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quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Coisas que valem a pena viver

Numa das cenas de "Manhattan", excelente filme em preto e branco do Woody Allen, o ator/cineasta pensa em se suicidar, mas antes decide enumerar, numa lista, coisas que valem a pena viver, e a lista inclui livros de Flaubert, filmes dos irmãos Marx (ele é fã incondicional do Groucho Marx, assim como eu também), filmes suecos (particularmente os do grande Ingmar Bergman), Louis Armstrong (o famoso jazz “Potato head blues” presente em vários filmes dele) e eu incluo aqui os filmes do próprio Woody Allen.

A maioria dos filmes desse irreverente cineasta é semi-autobiográfico, por mais que ele diga que não, mas ele sempre expõe em seus filmes, todos os tiques “neuróticos e nervosos” que ele carrega (e nós também, por que não?), fruto dessa atual sociedade contemporânea, mostrando nos seus personagens toda sua neurose hipocondríaca habitual, sua angústia diante  da incógnita existência, seus complexos e traumas existenciais, sexuais, amorosos e emocionais, tudo sempre com uma genialidade e uma visão cômica e satírica, num estilo próprio até hoje inimitável.

Diretor, roteirista e astro principal da maioria de seus filmes, com uma “veia cômica” sem igual, suas tiradas são sempre sutis, prá lá de espirituosas, é sempre o “bobo da corte” sem querer ser, engraçado mesmo quando angustiado, declaradamente paranóico, por isso mesmo divertido.

É considerado o único comediante de renome internacional, e ao mesmo tempo visto como um intelectual (e músico saxofonista nas horas vagas nos bares noturnos de Manhattan, fã do Dixieland, o jazz tradicional de New Orleans dos anos 20), abordando nos seus filmes sempre um enfoque narrativo personalista que só era visto até então em diretores europeus.

Allen confessa ter sua arte  influenciada pelo grande cineasta sueco Ingmar Bergman (dos magníficos “Gritos e sussurros”, “Fanny e Alexander”  e tantos outros filmes excelentes, morto há uns dois anos com quase 90 anos) e também sofreu influência dos hilários irmãos Marx, em especial Groucho Marx que, para quem já viu filmes desse fenomenal comediante dos anos 30, percebe nitidamente essa influência na “veia cômica” de Allen.

E a trilha sonora de seus filmes é sempre peculiar, marca registrada do autor, com músicas clássicas, jazz, blues, muitas vezes com a voz de grandes divas do jazz  como Ella Fitzgerald e Billie Holiday como fundo musical de seus dramas e crises existenciais.

“Annie Hall” (“Noivo neurótico, noiva nervosa”), um marco na carreira de Allen, imbatível esse filme, não me canso de rever as cenas antológicas, divertidas, sempre contemporâneas  até hoje (o filme é da década de 70). Inaugurou o “divã do analista” nas telas de cinema, sempre com seus longos diálogos analíticos, em questionamentos filosóficos e existenciais, recheados por uma crítica mordaz e sutil da sociedade contemporânea.

Allen vive um comediante judeu nova-iorquino (qualquer semelhança com o próprio não é mera coincidência), um existencialista angustiado com questões religiosas, hilário ao fazer piadas judaicas quando ele, por exemplo, questiona com o amigo se “deveria confiar num clube que aceite ele, um judeu, como sócio” (na verdade a frase original era do Groucho Marx), com suas crises de meia-idade  e com seus problemáticos relacionamentos amorosos.

O primor desse filme é a grande novidade que ele inaugurou nas telas de cinema, em que o personagem conversa e discute seus problemas existenciais com o público, diante da câmera, como num grande palco de teatro (“as a matter of fact”, Groucho já fazia pequenas tiradas direcionando o olhar para o telespectador), e também por inventar flashbacks “ao vivo” (por exemplo, o personagem adulto retorna à infância e senta na sala de aula, contracenando e discutindo consigo mesmo ainda na tenra idade), o ineditismo para a época ainda continua divertindo até hoje. Maravilhoso, quem não viu, não sabe o que está perdendo (veja cenas do filme no final do texto).

E a lista de filmes maravilhosos segue abaixo (veja alguns trailers no final do texto), com alguns deles (são muitos, não vou conseguir citar todos, muito menos falar deles):

“Tiros na Broadway” – apesar de não atuar no filme, Allen dirige um time de excelentes  atores (John Cusak , do também ótimo “Alta fidelidade”) num filme hilário que mistura gângsters mafiosos e teatro. E em A era do rádio o cineasta homenageia Carmen Miranda e os grandes artistas do rádio e o filme conta com a inédita participação da atriz brasileira Denise Dumont cantando Tico tico no fubá (veja cenas do filme no final do texto)

Os  sensacionais e prá lá de originais “Zelig”, um falso documentário em preto e branco do fictício e hilário Zelig e suas várias personalidades psicóticas, com montagens espetaculares do personagem contracenando com celebridades,  muitas delas já falecidas na época do filme, como John Lennon e Hitler e “A rosa púrpura do Cairo”, a história da telespectadora que entra na telona prá fazer par romântico com o personagem do filme, inaugurando um estilo único,  com a fantasia misturada a “realidade”, depois imitados mais tarde no ótimo “Forrest Gump, o contador de histórias”.

