional entre as pessoas que, com as guerras e a perda do poder econômico, deram lugar (na 3ª geração) aos "self-services", ao linguajar quase vulgar e aos relacionamentos superficiais, interesseiros e hedonistas.

A pergunta que sempre me intrigou na história do holocausto é justamente a mesma indagação que faz a avó judia, questionadora e revolucionária, num dado momento do filme: "Por que, se vocês eram milhares no campo de concentração, não reagiam diante das poucas centenas de soldados armados nazistas?" Nessa hora me vem a lembrança a famosa frase de Einstein: "Somente duas coisas são infinitas: o Universo e a estupidez humana, e eu não estou tão seguro quanto ao primeiro".

Mas o filme termina com uma ponta de esperança, com o neto (sob o eterno "ombro" da avó) assumindo suas raízes e sua pátria. Um belíssimo filme - vale as três horas. Uma lição de vida, e de quebra serve para "meditar" sobre comodismo e subserviência.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

"Antes do amanhecer"

Ele apareceu num momento confuso da vida dela. Refeita após anos da separação, ela teve um breve relacionamento, mas que também a marcou muito, e ainda com a alma dolorida, ela não queria se deixar envolver mais uma vez. Mas ele sedutor, não desistia. Insistentes convites, olhares sedutores, cantadas, tudo para conquistá-la.

Ele era bem mais jovem que ela, o que também a assustava bastante, apesar de todos jurarem que ela não aparentasse a idade que tinha. Ele continuava a insistir. Charmoso, "sarado", usava todo charme para envolvê-la. Difícil resistir a tanta insistência.

Ela só queria uma companhia, quem sabe passar o tempo, esquecer o passado e "lavar a alma"? Carente, se deixou levar ao sabor dos desejos da carne, mas aquele breve relacionamento de outrora ainda estava lá, nas suas entranhas.

A noite acabou, e coincidentemente, como eles não mais se encontrariam no lugar de sempre, ela decidiu (como no filme "Antes do amanhecer") que só se veriam de novo em um ano, ou "quem sabe", brincou ela, "nove anos depois" (como o reencontro no filme "Antes do por do sol"). Não foi um "papo cabeça" como no filme, mas ele tinha uma boa conversa, ela que estava "em outra".

Ele tentou novas investidas, mas ela não cedeu. Um ano depois, ele voltou a ligar. Coincidência? Ou ele estava seguindo o acordo? Ela achou melhor não incentivar, até porque o passado de outrora voltava como fantasma a rondar sua alma até então machucada. Melhor não. E ele agora parecia envolvido em outro relacionamento e, confuso, tentava recordar o que passaram juntos.

Ele pediu um novo encontro. Ela disse que iria pensar. Mas não, ela não mais ligou. Melhor não. Será que só se verão de novo em nove anos?




quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

"Apenas uma vez" ("Once")

"Apenas uma vez" ("Once") - esse filme não passou no "circuitão", prá variar foi divulgado no boca a boca nos festivais independentes. É um filme "quase caseiro", câmera na mão, sobre novos músicos batalhando por "um lugar ao sol".

Um músico irlandês de rua conhece uma música tcheca , ficam amigos, descobrem que têm afinidades musicais e decidem então formar uma banda,
e sem que percebam, começa a surgir entre eles um sentimento mais profundo além da amizade, mas eles são "meio que comprometidos", e assim muito do que gostariam de dizer um pro outro é dito então através da música.



Os dois atores são, na verdade, compositores "na vida real", e o título do filme "Apenas uma vez" coincide com a única incursão dos dois no cinema, pois depois do sucesso da música do filme composta pelos dois - ganharam o Oscar de melhor canção - resolveram investir suas carreiras apenas no mundo musical. 

Quem nunca se envolveu sem querer com alguém (muitas vezes esse alguém "algo comprometido"), que tinha os mesmos planos e afinidades em comum, e sem perceber estão juntos mais tempo do que deviam, se divertem e curtem projetos em comum, e de repente, sentem falta um do outro, e "se traem" declarando sentir falta dos inocentes e-mails, dos breves  encontros, etc?

Esse é o tema desse filme delicado e sutil - é preciso sensibilidade prá perceber a sutileza das expressões e dos (poucos) diálogos dos personagens, que se falam (e se envolvem) através de suas composições. Na verdade não é um musical, mas tudo gira em torno da música.

A história se passa em Dublin, na Irlanda, onde vários talentos têm despontado no cenário musical, como Damien Rice (ouça, aqui no blog, a música "Blower's daughter", que faz parte do filme "Closer, perto demais", no texto "Afinal a fila anda para quem?" em nov/2009), também Nick Drake (ouça a música "One of these things first", também aqui no blog, no texto sobre o filme "Hora de voltar" em nov/2009),

e o próprio ator/compositor Glen Hansard (da banda Frames) que faz o papel principal do filme, e a música "Falling slowly" (linda), composta pela também atriz/compositora do filme, ganhou o Oscar de melhor canção da época (abaixo trailer e a música do filme), e os dois compositores, depois do filme, se envolveram e hoje estão namorando e batalhando juntos continuar brilhando juntos na música e na vida a dois.

Encantador. Vale a pena.



quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

"Quase famosos" - o filme

"Quase famosos" ("Almost famous") - a história se passa nos anos 70, no despontar das grandes bandas de rock, que até hoje influenciam os jovens de hoje e de outrora (ainda mais com a carência e a pobreza musical dos tempos atuais), e o filme conta o envolvimento e fascínio de um adolescente, um aspirante a jornalista, apaixonado pelo rock, escalado para acompanhar uma banda em ascensão - o diretor Cameron Crowe mescla um pouco da sua própria história de adolescente, ele foi repórter mirim da revista "Rolling Stones" e participou de uma das turnês do Led Zeppelin.

O filme é puro saudosismo, como não se encantar (e rememorar) diante da expressão memorável do ator adolescente, quando ganha da irmã (que, escondida da mãe, sussurra em seu ouvido "It'll set you free") os discos em vinil e suas famosas capas? Lá estão Jimmy Hendrix, Beach Boys, Joni Mitchel, Bob Dylan, Led Zepellin, The Who - esse último o vinil da trilha sonora do filme "Tommy", a famosa ópera-rock com Roger Daltrey, Elton John e Eric Clapton - e enquanto a gente se delicia com a cena, ouve-se ao fundo as vozes da dupla Simon and Garfunkel cantando "America".

Os atores estão em perfeita harmonia - Frances McDormand (do também excelente "Fargo" dos irmãos Coen) como sempre excepcional no papel da mãe suuperprotetora - e quem de nós, pais, não se viu no lugar dela? Orgulhosa e temerosa ao mesmo tempo. Philip Seymor Hoffman (do também excelente "Magnólia" e "Capote") interpreta o verdadeiro Lester Bangs, um dos críticos de música mais respeitados daquela época. E Kate Russel (linda com os cabelos cacheados e óculos anos 70 a la "Mr John Lennon x Mr Elton John") está cativante como a "Penny Lane" (aqui mais uma homenagem do diretor - a famosa música sobre a não menos famosa rua da Liverpool dos Beatles). 

O filme retrata os bastidores de uma época em que o mundo se viu diante de mudanças radicais na música e nos costumes, uma época em que as drogas foram retratadas de maneira quase romântica. De uma forma sutil, assiste-se ao início da  decadência do rock, quando percebe-se que "a coisa" de repente estava virando "apenas um negocio lucrativo". E por trás da história do rock, assiste-se aos conflitos, paixões e angústias de todo jovem adolescente ao descobrir e trilhar o mundo dos adultos.

A cena mais marcante do filme acontece dentro do ônibus da turnê da banda, onde a música "Tiny dancer", do Elton John, cantada em coro pelo grupo, consegue desfazer as caras amarradas dos integrantes da banda brigados entre si, e termina com o adolescente comentando com a Penny Lane que precisava voltar prá casa e esta o silencia com "you are home" (veja a cena do filme no final do texto). 

A trilha sonora é um desbunde, ela não te larga, te segue pelas ruas na saída da sessão, de repente você sem perceber se vê cantarolando no meio da multidão na volta prá casa (ou no caso do DVD quando revi o filme, me vi rodopiando sozinha em frente ao meu grande espelho da minha sala de estar) - "Tangerine" do Led Zeppelin, "The wind" com a voz suplicante e envolvente do Cat Stevens, "River, de Joni Mitchel (vídeo, no final do texto, na voz de Sarah Mclachlan) e de novo Elton John com a bela "Mona Lisa and mad hatters" e tem muito, muito mais. Imperdível.



















domingo, 29 de novembro de 2009

A fila anda devagar prá quem não curte futebol

Um dia, num bate-papo entre amigas, relembrando nossos ex, entre namorados, "ficantes", paqueras e maridos, a principal queixa delas era....o famigerado futebol. Algumas confessaram brigas homéricas por causa....do futebol, claro.

Festas, reuniões com os amigos, aniversários, no dia que o "timão" vai jogar, nem pensar, e pior, desentendimentos porque o fulano estava assistindo "não sei quem" versus "não sei mais quem" (ou seja, nem o fulano sabia quem estava jogando) e não podia dar atenção ao filho - pior que isso, só mulher fissurada em novela (aliás, outra chatice, acho eu). Tinha até casamento acabado por causa do maldito futebol.

Prá surpresa e espanto delas, contei-lhes que nunca tive esse tipo de problema, pois de todos os meus ex, nenhum deles curtia futebol, alguns até assistiam, mas nenhum era fissurado, no máximo como nós, mulheres, "só na época da copa". E pasmas, me perguntavam como fui ser tão sortuda assim. 

Na verdade não se trata de sorte, eu sem querer (ou sem querer, querendo, sei lá) me afasto dos "fissurados" em futebol. Por exemplo, numa roda de homens falando de futebol, vou me interessar por aquele que tiver menos envolvido no papo, pois já notei que os que não gostam de futebol, se sentem meio que "estranho no ninho", e não conseguem se enturmar, pois como nós, mulheres, não tão nem aí prá essa chatice,

e sorte minha, tenho me dado bem, descubro neles homens intelectuais, voltados para leituras, artes, cinema, ou seja, tudo de bom, e se o relacionamento acaba (como tudo um dia pode acabar), pelo menos não tenho essas lembranças chatas como têm minhas amigas.

De "sacanagem", dizem que "homem que não gosta de futebol é gay" - balela, ao contrário, tenho amigos gays que adoram futebol e "sacam de tudo" só prá ficar perto dos machos (veja vídeo no final do texto). É certo que não é fácil encontrá-los, infelizmente é uma minoria, e muitos estão comprometidos, afinal que mulher vai deixar escapar uma raridade dessas?

Meu filho detesta futebol, é intelectual, estudante de medicina da UFF, a namorada dele me agradece dizendo que tirou "a sorte grande", um garoto bonito, charmoso, sarado, surfista e que não gosta de futebol (segundo ele, um bando de "viados suados se agarrando"). O meu outro filho, também bonito e charmoso, um talento para música, gosta do Fluminense, mas não é fissurado, e ainda bem que é o Fluminense, torcida light, charmosa, diferenciada (dá até prá perdoar o Chico Buarque).

Depois que uma das amigas contou que namorou um flamenguista "doente", e que dia de jogo era o caos, pois se o time ganhava, o fulano tinha que comemorar com os amigos, e se o time perdia, também não tinha espaço prá ela - cinema, barzinho, nem pensar - porque o fulano ficava "deprê", e não saía de casa, pois não podia encarar a zoação dos amigos "rivais",

não tive mais dúvidas, agora sei por que a fila anda devagar prá mim, pois procuro o homem ideal numa minoria, mas acho que vale a pena, pois relacionamento já é difícil, não suportaria me ver dividida entre futebol, e acho que se o fulano é fissurado, paciência, ele que continue com o time dele, só não serve prá mim, caio fora antes de entrar numa furada dessas.

sábado, 28 de novembro de 2009

"Hora de voltar" ("Garden State")

"Hora de voltar" - esse filme "passou longe" do circuitão, circulou só nos festivais de cinema, agradando em cheio aos "cinéfilos de plantão" pelo seu estilo de comédia dramática "não hollywoodiana", e sua divulgação se deu no "boca a boca" entre os fissurados em cinema alternativo.