Os sensacionais “Hannah e suas irmãs”, ”Manhattan”(sua maior homenagem  a sua cidade natal, sua grande paixão), “Crimes e pecados”, “Interiores”, “Simplesmente Alice”, “Sonhos eróticos de uma noite de verão”, “Todos dizem eu te amo”, “Match Point” ,“Melinda e Melinda”, “Poderosa Afrodite” e a lista não pára, os mais recentes são“Vicky Cristina Barcelona" e "Tudo pode dar certo" ("Whatever works").

E prá terminar frases do  intelectual existencialista “neurótico e nervoso” sempre questionador do inquestionável, Woody Allen:

"Mais do que nunca na história, a humanidade está numa encruzilhada. Um caminho leva ao desespero e à absoluta falta de esperança. O outro, à total extinção. Vamos rezar para escolhermos corretamente." 

“Você pode viver cem anos se desistir de todas as coisas que o fazem querer viver até os cem anos.”






 







domingo, 24 de janeiro de 2010

A exploração do corpo da mulher

Acabei de assistir a um documentário italiano, intitulado “O corpo da mulher”, sobre a exploração do corpo feminino na televisão. É de chorar de ódio, tal a vulgaridade das imagens, o apelo nitidamente sexual, e por trás, o preconceito da suposta pouca inteligência dessas mulheres, que se prestam a esse tipo de manipulação.

A mulher real com suas rugas e seus seios pequenos foi “excomungada” da TV (e se bobear, da face da Terra) e substituída pela versão "fake" de seios inflados artificialmente, rostos convertidos em máscara pela cirurgia estética, simplesmente não se envelhece no vídeo, somos grosseiramente massacradas por uma imagem vulgar e humilhante, reduzidas a peitos e bundas “fakes”, inexpressivos rostos de cera e  bocas bizarras,

a ponto do apresentador machista chauvinista, ao chamar uma telespectadora da platéia (esta sim uma mulher real, com os seus  seios naturais, sem o apelo da cirurgia estética,  seios naturalmente pequenos ), descaradamente perguntar se a mesma “tinha deixado os seios em casa”. Tudo isso sob os olhos dos espectadores silenciosos que não questionam essa humilhação.

Também no Brasil vemos a mesma exploração nos programas humorísticos - detesto esses programinhas de gosto duvidoso, com seus bordões ridículos, de cunho sexual, tipo Zorra total e Faustão, e os Big Brothers da vida, que revelam as “famosas celebridades” (Andy Warhol só errou no espaço de tempo quando disse que “no futuro todos teríamos 15 minutos de fama”, na verdade são 5 segundos de fama, e olhe lá).

Nesses programas, nós mulheres, somos apenas um enfeite para os homens brilharem e se divertirem (e nos humilharem, reduzindo-nos a meros objetos sem cérebro) e ninguém protesta contra  essa forma com a qual somos representadas, tudo isso com o aval de nós mesmas, as mulheres que se apresentam “lindas e mudas” (como diz uma apresentadora na TV italiana “pois é assim que os homens gostam"). 

Depois de anos de luta contra discriminação, como pode a mulher se prestar a isso???? No documentário, vemos uma  mulher, ao lado do apresentador, bela e muda (só lhe é permitido dizer “sras e srs,  nossos comerciais, por favor”), reduzida e auto reduzida a objeto sexual, em posições humilhantes, para satisfazer os desejos masculinos, abdicando a possibilidade de mostrar seu verdadeiro potencial e sua verdadeira identidade e competência.

"No espelho a mulher não se revela, se esconde”, diz a documentarista feminista  indignada com a imagem sucateada da mulher na TV, “a mulher não está satisfeita com a própria face, não se aceita, olhamos nossos corpos (e de nossas “concorrentes”) como os homens olham e não como gostaríamos de sermos notadas”.

No documentário, em uma das cenas, o apresentador pergunta se a moça (que “enfeita” o quadro humorístico) tem um limão nas mãos e ele mesmo responde “não, nem um limão, nem mesmo um cérebro” (e a “descerebrada” se contenta em sorrir um sorriso amarelo). Milhares de mulheres belas (muitas artificialmente belas) que se submetem a inúmeras humilhações vexatórias, apenas elemento decorativo, moldura para o homem, ornamento para o suposto talento do homem.