"Hora de voltar", mistura de drama com pitadas de um humor perspicaz e irreverente, conta a história de um rapaz depressivo, que se reveza em ser ator e garçom em Los Angeles, marcado por um trauma familiar na infância que, por causa do falecimento de sua mãe, se vê obrigado a voltar a sua cidade natal (em Nova Jersey, daí o título original do filme "Garden State") e ao seu passado deixado a força para trás.

O filme foi escrito, dirigido e estrelado pelo ator Zach Braff (do seriado americano "Scrubs") como o rapaz "deprê", dopado com antidepressivos, totalmente alheio a tudo e a todos - as cenas do seu corpo "tatuado" pelos amigos após uma festa regada a álcool e ecstasy são hilárias - e também conta com a atriz Natalie Portmann (dos também ótimos "Closer", "O profissional" e "V de vingança"), que está bem a vontade no papel de "maluquinha" e epiléptica.

A trilha sonora do filme é uma atração à parte - Coldplay (com a música "Don't panic"), Colin Hay e bandas desconhecidas para o grande público como The Shins, Remy Zero, Nick Drake, Zero 7 - músicas envolventes, muito bem escolhidas, compõem e marcam magistralmente as cenas: numa delas a "maluquinha" apresenta ao rapaz deprê o som do grupo "The Shins", com a música "New slang", enquanto ele tenta se livrar de um cão guia numa cena hilária, e no "velório" do seu hamster, ouve-se ao fundo Colin Hay com "I just don't think I'll ever get over you".

E há a cena transcendental e antológica do "guardião do abismo infinito" que diz pro personagem deprê: "good luck exploring the infinite abysm" numa alusão ao abismo da sua própria mente, e ao ouvir isso o personagem "liberta-se" com um grito no abismo, ao som de Simon and Garfunkel, com a música "The only living boy in New York" (veja a cena no final do texto).

"Hora de voltar" é um filme que dá vontade de "entrar no papo cabeça" dos seus personagens, por horas a fio, noite adentro, e gritar com toda a força à beira desse abismo que é a vida, afinal há sentido na vida? ou é melhor vivê-la como nos é possível viver, sem questioná-la? A protagonista conclui numa das belas cenas do filme em que o rapaz se surpreende com uma furtiva lágrima: "this is the life, sometimes hurts so much, but that is life, it's real".

















"Ensina-me a viver" ("Harold and Maude")

"Ensina-me a viver" (atenção para o título original "Harold and Maude", há vários outros com o mesmo título e este só se encontra em locadoras "cult") - a comovente e irreverente história de amor entre um jovem saindo da adolescência e uma senhora "no alto dos seus setenta e tantos anos"(veja cenas do filme no final do texto).

Ousadíssimo para a época (o filme é da década de 70), o diretor foi magistral, não deixou a relação do casal num campo platônico, ao contrário, o diretor não poupou nas cenas de beijo na boca e insinuações de sexo entre o peculiar par romântico, cuja química que rola entre os dois personagens é inesquecível, e o filme continua atual até hoje pois desafia os tabus de sempre como idade, sexo, envelhecimento e morte.

O filme é um "cala-boca" nessa contracultura que rola ainda nos dias de hoje, de que só a juventude é capaz de vencer barreiras, e que só é dado aos jovens o direito a felicidade e ao amor, e aos mais velhos só restaria o embotamento físico e mental, a ponto de as pessoas não mais quererem envelhecer, hoje as pessoas estão ficando "marmorizadas", com caras "botocadas", "esculpidas em cera", sem expressão, com as famosas (e não menos ridículas) "bocas de peixe", tal o retoque artificial prá acabar com as factíveis (e antes bem-vindas) rugas.

Nesse filme, ao contrário, quem exala vitalidade, energia e "anarquia" é a personagem setentona Maude, uma sobrevivente dos campos de concentração nazista (sutilmente denunciada por um número tatuado em seu braço) enquanto o jovem e rico Harold é quase um "zumbi", tal a fixação pela morte, que ele ensaia em falsas (e prá lá de hilárias) tentativas de suicídio, com o objetivo de chamar atenção de sua fria e distante mãe. Por motivos totalmente opostos, eles vivem em cemitérios e indo a enterros de desconhecidos, onde acabam se conhecendo.

E a trilha sonora quase exclusiva do Cat Stevens com sua voz envolvente e inconfundível é uma atração à parte - "Don't be shy", "Where do the children play? "On the road find out", "Trouble", "If you want to sing out".

Não deixem de ver "Ensina-me a viver", um verdadeiro ensinamento da importância da vida (e da aceitação do fatídico envelhecimento e da infalível morte) com esse casal e sua estranha mas divertida e irreverente história de amor.




 

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Traição e vingança na mitologia e nos tempos modernos

Tanto a traição quanto a vingança têm sua história na mitologia grega - Zeus, deus do Olimpo, se disfarça de um jovem humano, enganando e conquistando a jovem e bela Sêmele. Ao ter conhecimento das relações amorosas de Sêmele com seu marido, Hera, "protetora dos amores legítimos", resolve se vingar eliminando sua rival, a inocente Sêmele. 

Hera, infelizmente, como a grande maioria das mulheres, ainda nos dias de hoje, isenta o masculino - Zeus, seu marido - de culpa. Traída e machucada por um marido que não a respeitava, o que Hera não se deu conta (e muitas mulheres da atualidade), em momento algum, é que ao matar Sêmele, apenas deixou vago para uma outra o espaço que não era capaz de ocupar. 

A fidelidade e exclusividade não precisariam ser cobradas se fossem vistas como "sinônimo" de respeito e admiração, e para tal, têm que ser mútuos; os homens querem a liberdade de ter "escapadinhas" que rotulam como "apenas envolvimento carnal, numa noite qualquer, sem envolvimento emocional". 

Ora, esses mesmos machos aceitariam essa mesma conduta de suas mulheres? Ou seja, sem envolvimento emocional, as mulheres seriam perdoadas de suas traições, como elas costumam perdoar os seus parceiros?? 

E não me venham com a "máxima" de que mulher não consegue se relacionar sem envolvimento emocional, porque esse velho conceito já era, bota um "deus do olimpo sarado" na nossa frente e quero ver "quem fica prá contar história". 

Mas é fácil falar quando a pimenta é nos olhos dos outros, traição por traição, qualquer que seja, com ou sem envolvimento emocional, envolvendo qualquer um dos sexos, é sempre doloroso prá quem é traído, não importa se é o homem ou a mulher o traído, 

porque zera a auto-estima, a auto-confiança, faz o traído se sentir menosprezado, menos amado, menos merecedor, principalmente se isso ganha manchete e todos ficam sabendo, é humilhante, e marca prá sempre o traído, que poderá ser a partir daí um desconfiado e controlador em todo e qualquer futuro relacionamento.

Prá quem é traído, o relacionamento a três costuma ser muito dolorido, mas em alguns casos, segundo o autor do livro “Zeus, Sêmele e Hera - o papel do amante no triângulo amoroso”, pode até ser útil. Estranho, não? Mas, segundo o autor, é através dessa terceira pessoa que um relacionamento, que estava ruim, ganha “um gás” prá poder continuar, é justamente o relacionamento clandestino que, em alguns casos, sustenta o oficial quando ele chega ao limite do insuportável.

E ele acrescenta: "muitas vezes, um dos parceiros, consciente ou não, faz questão de fechar os olhos e fingir que não sabe de nada, pois não tem coragem de ser alguém independente e buscar seu caminho sem quebrar esse ciclo de dependência, não consegue mais ser uma pessoa inteira. E por isso, se submete a humilhações veladas, a displicências, a amores pela metade, tudo pela manutenção da "coisa toda". 

Infelizmente, temos muitas Heras espalhadas por aí, em pleno século XXI. Para descontrair, veja abaixo o interessante vídeo sobre as "armadilhas da traição".


terça-feira, 24 de novembro de 2009

"Impulsividade" - o filme

"Impulsividade" - a história do adolescente que, ao não se enquadrar em nenhuma "tribo", anestesiado de tudo e de todos, se isola para, literalmente, "chupar o dedo" (daí o título original "Thumbsucker" - veja trailer do filme no final do texto), se negando a sair da adolescência para a vida adulta, já que os exemplos que tinha de maturidade, vinda de adultos à sua volta, eram falhos e questionáveis. 

No filme, todos têm seus vícios (a mãe, papel de Tilda Swinton, o dentista, papel de Keanu Reeves, o pai, o irmão), vícios em drogas lícitas e ilícitas, em competições, em ganância, em busca incessante por sucesso, mas só o vício do então adolescente não é considerado digno, não é "normal" como os demais, ninguém é punido por seus vícios "normais", só ele é visto como "portador de uma anomalia", é o único "doente". 

Mas para o jovem adolescente é apenas uma compulsão que, desde a infância, o acalma, portanto difícil de evitar e controlar. Todos nós tivemos/temos/teremos vícios que funcionam como válvula de escape para alívio de tensões, tipo roer unhas, arrancar cutículas, balançar pernas, etc. 

No filme, "resolve-se" o problema do garoto com uma medicação, a ritalina, que o faz ficar hiperativo, e ele passa a experimentar de tudo, inclusive álcool e drogas, e então, ironicamente, passa a ser visto como um adolescente normal. 

É a velha (ou seria nova) tirania urbana e globalizada, de que temos que nos enquadrar em arquétipos e estereótipos, é a cultura da "felicidade" a qualquer preço, não podemos ficar tristes, somos logo rotulados de "depressivos" e dá-lhe "fluoxetinas" da vida, e somos obrigados a voltar a "sorrir" (ou melhor, ficamos embotados, dopados, mas "felizes", porque não é de "bom tom" compartilhar tristeza, "não dá ibope").

A escritora gaúcha Lya Luft, no seu livro "Rio do meio" e ainda no também excelente  "Perdas e ganhos", já discutiu exaustivamente sobre esse tema, que é preciso passar conscientemente (e lucidamente) por essas tristezas para poder vencê-las, e não "fingir" que elas não existem por meio de "drogas da felicidade".

Portanto, diante de uma inevitável tristeza, "curta-a" lucidamente, e vença-a, e saiba que você não será o único a passar por isso; esse é o tema desse excelente filme alternativo não hollywoodiano. "Impulsividade" é uma profunda reflexão sobre nossas atitudes, erros e acertos nas relações interpessoais.

E a pergunta que não quer calar - é preciso trocar um vício "anormal" por outro "normal" prá ser aceito pela "tchurma"? E que droga de felicidade é essa, que querem nos impor, a todo custo, com uma "droga lícita" de felicidade??? 

E termino com o questionamento do grande poeta alemão Rainer Rilke: "Quem nunca esteve sentado, cheio de medo, diante da cortina do próprio coração?"

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

"Adeus, Lênin" - filme alemão

No embalo da onda, dado o enfoque da Alemanha na mídia, por conta dos 20 anos da queda do muro de Berlim, aproveito e indico mais esse excelente filme alemão, que começa no período que antecede a derrocada do regime e mostra como a unificação "mexeu" com a vida dos berlinenses.

"Good bye, Lênin" (veja trailer no final do texto) conta a história de um filho que se sente culpado do (provável) infarto que a mãe sofreu (a mãe, uma fervorosa ativista e nacionalista da Alemanha Oriental) ao vê-lo participar de uma passeata anti-socialista. 

Houve complicações e a mãe fica em coma por cerca de oito meses, tempo suficiente para acontecer a queda do muro e a Alemanha Oriental se adaptar ao capitalismo.

Ao se recuperar do coma, para poupar a frágil mãe, o filho resolve forjar a vitória da ideologia socialista, como se nada tivesse mudado naqueles oito meses, para isso vamos assistir a uma série de gags bem boladas e hilariantes. 