Ainda no documentário há uma declaração magistral de Anna Magnani  (famosa atriz italiana, falecida nos anos 70 - feliz dela que morreu antes de assistir essa degradação contemporânea da mulher - consagrada internacionalmente no filme “Roma, cidade aberta”) que diz para o maquiador da TV : “não me remova minhas rugas, levei uma vida inteira para fazê-las”.

Por que as mulheres não podem mostrar seu verdadeiro rosto na TV, por que temos que ter vergonha de mostrar nossa cara ? Um abuso que, ao homem, nunca é imposto. Por que  mostrar a passagem que o tempo deixa no nosso rosto é uma vergonha ? Por que temos que esconder  nossas rugas? Por que temos que esconder nossa autenticidade e consequentemente nossa alma?

Recomendo a todos assistir ao documentário (assista no final do texto) principalmente mulheres que como eu questionam esse tipo de  manipulação de corpos pelos homens, tenho aversão por homens que se julgam superiores e nos julgam limitadas no nosso trabalho e profissão, que só nos vêem como peito, bunda e pernas.

Certa vez comentando com colegas homens sobre essa manipulação de corpos, ouvi  de um deles que ele não se interessava por mulher com pouco seio e que “só tinha a lamentar” se a mulher tiver pouco seio, um absurdo. Será que os homens gostariam que fôssemos escolhê-los apenas pelo tamanho do seu falo?

Hoje o que vemos são garotas, cada vez mais jovens, se submetendo a plásticas e enchimentos, numa idade que a juventude por si só já deveria falar por si mesma, mas a ditadura do corpo perfeito tem escravizado também jovens de pele naturalmente  translúcida e sem rugas. 

O documentário termina afirmando que “está em jogo a sobrevivência da nossa identidade” e  questionando “Porque não reagimos? Por que não apresentamos as nossas verdades? Porque  aceitamos essa humilhação contínua? Por que não cuidamos de nossos direitos? Do que temos medo?”

sábado, 23 de janeiro de 2010

Despertar o gosto pela leitura

Como já mencionei em outro texto, quando estou numa livraria, adoro  me “perder” no meio daquele monte de livros e títulos, e há pouco tempo meus olhos sem querer “pararam” no livro “A pérola” de John Steinbeck. Li esse livro na minha pré-adolescência e lembro-me que me marcou muito a história do pescador pobre que encontra uma valiosa pérola, que deveria ser sua redenção e salvar seu filho então mordido por um escorpião, mas ao contrário, a pérola foi sua desgraça, tal a cobiça em torno da preciosa jóia.

John Steinbeck era um escritor americano, cuja história do  livro “As vinhas da ira” foi levada ao cinema pelas mãos do diretor John Ford e protagonizado pelo grande ator Henry Fonda, que vivia  o genitor de uma família pobre do oeste americano,  durante a grande depressão americana, tornando-se um clássico dos anos 50.

Descobri a literatura na minha pré adolescência – me identifiquei com a Clarissa adolescente de “Música ao longe” (do Érico Veríssimo) com sua paixão platônica pelo poeta desconhecido e a descoberta do verdadeiro amor pelo rebelde Vasco – resolvi relembrar aquele tempo de outrora e pedi o romance ao livreiro, e folheei-o atrás da frase que era então a promessa de amor para Clarissa: “ O amor que ainda não se definiu é como uma melodia de desenho incerto. Deixa o coração a um tempo alegre e perturbado e tem o encanto fugidio e misterioso de uma música ao longe”.

Já Machado de Assis, obrigatório no currículo escolar, era muito ácido em seus romances, e não gostei de Dom Casmurro na época (agora adulta é diferente), talvez porque pré adolescente, sonhadora e romântica, eu não aceitasse tão facilmente o romance conturbado, recheado de dúvidas e traição, de Capitu e Bentinho.

E outro livro que muito me emocionou na adolescência foi a história do miserável Fabiano, sua família faminta e sua fiel cachorra Baleia, de “Vidas Secas” (de Graciliano Ramos)  a pobreza extrema, a seca, a rudeza daquele homem que queria expressar seus sentimentos e suas idéias mas não tinha palavras, um homem sem linguagem, quase monossilábico, e o sofrimento daquele povo andarilho da miséria e eternamente escravo da seca.

Quem tem filhos pré-adolescentes e quer tentar despertar o gosto deles pela literatura, eu recomendo essas leituras, pelo menos comigo funcionou na época, e nunca mais parei de ler. Decerto os tempos são outros, mas acredito eu que, uma vez pré-adolescente sempre teremos um espírito de aventura, romance e compaixão em nosso íntimo (posso até estar errada, o que seria realmente uma pena).

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Mais surreal, impossível

Como gosto de escrever, costumo ser muito observadora, e o dia a dia, o envolvimento com as pessoas, no trabalho, no lazer, na rua , é sempre inspirador, por isso onde quer que eu vá, estou sempre a observar os transeuntes a meu lado, e como o cinema é a “minha praia”, estou sempre com os sentidos aguçados quando o tema é esse.

Assim, dia desses, numa locadora “caçando” filmes cult, não pude evitar os diálogos e indagações a minha volta. O rapaz da locadora, um daqueles que costumam “dar dicas” (um conselho, fuja deles como o diabo da cruz) conversa com um cliente sobre filmes – e ai, ai, ai, meus sensíveis ouvidos – as dicas vão de cabeças rolando (menos de 10 é “filme fraquinho”) a estilhaços de metralhadora, o fulano não sabe por que cabeças vão rolar e muito menos qual o motivo dos estilhaços, mas o “filme é maneiro” diz ele, e o sujeito que recebe “a dica” sai satisfeito com o “filmaço” debaixo do braço (“holly shit”, e ainda tem mulher que perde tempo com esses cérebros de gelatina).

Volto a me entreter com meus pensamentos e minha busca incessante, quando ouço mais um casal cliente em dúvida: “ será que esse filme é legal?”, minha curiosidade de cinéfila me faz interromper minha procura e dou uma olhada no título: era o filme “O céu que nos protege”, como eu não tava a fim de perder tempo dando dicas prá qualquer um, apenas disse: “pode levar, é do Bertolucci”, eis que a cara de espanto deles me fez desistir de qualquer tentativa de diálogo, eles não tinham a menor idéia de quem eu estava falando.

Pausa prá minhas observações, volto pros meus “achados e perdidos” (filmes cult é assim, igual sebo de livro, tem que ralar prá achar), e entretida comigo mesma, esqueço um  pouco o mundo ao meu redor, me envolvendo com grandes nomes do cinema, eis que outro diálogo surreal me tira “do meu transe”, uma moça pergunta ao atendente da locadora: “esse filme, as pessoas  costumam levar ? vale a pena assistir”?  Mamma mia, inacreditável, mais surreal impossível, era “o Poderoso Chefão”, tudo bem Bertolucci, mas não conhecer o Coppola com a trilogia da saga da família Corleone (veja trailer do filme no final do texto) é demais prá minha cabeça, “capice”?

Olho em volta e, como não raro estou no “mundo da lua”, pergunto a mim mesma: “Será que hoje caí em algum outro planeta? Onde estou? Marte, o planeta vermelho? Júpiter?? Dio mio, quem é essa gente? O que fazem? Onde eles andam? Foram congelados nos últimos 20 anos??”

Até entendo que é um direito de quem não curte cinema ficar alienado (“gosto é gosto, não se discute, se lamenta”) mas as pessoas avessas a 7ª arte costumam passar longe da porta de um cinema e das locadoras, então só tem uma explicação, mais um cérebro de gelatina, agora do sexo feminino, ´par perfeito para o tal “cabeças rolando”, quase dei uma de cupido  apresentando-os um ao outro.

Mas mais surreal ainda, foi outro dia, quando um casal, desses “estranhos no ninho” (Milos Forman e Jack Nicholson que me perdoem a comparação), que se referem um ao outro com “amor prá lá, amor prá cá”, mas que estão sempre a  metros de distância um do outro, não se dão nunca as mãos, a garota, já com uns cinco DVDs debaixo do braço, pergunta ao rapaz: “Môo (haja breguice esse vocativo), levo esse ou esse?" E o rapaz prontamente responde: ”Leva qualquer um, você vai dormir  em dez minutos e eu em menos de cinco  minutos  já vou estar roncando mesmo".

Aquele  diálogo surreal ficou me perseguindo no caminho de volta prá casa, como alguém leva tantos filmes prá casa, se vai dormir em minutos ao vê-los?? Não faz sentido prá mim. Pensei na hora com meus botões:”Pega então só um, sei lá, com cenas sexy (não pornôs, que é broxante prá mulher) e vai transar com a garota, ô mané”. Me pergunto nessas horas o que leva pessoas assim a se envolverem e até se casarem, quando “tá cuspido e escarrado” (sorry, mas “esculpido na carrara” não tem a mesma força de expressão) que aquele casal não tem nada em comum, estão totalmente desconectados um com o outro.

Não posso entender casais que pegam filmes prá dormir, ficam a metros de distância um do outro, nem se dão as mãos, mas se dirigem um ao outro com o batido e brega “môo” (a versão do não menos brega “amor” – me soa sempre algo “fake”), ou seja, a realidade, e mesmo a fantasia, inexistem para eles. Triste, não?








terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Armadilhas da reconciliação

Às vezes é tão difícil abandonar o passado, e então, muitas vezes carentes, caímos nas mesmas armadilhas de antes, dos antigos relacionamentos.