O filme tem um pouco de tudo, tem momentos muito engraçados, outros dramáticos, tem homenagem ao cinema europeu (a estátua de Lênin carregada de helicóptero lembra a cena da abertura de "La dolce vita" de Fellini),

mas a grande sacada do filme é o questionamento que ele nos remete, quando percebe-se que a vida mudou pouco para as pessoas daquele local. Sabe-se hoje, 20 anos após a queda do muro, que muitos alemães que nasceram e cresceram do lado leste, a antiga Berlim Oriental, 

sentem nostalgia dos velhos tempos - a chamada "ostalgie", nostalgia do leste - o filme retrata isso muito bem, com o filho tentando forjar o pepino em conserva, o feijão enlatado, produtos típicos  que sumiram das prateleiras com a chegada dos "enlatados" americanos - a saída estratégica do filho prá explicar o anúncio da coca-cola é o máximo.

Há pouco tempo o país voltou a fabricar os velhos produtos pré-unificação (carros, refrigerantes, enlatados) e até camisas T-shirts com o brasão da DDR (sigla do "país extinto").

"Adeus, Lênin" mostra uma visão romântica e saudosista de uma ideologia diferente da nossa, mas no fundo a mensagem que fica é que, não importa se socialista, comunista ou capitalista, o que importa é que, o que todos nós desejamos, sem exceção, é um mundo melhor de se viver. O mundo precisa urgentemente de filmes como esse. Inesquecível.





"A vida dos outros" e "A experiência" - excelentes filmes alemães

"O poder transforma, e nem sempre prá melhor, é preciso saber lidar com ele, para que não nos deforme". Palavras da escritora Lya Luft. Começo minha dica de cinema com essa frase que resume - e nos faz meditar sobre - esses dois excelentes filmes alemães.

"A vida dos outros" (veja o trailer no final do texto) - a história se passa na Alemanha, década de 80, anos antes da queda do muro de Berlim. De início, vai parecer que se trata de um filme político sobre os abusos e desmandos do regime ditatorial da época, onde a Stasi, a polícia secreta alemã oriental, com seus espiões orgulhosos em "servir a pátria, rotula a todos, indiscriminadamente, como possíveis traidores do partido,

mas o filme apresenta reviravoltas, começa devagar, frio, tudo muito sombrio, combinando com a fisionomia dura e impassível do espião, como se a lentidão expressasse o ódio e o sentimento de escárnio e delação que há por trás de toda vigilância, mas aos poucos a trama vai te envolvendo, 

é um suspense lento mas penetrante, o personagem do espião nos conduz magistralmente (mérito do excelente ator), e sem perceber, sem alardes e sem sustos, sem te deixar "na ponta da cadeira", e em momento algum "roendo as unhas", quando você se espantar já estará totalmente absorvido pela trama.

O filme coloca o espectador sob a lente e o ponto de vista do algoz, só que aos poucos, com o decorrer das investigações (em que a vítima, um casal de atores, tem sua vida vasculhada pelo avesso) o espião se vê diante de um novo mundo que se descortina à sua frente, quando entra em contato com o mundo artístico de sua vítima (principalmente com os versos e a poesia de Bertold Brecht que ele rouba do apto do casal),

e então vamos assistir a uma transformação do semblante do algoz, e o que era escárnio passa a admiração provocando uma total reviravolta no conduzir das investigações, acontece então a redenção do algoz.

Vital para o desenrolar do filme é a atuação do ator principal, o espião, ao transmitir magistralmente nas suas expressões a complexidade das relações e reações humanas,  um excelente ator (não lembro o nome, também nome alemão fica difícil guardar) que morreu algum tempo depois de terminada as filmagens.

A seguir, cai o muro de Berlim, a Alemanha é unificada, e o personagem, o ator vigiado, descobre então que esteve o tempo todo sendo vigiado, encontra seu ex algoz e como um "danke" (muito obrigado em alemão) seria muito pouco, ele encontra um jeito magnífico de agradecer - veja o filme e o "gran finale". Emocionante. Imperdível. 

Agora, se você é do tipo que gosta de suspense daqueles que deixa a gente "na ponta da cadeira, roendo as unhas", então não deixe de ver "A experiência"  (em alemão "Das Experiment" - não confundir com um outro "A experiência", filme B, enlatado americano sobre alienígenas, "chatérrimo")

É um filme baseado em fatos reais, o que impressiona mais ainda - o experimento de aprisionamento da Universidade de Stanford na década de 70 que foi suspenso na metade do projeto (vale a pena ler sobre o experimento, veja no wikipedia).

Um macabro "reality show", o filme pretende mostrar a possível catástrofe que poderia acontecer se o experimento não tivesse sido suspenso. Excelente filme, mas prepare o estômago, não é fácil de assistir (eu só consegui ver uma única vez), é pesado, claustrofóbico, deprê mesmo, mais paranóico impossível (coisa de alemão?)
 







  


 

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

"Rifa-se um coração"

 Faço minhas as palavras do poema "Rifa-se um coração" (que, erroneamente, tem sido atribuído a Clarice Lispector):

"Rifa-se um coração quase novo. Um coração idealista.
 Um coração como poucos. Um coração à moda antiga.
 Um coração moleque que insiste em pregar peças no seu usuário".

"Rifa-se um coração ...
 que na realidade está um pouco usado,
 meio calejado,
 que teima em alimentar sonhos e cultivar ilusões
 Um pouco inconsequente
 que nunca desiste de acreditar nas pessoas...
 Um idealista.....um verdadeiro sonhador....."

"Rifa-se um coração..... que nunca aprende.
 Que não endurece,
 e mantém sempre viva a esperança de ser feliz,
 sendo simples e natural.
 Este coração tantas vezes incompreendido.
 Tantas vezes provocado. Tantas vezes impulsivo".