Como cinéfila, adorei a comparação com as etapas de uma filmagem que a escritora Marta Medeiros faz ao escrever, com grande sabedoria, sobre reconciliações, que reproduzo abaixo:

"Toda reconciliação é precedida por uma etapa onde o casal, cada um no seu canto, faz idealizações. As frases que não foram ditas começam a ser decoradas. As mancadas não serão repetidas. As discussões serão evitadas.

Na nossa cabeça, tudo vai dar certo: o roteiro do romance foi reescrito e os defeitos retirados do script, ficando só as partes boas.

Mas na hora de encenar, cadê o diretor? A sós, no palco, constatamos que somos os mesmos de antigamente, em plena recaída".

Se alguém termina um namoro ou casamento, passa um tempo sozinho e depois resolve voltar só por falta de opção, está procurando sarna prá se coçar.

Até existe a possibilidade de dar certo, mas a sensação é parecida com a de rever um filme. Numa segunda apreciação, pode-se descobrir coisas que não haviam sido notadas na primeira vez, já que não havia tanta ansiedade. Mas também não há impactos, surpresas, revelações. Ficamos preparados tanto para as alegrias como para os sustos e, cá entre nós, isso não mantém o brilho do olho."

Se já não há  esperança para o relacionamento e tendo doído tanto a primeira separação, não há porque batalhar por uma sobrevida desse amor, correndo o risco de ganhar de brinde uma sobrevida para a dor também.

É melhor aproveitar esta solidão indesejada para namorar um pouco a si mesmo, e ir se preparando para o amor que vem. Evite a marcha a ré. Engate a primeira nesse coração."

E complemento a escritora, com Lulu Santos em "Uma onda" e com Cazuza e Frejat em "Codinome beija-flor", confirmando que a vida é feita de escolhas, e sem dúvida, é melhor deixar as lembranças e recordações onde sempre estiveram e deveriam sempre ficar: no passado.   




De repente, alma gêmea aos trinta?

Relacionamento é uma incógnita e casamento uma loteria, diz o dito popular (alguns ousam inclusive apostar um "bolão", tal a probabilidade do fracasso em certos casos). Decerto é uma loteria, mas apesar de não ser um jogo, algumas "regrinhas básicas" podem nos ajudar a não apostar tanto "no escuro".

Para dar certo, ou melhor dizendo, para tentar dar o mais certo possível, o ideal seria que fôssemos iguais, e ao mesmo tempo, diferentes do nosso parceiro. Como assim, iguais e diferentes??!! Explico melhor.

O temperamento pode (se possível deve) ser diferente, pois personalidades e temperamentos diferentes são sempre um estímulo para o outro, o calmo desacelera o explosivo, o devagar "quase parando" é atiçado pelo agitado parceiro, e as discussões são facilmente contornadas por temperamentos antagônicos.

Mas quanto aos objetivos e projetos de vida, esses têm que ser iguais, as afinidades têm que ser compatíveis, os dois têm que olhar sempre na mesma direção, têm que ter a mesma visão de mundo e os mesmos valores. Se não for assim, a chance de dar certo é remota, se não há afinidades nem objetivos em comum, cada um vai em uma direção e se perdem em estradas opostas.

Parece bobagem mas, por exemplo, até a afinidade na hora do futebol é importante (por isso evito me envolver com "fissurados" em futebol) pois vai haver conflito se o fulano gosta e quer ir pro jogo e você não. E você já parou prá pensar quantos campeonatos cabem em 365 dias do ano? Campeonato Carioca, Brasileiro, taça Guanabara, é campeonato que não acaba mais, e muitas vezes o fulano (principalmente se for flamenguista) não se contenta em assistir só o time dele, tem que assistir os times adversários prá preparar a "zoação" para com os amigos "rivais" no dia seguinte.

E então, se você não aderir, prepare-se prá ficar "de molho" o ano inteiro ( mas também aderir sem gostar, é falta de personalidade por isso seria melhor nem começar este tipo de relação. Eu, por exemplo, já tentei "unir-me ao inimigo" (já que não conseguimos vencê-lo), e só o que consegui foi entrar em transe, mais meditativo impossível, sonolência misturada a tédio total, com aquele bando de homens correndo prá lá e prá cá, atrás de uma bola e nada de gol (sou mais um vôlei). Na época da Copa, vá lá, tem o entusiasmo patriótico, sei lá, e os tais homenzinhos parecem que se empenham mais atrás da bola (já foi época em que havia o espírito esportivo, os atuais jogadores são, na maioria, mercenários do esporte). 

Assim, vai por mim, em minha opinião, melhor nem começar este tipo de relacionamento. Eu procuro conhecer pessoas que curtem coisas parecidas comigo, como meus livros, meus devaneios, minha fissuração por cinema (e afins), e daí sempre surge uma grande amizade, e às vezes daí brota uma grande paixão, um grande amor, sem ninguém precisar ceder nada. 

Mas... voltando a "loteria", será que pode dar certo, se não há afinidades? Até pode, mas a falta de afinidades pode gerar atritos, ou então fazer com que um dos parceiros ceda muito, e mais dia menos dia, vai cobrar por abrir mão de seus projetos e sonhos, por ter se tornado coadjuvante da vida do outro.

E o que vemos nos dias de hoje é que as pessoas não se deixam conhecer, vai chegando a idade fatídica dos 30-35 anos, época que a maioria já tem estabilidade profissional e financeira, e aí é um tal de papai, mamãe, vovó, o cachorro e até o papagaio da casa a te olhar enviesado - "o que é que houve que esse(a) menino(a) não desencalha? - se for homem, a pergunta que não quer calar: "será que é gay"? e se for mulher, o comentário fatídico: "vai acabar ficando prá titia".

E aí começa a corrida contra o tempo, contagem regressiva (principalmente as mulheres com o tal do relógio biológico, mas o homem também sofre pressão social, tem que "constituir uma família") - e de repente, a famigerada alma gêmea aparece exatamente nessa época, aos 30-35 anos de idade? Não é estranho? Haja coincidência que a maioria descubra a sua alma gêmea ao mesmo tempo, não?

Se o(a) fulano(a) chegou aos 30 anos, já com o seu provável grande amor (muitas vezes o relacionamento já chegou a exaustão, mas tem gente que ainda insiste em levar adiante...), então resolve que "tá na hora de juntar os trapos"... mas se não, ou seja, se o(a) fulano(a), no sufoco da pressão familiar, conhece alguém da noite pro dia, aí sim vira uma verdadeira loteria, pois não darão tempo de se conhecerem, qualquer paixonite vai virar "alma gêmea" nessa hora, só se enxerga qualidades naquela paixonite, mas os defeitos...

Ninguém reclama de qualidades, mas todos temos defeitos, mesmo aquela "belezura" e/ou aquele "deus grego", todos sem exceção temos defeitos. A dica para perceber se o relacionamento pode dar certo (nada é garantia, mas ajuda a beça) é saber se esses tais defeitos serão compatíveis com a vida a dois, e se serão toleráveis pelo parceiro, e para isso é preciso tempo e muita convivência, pois sem querer inventamos um personagem no início de uma relação, que não se sustenta por muito tempo, assim vamos aos poucos nos revelando para o outro, e o tempo nos ajudará a escolher melhor.

A pressão social é tanta que o sujeito não tem discernimento sobre quem acabou de conhecer, um perigo para os homens que, pressionados, se encantam  com a primeira voz meiga que lhes aparece (simplesmente não existe defeito, só qualidade) e só depois de casados (e o que é pior, muitas vezes com filhos a tiracolo) é que se vai conhecer realmente o parceiro e perceber que os tais defeitos são insuportáveis e superam as qualidades, e qeu nada têm em comum, aí não entendem porque os amigos apostam um "bolão" no provável fracasso daquela relação. Há exceções, como em toda a regra, mas na maioria desses casos, a sorte está lançada.


E termino este texto, para refletir, com as belas músicas "Esses moços" (do Lupicínio Rodrigues, cantada pelo Gilberto Gil), "Noturno", (do Fagner), e "Segredos" (do Frejat) que têm tudo a ver com o tema.





sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Filmes de lutas de boxe

Prá desfazer antigos e famosos clichês, que dizem que nós, mulheres, só gostamos de filmes "água com açúcar" (aliás eu, "anarquista graças a Deus", sou totalmente avessa a essas produções comerciais melosas hollywoodianas tipo "Titanic", ainda mais com trilha sonora da, prá lá de brega, Celine Dion), então aqui vai uma dica de mulher sobre filmes de luta, mais especificamente lutas de boxe. 

Não me canso de repetir, o cinema é uma arte única, porque capta, registra e transfere, para sempre, para a telona, a dor, a emoção e a alegria do ser humano, expressados pelos olhos, rosto e pela expressão corporal.

Conheço pouquíssimas mulheres que se aventurariam a assistir, ao vivo, num ringue, a uma luta de boxe, com toda aquela profusão de suor e sangue, mas quando é o cinema que retrata uma dessas lutas, aí a coisa muda de figura. 

O cinema consegue transformar uma luta máscula, horrenda, de corpos suados e sangrentos, em um espetáculo impressionante, quando bem dirigido e produzido por quem entende de arte e poesia.