"Rifa-se um coração....esse coração que erra,
 briga, se expõe.
 Que perde o juízo por completo
 em nome de causas e paixões. 
 Sai do sério e, às vezes, revê suas posições
 arrependido de palavras e gestos"

"Eu fiz tudo certo, só errei quando coloquei sentimento.
 Só fiz bobagens e me dei mal
 quando ouvi esse louco coração de criança
 Que insiste em não endurecer e se recusa a envelhecer".





" Endurance " - documentário

Prá quem curte aventuras, o livro "Endurance" é uma leitura muito prazerosa. Trata-se de um documentário sobre a expedição inglesa no início do século 20 para a Antártida, com o diário de bordo dos seus tripulantes.

Os diários mostram como homens extremamente práticos, céticos, matemáticos e "duros" como o gelo, se "derretem" como a neve, ao se defrontarem com barreiras intransponíveis e revelam extrema sensibilidade diante da natureza gélida e implacável, e se rendem ao emocional e ao espiritual como a única tábua de salvação naquela natureza infinita e solitária.

As fotos em preto e branco feitas pelo fotógrafo da expedição são incríveis, quase inacreditáveis, o "Endurance" atolado no gelo parece um barquinho de brinquedo tal a grandiosidade gélida ao seu redor. Vale a pena ler. Abaixo parte do documentário filmado a partir das imagens do livro, e uma película em longa metragem foi filmada no ano 2000 (não assisti).

sábado, 14 de novembro de 2009

Afinal, a fila anda prá quem?

"A fila anda". Nos dias de hoje, é o que mais se ouve dos amigos, principalmente depois daquele famoso "pé na bunda". Mas afinal de contas, a fila anda prá quem? Será que é tão fácil assim para as pessoas, hoje em dia? Que relações pós-modernas são essas, virtuais desde o primeiro momento? Onde foram parar as verdadeiras emoções dessas pessoas? Escondidas atrás de um teclado? O desapego é assim tão grande? Não existe entrega, intimidade, vínculo afetivo entre as pessoas? O que rola é só sexo? Orgasmo múltiplo? Real ou virtual? Enquanto durar o efeito da vodka e da caipirinha?

Se dermos uma breve olhada nos perfis das redes sociais, praticamente todos os internautas, em busca de relacionamentos, são "bem-resolvidos", "autônomos", "lindos e poderosos", verdadeiros "fodões", é de dar inveja (se realmente acreditássemos nisso). Será mesmo que não precisam de troca, de nenhuma entrega emocional, de nenhum envolvimento mais profundo? Só estão atrás de sexo, de performances pirotécnicas? É a era do "ficar" ou já estamos na era do "pegar" e "largar"?

Não sei, mas comigo a fila demora a andar. Ainda preciso de "certo alguém" que me faça sonhar acordada, que me envolva em aconchegos, que até me traga incertezas mas reais (não certezas virtuais), que saiba acalentar meu choro contido, rolar na cama e depois me traga um bom café prá me acarinhar. Pequenas "coisitas", nada mais que isso.

O filme "Closer - perto demais" (veja trailer no fim do texto) é um excelente filme que, apesar de "deprê", fala desses relacionamentos cheios de desencontros, de humilhações e traições, de almas solitárias, e principalmente da superficialidade e do hedonismo dos relacionamentos de hoje em dia.

O filme conta com Julia Roberts, Jude Law, Natalie Portman e Clive Owen envolvidos num "quarteto" amoroso, num troca-troca nada convencional, e a película inicia os créditos ao som da bela música "Blower's daughter" do irlandês Damien Rice, música essa que foi "detonada" pela versão prá lá de chata e brega da Ana Carolina - "é isso aí ??? eu não consigo parar de te olhar" (eu já não gostava daquela voz máscula - sem preconceitos - depois dessa versão então, nem se fala)






"Brilho eterno de uma mente sem lembranças"

O filme "Brilho eterno de uma mente sem lembranças" (trailer do filme no final do texto) - logo nas primeiras cenas, a sensação de confusão pode ser tão (ou mais) intensa quanto a do personagem principal, mas calma, não desanime - o filme se desenrola em flashback, começa pela tentativa de reinício da relação de um casal, corta e vai pro fim do relacionamento, corta de novo e volta pro desenrolar dos acontecimentos que levaram ao rompimento.

Confuso? Sim, mas talvez seja essa a intenção do diretor, pois confusos também são os relacionamentos, mas nem por isso deixamos de nos relacionar com as pessoas, portanto não desista, passada a primeira meia hora do filme, você vai começar a se situar, e verá o "desbunde" que é esse filme (prá entender detalhes do filme, é preciso vê-lo mais de uma vez - e vale a pena, acredite).

Não dá prá falar muito sobre o filme sem revelar (e estragar) um ou outro segredo. Basicamente trata-se de uma dolorosa "brincadeira" com as nossas mentes e nossos corações - um casal cujo fim do relacionamento acabou em mágoas e brigas, procura (primeiro a mulher, depois ressentido, o homem) por uma clínica fictícia capaz  de "apagar" toda e qualquer lembrança daquele relacionamento, com um simples programa de computação, que provoca uma "ablação" de toda conexão sináptica que estivesse vinculada a alguma recordação daquele relacionamento doloroso.

O "tratamento" para esquecer prá sempre o fulano de sua vida funciona prá ela (Kate Winslet de "Titanic") mas quando chega a vez dele (Jim Carrey "O máscara") inconscientemente ele reluta em se deixar "apagar", e por conta disso, vamos assistir a uma série de efeitos especiais e de câmera muito bem bolados (o muro e o drive-in desmoronando, a casa sendo inundada pela chuva, a "fuga" para locais remotos da memória sem lembranças) prá demonstrar a luta interior da mente (e do coração) contra aquela destruição da memória, e indiretamente das experiências vividas.

O diretor realizou um filme muito interessante, com uma imaginação fértil diante de um tema comum, numa abordagem aparentemente inimaginável mas, quem é que, ao sair de um relacionamento doloroso, não gostaria de poder apagá-lo prá sempre, poupando-nos de tanto sofrimento? Mas também nos questionamos (como o protagonista) se vale a pena apagar nossas experiências, mesmo as mais dolorosas, pois o aprendizado para uma nova relação talvez venha de uma dessas nossas experiências não tão bem sucedidas.

Essa é a temática desse filme, que conta também com outros bons atores (Mark Ruffalo do recente "Ensaio sobre a cegueira", Kirsten Dunst, a namorada do "Homem Aranha" e Elijah Wood de "O senhor dos anéis") que compõem o "time de profissionais" responsáveis pela "ablação" da memória  do Jim Carrey e que, enquanto "apagam" o cara, vivem, sofrem e "apagam" seus próprios relacionamentos. 

Aliás, se você (como eu) acha o Jim Carrey chatinho com aquelas caras e bocas repetitivas em seus filmes de comédia, vai se surpreender ao vê-lo irreconhecível num papel sério, compenetrado, sofrido e amargurado. Todo mundo vai reconhecer, no casal em questão, algum casal amigo (ou até a si próprio) pois os protagonistas são pessoas normais, dolorosamente normais, como todos nós.

O filme é um verdadeiro quebra-cabeças a ser montado, num mirabolante truque de imagens e efeitos (de câmera principalmente, prá quem curte cinema e seu "making of" é um "prato cheio") simulando a complexidade das relações e das nossas mentes (e claro, de nossos corações).

E a música "Everybody's gotta learn sometimes" cai como uma luva nas cenas de desespero e dor do protagonista, e a fotografia do filme é magnífica (principalmente as paisagens de inverno, da neve "substituindo" a areia em plena beira-mar).

"Brilho eterno de uma mente sem lembranças", um filme prá pensar e repensar. Não deixe de ver. Vale a pena.


Mulheres são 100% bruxas ???!!!

Algum tempo atrás, recebi um e-mail de uma "amiga" (entre aspas, porque com o tempo ela se revelou uma pseudo-amiga) com uma mensagem reenviada de uma amiga dela, que dizia ser "a melhor mensagem dos últimos tempos" e que ela repassasse para quem tivesse "sabedoria suficiente para entender" (com essa parte em negrito). Aguçada minha curiosidade, diante de tanto entusiasmo, fui assistir o tal vídeo.

Era uma história "chatérrima", com um visual de fundo muito brega (uma imagem parada de um único castelo "macabro"), sobre um príncipe condenado a morrer se não respondesse a fatídica pergunta (que nem Freud respondeu) "o que querem as mulheres?". O tal príncipe percorre todo o castelo a procura de alguém que saiba a resposta - e até isso acontecer, haja blá, blá,blá inútil, num texto chato, cheio de rodeios, prolixo até não poder mais.

E enfim (ufa, pensei desistir várias vezes, mas... como era a "melhor mensagem" e tinha que ser "inteligente para entender", fui até o fim para ver no que dava), ele encontra uma bruxa que tinha a resposta, mas que exigia em troca, se casar com o tal príncipe bonitão. 

E tome mais chatice, descrevendo, em detalhes sórdidos, a feiura da bruxa, para enfim surgir a fatídica resposta: "as mulheres querem ser soberanas de suas próprias vidas". Ooooooooooh! pensei com meus botões: que revelação "surpreendente" em pleno século 21. 

Mas a chatice não parava por aí, contava como foi o casamento e como o príncipe bonitão tratou a bruxa horrenda respeitosamente, apesar da feiura e das grosserias da mesma. E eis que, na lua de mel, surge uma linda mulher, revelando que, como ele a respeitou, ele a teria metade do dia bela e a outra metade bruxa, e que ele escolhesse qual o período do dia ele a queria linda (se de dia ou de noite). 

Para terminar (se para contar é essa chatice, imagine ler o original) o tal príncipe deixa a "escolha" para ela decidir (não antes de nos "pentelhar" em vários slides para adivinharmos qual seria a resposta dele), que então resolve que, seria bela o dia inteiro, já que ele "respeitou" a vontade dela.

E a tal mensagem termina com a moral da história mais macabra que já li em toda a minha vida: "Belas ou não, no fundo, todas as mulheres são bruxas, elas se transformarão, de acordo como vocês as tratarem", e ainda conclui: "entenderam?"

What????????  P... da vida por ter perdido meu precioso tempo, mandei de volta minha revolta com tamanha babaquice, perguntando quem era a "retardada" que achava que precisava de inteligência para entender aquela historinha chata, ridícula e explicitamente machista. 

Para a minha surpresa, e mais indignação ainda, a tal "amiga" me manda de volta: "você não entendeu a mensagem", ou seja, ela indiretamente estava me chamando de burra.

Sem pestanejar, "apunhalei" de volta: "a mensagem rotula as mulheres como 100% bruxas e fica claro que a bruxa ficaria com o príncipe, qualquer que fosse a resposta dele, ou seja, sendo bem tratada ela seria linda, e se maltratada seria bruxa, mas continuaria submissa, ao lado dele". 

E continuei: "você (e sua amiga) com sua visão "monocular pró-macho" não percebe o quanto essa mensagem é anti-feminista", e finalizo com meu golpe de misericórdia que a fez repensar: "fico a imaginar a Simone de Beauvoir se remexendo no seu caixão, pois de nada adiantou ter escrito "O 2º sexo" lá nos idos dos anos 50. 

Porque o que fica como "moral da história" é justamente o que a escritora feminista abominava, que era o princípio de Pitágoras de 500 anos a.C. : "há um princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um princípio mau que criou o caos, as trevas e a mulher".

De acordo com essa historinha macabra, a filosofia de anos antes de Cristo ainda impera sobre a filosofia de 20 séculos depois de Cristo. Ponto para os machos. Triste destino o nosso.

E finalizei assim o e-mail: "se somos maltratadas por algum homem, ao invés de nos tornarmos bruxas, não seria melhor continuarmos lindas e avassaladoras para outro, e mandar esse para PQP ????" 