"Touro indomável"("Raging bull") mostra a verdadeira história do peso médio Jack LaMotta (ainda vivo) na década de 50 - dirigido por Martin Scorcese e estrelado por Robert De Niro (que engordou mais de vinte quilos para viver o papel do pugilista), retratando o auge e a decadência do ex boxeador esfomeado que se torna gorducho, insignificante e agressivo, dentro e fora do ringue.

A câmera de Scorcese consegue magistralmente transformar as cenas violentas dos ringues em "quase poesia", ao mostrar os lances das lutas em câmera lenta, verdadeiras "alucinações" em preto e branco (sim, apesar de ter sido gravado na década de 80 em plena era "tecnicolor", o diretor ousou gravar em preto e branco e acertou em cheio). Os socos brutais ora soam ensurdecedores, ora mudos (sem sonoplastia) com a câmera extremamente lenta, disparando sangue e suor em preto e branco, em flashes que assustam e comovem ao mesmo tempo. 

E por trás dos ringues, somos apresentados ao universo cruel das lutas, com as farsas e ganâncias que há por trás dessas lutas, e os dramas dos boxeadores que muitas vezes "descontam" suas frustrações e desilusões nessas lutas. Jake LaMotta foi o único a vencer o campeão Sugar Ray Robinson, e a rivalidade que surgiu entre os dois pugilistas é retratada no filme, nas diversas lutas que travaram no ringue (Jake La Motta só o derrotou uma vez e perdeu 5 vezes por pontos - a frase célebre do pugilista encrenqueiro está no filme: "eu não caí, Ray, você nunca me derrubou"). Imperdível (veja o trailer no final do texto).

"Rock, um lutador" e suas continuações (vale a pena o 1º e o 2º; o último com o nome Rock Balboa também tem o seu charme) foi um marco na época inaugurando com grande sucesso o universo das lutas na telona, com o personagem ficcional do Silvéster Stallone que, pobre, vence vários obstáculos prá chegar ao título de campeão mundial. E a música-tema virou símbolo de luta e perseverança (veja trailer no final do texto).

"Hurricane, o furacão" conta a verdadeira história do americano Rubin "Hurricane" Carter, que na década de 60, ainda um lutador no começo da carreira, foi preso injustamente por suspeita de um assassinato que não cometeu, ficando detido por mais de 20 anos (o que detonou sua carreira de pugilista) até conseguir provar sua inocência.

A música "Hurricane" escrita pelo Bob Dylan na época, numa tentativa de mobilizar a opinião pública está, obviamente no filme. Denzel Washington interpreta o pugilista com garra e convicção, e o filme se desenrola na tentativa de provar a inocência dele, com a ajuda de fãs/amigos canadenses sensibilizados com o drama do "furacão", que foi acusado por falsas testemunhas num processo discriminatório e racista, mas na verdade ele foi vítima do próprio sistema judicial americano numa época de rebeliões racistas disseminadas nos EUA.

E em "Menina de Ouro" o ator/diretor Clint Eastwood  se superou, abordou num mesmo filme temas polêmicos como eutanásia, uma mulher boxeadora, dramas familiares e existenciais comoventes e acabou levando o Oscar com todas as honras. 

Filmes imperdíveis (trailers abaixo, após o texto). Nós, mulheres modernas e alfas, gostamos de filmes com conteúdo e com paixão, podem ser "melosos", violentos, dramas, suspenses, comédias, só não dá prá suportar violência gratuita nem dramalhões tipo novela das oito. E não se fala mais nisso.
 

 



segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

"Mulher alfa" ou "anarquista"?

Já falei sobre rótulos (em outubro em "Meu apelido Adorável anarquista") e "vira e mexe" ganho mais um. O último rótulo que recebi - "mulher alfa" - segundo os que me nomearam, sou uma legítima feminista feminina e levanto bandeiras contra machismo mas de uma forma "amigável" (alguns diriam não tão amigável, e é verdade, pois ainda nos dias de hoje, a "luta" é árdua - pois "a mulher não nasce mulher, torna-se mulher", escreveu Simone de Beavouir, nos idos dos anos 50, em seu livro "O segundo sexo" - meu eterno livro de cabeceira).

Segundo o psicólogo Dan Klindon, criador desse novo conceito da mulher moderna, "as mulheres alfa são competentes na vida acadêmica e no universo profissional sem deixar de lado a vaidade e o cuidado com a beleza, características femininas por excelência. Não têm dúvida sobre a própria capacidade e são muito bem resolvidas. Vaidosa, a nova mulher gosta de se cuidar e de ser admirada pela beleza, sem risco de cair no estereótipo da futilidade".