Foi meu tiro de misericórdia final. Vencida, ela emudeceu do outro lado. E eu é que não entendi a mensagem???!!! 

terça-feira, 10 de novembro de 2009

"Magnólia", o filme

"Magnólia" é um filme totalmente inusitado em sua proposta de entrelaçar relacionamentos interpessoais, todos eles extremamente dolorosos. Todos nós, sem  exceção, já vivemos direta ou indiretamente situações como a dos personagens. Ao começar a ler essa "crítica", você talvez vá querer desistir de continuar a lê-la (e principalmente vai querer desistir de ver o filme, ainda mais quando souber que tem duração de mais de três horas), porque no nosso íntimo, tendemos a fugir de sofrimentos, mesmo que alheios, ainda mais se podem nos fazer lembrar de um dos nossos.

Mas não, não desista. O filme é sobre relacionamentos problemáticos sim, entre casais, entre pais e filhos, entre profissionais, e aborda temas polêmicos como drogas, violência, incesto e homossexualidade (sutilmente, sem ser explícito nessas cenas), mas apesar de tudo, não é um filme pessimista, ao contrário, antes de qualquer coisa, o filme é sobre perdão, resignação e compreensão. O filme deixa como mensagem que é possível haver mudanças, que os encontros são possíveis, que é possível perdoar.

O filme ameniza o desespero e desencontros dos seus diversos personagens, com muita música ao fundo, como sucessos como os do Super Tramp ("Goodbye stranger") e de Aimee Mann ("Save me") e a cena inusitada dos próprios personagens cantando a música "Wise up" ao fundo - lembra um clipe - cada um iniciando uma estrofe da música, sendo retomada a letra pelo personagem seguinte (numa alusão a um silencioso encontro, conforto e cumplicidade entre os personagens) - veja a cena no final do texto.

O filme mostra um dia na vida de vários moradores dos arredores da rua Magnólia, em Los Angeles,  num dia atípico naquela cidade (em geral ensolarada), chuvoso, com tempestades e ruas escuras, e vivenciaremos muitas histórias paralelas, aparentemente confusas, sem um fio condutor bem definido, mas que aos poucos se ligam e interligam num turbilhão de tramas  aparentemente caóticas.

Um timaço de atores como Philip Seymour Hoffman (excelente como sempre), Tom Cruise (surpreende no papel de machista resignado) e Julianne Moore (brilhante atuação) estão à vontade nos seus papéis, apesar de todos os personagens ter contas a acertar com o passado e carregarem consigo fortes sentimentos de culpa, medos e arrependimentos.

Temas difíceis de digerir como morte, ódio, solidão, culpas, são como dardos pontiagudos que atravessam nossa carne, corroem nossa alma, mas é impossível não vivenciá-las, faz parte da vida, assim como a esperança, o perdão e os sonhos.

"Magnólia" não é um filme fácil de explicar, é um filme prá ver e rever para captar os detalhes e as mensagens contidas (e escondidas) em suas cenas dinâmicas, ágeis em jogos de cenas (por isso as mais de três horas passam rápido), cheias de cortes rápidos e bruscos, de zooms e de referências bíblicas e históricas. 

A cena da estranha chuva de sapos (há cartazes "escondidos" no filme em referência ao texto bíblico do "Êxodo" - tente achá-los) é uma referência aos milagres e "acasos" da vida, numa alusão de que, se é possível "chover sapos" (o menino em sua inocente crença repete insistentemente, vendo de sua janela os sapos caindo do céu, "isso acontece, isso realmente pode acontecer"), então também pode-se acreditar em milagres e no perdão,

e essa cena aparentemente absurda (a chuva de sapos), que poderia ser "um castigo de Deus", nos mostra que, às vezes, por meio de situações dramáticas e absurdas, podemos encontrar o verdadeiro sentido das coisas (será que Deus escreve mesmo certo, por linhas tortas?).

E por causa da chuva de sapos, milagres e "acasos" acontecem com os personagens, e a redenção final se dá no sorriso discreto, mas confiante, no rosto da personagem vítima de incesto e viciada em cocaína, lavando nossa alma de confiança e esperança de que dias melhores virão.

Pesado, mas tocante e encantador. Não deixe de ver. Eu recomendo.


segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Amargas recordações (sem hora prá voltar)

Tudo que vivenciamos fica impregnado no nosso íntimo e se reflete externamente nas coisas materiais, sob a forma de lembranças, sejam elas boas ou más. Os nossos cinco sentidos evocam emoções, e as guardam na nossa memória, ora sob a forma de boas lembranças, ora sob a forma de amargas recordações.

Sons, cheiros, imagens, às vezes lembranças de um toque suave, noutras um gosto amargo de uma desilusão. Boas recordações como doces cheiros da infância, sons saudosos da adolescência, registros visuais em imagens eternizadas em fotografias, ou ao contrário, amargas lembranças como o gosto de fel de um amor bandido.

Certos filmes, certos livros, certos versos e certos contos aos quais eu me apego, que me tocam a alma e o coração, certamente têm um pouco de mim em cada um deles, um pouco do que vai no meu íntimo, dos meus anseios e desejos pela vida.

Experiências traumáticas nos levam a nos afastarmos de recordações que agucem os nossos cinco sentidos. Acho que por isso costumo ser "enciumada" com as cópias dos filmes que "mexem" comigo, hoje em dia reflito bastante antes de emprestá-los (e a quem emprestá-los) pois já tive decepções num desses "empréstimos",

não no sentido de não ter de volta a cópia, materialmente falando, mas sim emocionalmente falando - explico melhor - já emprestei uma cópia de um filme que eu amava "de paixão", e ao emprestá-lo a um "certo alguém", praticamente eu estava emocionalmente me entregando a essa pessoa, e inclusive gravei a trilha sonora desse filme e a dei de presente, como quem se entrega de corpo e alma,

mas prá minha decepção, a minha expectativa em torno desse "certo alguém" foi frustrante, essa "persona" não merecia nem o tal filme nem a trilha sonora, ou seja, não me merecia.

E hoje, o tal filme (e as tais músicas) estão chafurdadas no fundo da minha estante, não consigo mais nem rever o filme, nem ouvir as músicas, um misto de repulsa e raiva tomam conta de mim,  simplesmente não consigo.... amargas recordações.

 


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