Segundo Klindon, "a mulher alfa é uma combinação entre a figura da feminista clássica dos anos 60 que, para conquistar espaço e independência, teve que ser durona, agressiva e por vezes masculina, e a "mulherzinha" dos anos 90, que queria arrumar um companheiro bacana, manter o corpo em forma e comprar muitos pares de sapatos sem medo de ser tachada de perua".

Pode ser que realmente eu me encaixe um pouco nesse rótulo, pois adoro me vestir bem, e de preferência de maneira diversificada, posso um dia estar só de jeans e camiseta, e no dia seguinte estar "vamp e sexy", e num outro dia  "angelical" com uma tiara de flores no cabelo, vestido acinturado plissado ou evasê, mangas fofas e meias rendadas ou três/quartos mas sempre estilosas, para no dia seguinte me vestir com trajes masculinos, de gravata, mas sempre com um toque feminino, tipo listras rosas na gravata, ou então short jeans rasgado e com lantejoulas e botas de salto bem fino, para "quebrar" a masculinidade do traje. 

E ao mesmo tempo, não tenho tempo para  futilidades e "piruices" (e detesto estilo "piriguete"), portanto você nunca vai me encontrar num salão de beleza perdendo tempo com fofocas da última novela (eu mesma faço meu cabelo, minhas sobrancelhas e minhas unhas - vocês nunca as verão pintadas - e eu detesto novelas). 

Detesto a tirania da beleza - plástica, silicone, cabelo "chapinha"  não fazem parte do meu universo - sou adepta ao "quanto mais natural, melhor". Um batom (fundamental na minha natural boca carnuda, genética familiar), um bom perfume, ou mesmo uma lavanda, e uma roupa "bem transada" e em meia hora estou pronta tanto pro trabalho quanto para uma festa.

Gosto dos afazeres domésticos (modéstia a parte, sou ótima cozinheira, costureira e decoradora, já me confundiram até com arquiteta) e não tenho nenhum problema em "esquentar a barriga no fogão e esfriar no tanque" mas me reservo o direito de fazê-los quando "me dá na telha" e isso se o companheiro participar ativamente, do contrário "tá fora".

Não preciso da "liberdade" dos tempos modernos para exigir os mesmos direitos no trabalho, na profissão, nos afazeres domésticos e familiares, para mim isso sempre foi fundamental. Profissional da medicina, modéstia a parte, sou reconhecida (apesar de ter me empenhado muito prá conquistar isso) pelo meu trabalho, onde quer que eu transite.

Pode até ser que eu me encaixe nesse conceito (mulher alfa), mas prefiro seguir minha vida de acordo com meu velho conceito "anarquista" que prezo desde a minha adolescência, ou seja, não dependo da "modernidade" dos dias atuais para exigir dos homens o mesmo respeito, exclusividade e fidelidade nas relações, que eles tanto prezam nas mulheres, afinal, assim como o homem, antes de ser mulher, sou um ser humano.

Independente e auto-suficiente sem deixar de ser feminina, segundo o tal psicólogo, a mulher alfa "gosta de ser admirada, reconhece e assume suas necessidades de ter um homem ao seu lado como companheiro de vida, porém se esse homem não aparecer, não há problema, como boa dona de sua própria vida, ela não precisa dele para viver. A presença desse homem só é aceita se ele a fizer feliz, caso contrário ela segue sozinha sem transtornos".

Já cansei de ouvir de amigos que o meu discurso feminista anti-machista "afasta" os homens. Dããã... e quem disse que eu quero atrair homens??? Ao contrário, como uma legítima mulher alfa, tenho magnetismo natural em atrair homens, portanto se meu discurso afastar alguns deles, ótimo, com certeza estarei me livrando dos machistas, dos cafajestes, dos predadores e dos indecisos.

Não vou deixar de levantar minhas bandeiras que conquistei a tanto custo, só porque podem "afastar" os homens. Foda-se (ops, dane-se) . Mas aí surgem com um novo discurso, de que eu vou afastar também os "bons partidos". E de novo pergunto abismada: e quem disse que estou atrás de um "bom partido"???? 

E talvez o rótulo esteja mesmo bem colocado, pois há poucos dias, no trabalho, de vestido vermelho, recebi vários elogios, e num deles, perguntei brincando: "estou poderosa ?" e a resposta imediata, vinda do sexo masculino, foi: "você não está poderosa, você É sempre poderosa".

Mas enfim, mulher alfa (ou beta ou gama), o que prezo é respeito e exclusividade nas relações com o sexo oposto, numa via de mão dupla. Se eu tiver um companheiro a minha altura, que preencha minhas expectativas de relacionamento, tais como respeito, companheirismo e exclusividade, ótimo, do contrário, prefiro seguir sozinha o meu destino, nessa hora vale o velho e bom ditado, "antes só que mal acompanhada". Tenho dito.

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