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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Sexismo e sexualidade feminina no cinema

Há pouco tempo, num bate-papo, um amigo faz um comentário sobre atrizes que foram símbolo sexual e que hoje, segundo ele, lamentavelmente ficaram “sofríveis com a idade”. Não pude deixar de lamentar o comentário sexista. E pensei: e os símbolos sexuais masculinos?

Não vejo a mesma cobrança em relação aos homens. Ex-símbolos sexuais masculinos engordam, exibem panças avantajadas, rugas, e ninguém questiona nada, a ponto de dizerem que “Marlon Brando continuava um charme, mesmo gordo e pançudo”, ou que “Mickey Rourke continua sexy, mesmo com a cara desfigurada, botocada e cheia de cicatrizes”. Ora, eles podem até terem mantido (no caso de Brando) ou melhorado (no caso de Rourke) a performance artística, mas que continuavam sexys e charmosos com a idade??? Ora, me poupem.

Como sempre, nós mulheres, somos constantemente cobradas como se tivéssemos que ter o tal “elixir da juventude eterna”, e não podemos, em hipótese alguma, engordar ou perder a vitalidade da pele, do contrário seremos literalmente descartadas “por duas de vinte”. Infelizmente, esta tirania machista é seguida, a risca, por algumas mulheres que, para (tentar) manter o “status quo” da eterna juventude, se mutilam e se transformam em legítimas estátuas de cera, tal a ausência de expressão facial, de tanto botox e preenchimento na cara entremeadas por peitos e bundas siliconadas. Um circo de horror.

A genial atriz Cate Blanchet, recentemente, no badalado “Screen Actors Guild Awards”, em Hollywood (ela era uma das estrelas da noite, pela sua aplaudida atuação em “Blue Jasmine”, do diretor Woody Allen), resolveu dar um basta nessa tirania, e ousou dizer não, com todas as letras, ao ser filmada, da cabeça aos pés no tapete vermelho por um cinegrafista, com a velha desculpa de “registrar o vestido”, mas que, no fundo, a exposição se presta ao julgamento público, para reforçar padrões de beleza feminina e expor quem não se encaixe neles.

“Você faz isso com os homens?”, perguntou, à queima-roupa, a atriz australiana ao cinegrafista. Porque, para os homens atores, o que vale é a arte de interpretar, mas para as mulheres o que vale é a silhueta perfeita, e não o talento da mulher atriz. Os canais de TV não dispensam os closes constrangedores nas mulheres, e como é comum, os cinegrafistas praticamente não prestam atenção nos  homens atores, que apenas conversam com os apresentadores, falam de seus trabalhos, e ninguém sai filmando suas panças avantajadas se arrastando pelo tapete vermelho.

No mesmo evento, a atriz Elizabeth Moss, também foi irreverente quando o cinegrafista pediu que “mostrasse as unhas para a câmera”, e a mesma instantaneamente mostrou apenas o dedo “pai de todos”, num gesto obsceno, bastante merecedor, para o dito cujo. Mas nada disso deve causar estranheza a um telespectador brasileiro, já tão acostumado a ver modelos e dançarinas em trajes mínimos e de ângulos reveladores e constrangedores. Infelizmente, a culpa é nossa mesma, pois nós mulheres estamos acostumadas a aceitar todo o tipo de humilhação por parte dos homens. Fomos criadas culturalmente numa sociedade machista que nos incute a idéia machista e ridícula da Bíblia de que “a mulher deve servir o seu homem” e, humildemente, “baixar a cabeça e se humilhar”.

A prova cabal disto é mostrada por uma jornalista de uma TV britânica em um documentário (assista no final do texto), em que mostra a exposição humilhante das nossas mulheres brasileiras, em programas de gosto duvidoso, como o “Pânico na TV”, em que as tais “paniquetes” têm que passar por “provas” extremamente constrangedoras se quiserem se manter no programa machista, as quais elas se submetem sem questionamento, já que estão em busca dos tais “15 segundos” de fama (como eu já disse em outro texto, Andy Warhol só errou no tempo, quando disse a célebre frase).

Em contrapartida, quase como uma revanche, o mais recente, famoso e malfadado aplicativo do Facebook, o chamado “aplicativo Lulu”, está deixando os homens fulos da vida. O tal aplicativo é um programa que permite que mulheres (e somente elas) façam avaliações sobre “seus amigos da rede” (leia-se “amigo, ex-namorado ou mesmo um possível interesse amoroso”) na referida rede social.
Avaliações e informações íntimas ficam disponíveis no tal aplicativo “Lulu”, para qualquer pessoa que queira ver. O barulho é tanto que tem homem entrando na justiça, pedindo indenização por “danos morais”, mas o site se justifica alegando que a pessoa pode retirar o seu perfil da rede. Depois de informar o seu grau de intimidade com a “vítima”, a mulher responde a perguntas de múltiplas escolhas contidas no “aplicativo Lulu”, que indicam se o homem é atraente, bom de cama (ou não), ambicioso, educado (ou não), e por aí vai...

E, ao final, o dito cujo ganha uma média entre zero a dez, em notas, em todas as categorias, e a mulher ainda atribui “hashtags” (aquelas expressões antecedidas pelo símbolo do jogo da velha, o #) para resumir o perfil do seu “alvo”. E a coisa muitas vezes descamba para grosseria, mais ou menos assim: #SemNoção, #NãoTáComNadaNasCuecas, #NãoQuerNadaComNada, ou #NãoLigaNoDiaSeguinte.

De um lado é bom para os homens experimentarem do próprio veneno, mas como feminista, eu acho desnecessária e ridícula essa atitude das mulheres que postam nesse aplicativo, pois devemos ir contra a tirania sexista perversa dos homens, e não usar a mesma tática contra eles, num joguinho de “toma lá, dá cá”. E eu me pergunto: quando, e como, isso vai acabar? A mulher erra quando quer se igualar ao homem no quesito traição; se não toleramos ser traídas, por que não ensinamos nossos homens (principalmente nossos herdeiros, filhos, netos e bisnetos) a respeitar a mulher, como um ser humano, independente do gênero? Não é pagando na mesma moeda (traindo também) que conseguiremos evoluir na igualdade entre os sexos.
A mulher deveria tentar se igualar aos homens no que consideramos positivo nas conquistas masculinas, e não no que nós abominamos, como é o caso das traições. E basta de menosprezos, como quando recentemente um amigo, ao se referir a uma amiga em comum (ela estava a fim dele), disse “não se interessar, e até lamentar”, por ela ser “desprovida de seios fartos”. Será que os homens gostariam que disséssemos, parafraseando uma amiga minha: “só lamento por você, por seu pinto ser pequeno”.

Odeio essa tirania de silicones e afins. Algumas pessoas já me disseram: “Ah, Rose, mas você foi abençoada, não precisa de enchimentos, nem nos peitos nem na bunda”. Sim, mas se assim não fosse, eu jamais colocaria uma bola de gelatina no lugar dos seios e do derrière. E, leva a mal não, mas para mim, pouco adianta o tamanho dos “documentos”, dos músculos ou da conta bancária do sujeito, se o cérebro for do tamanho de uma noz moscada.
Eu, particularmente, prefiro homens inteligentes, que “malham” o cérebro (se der também para dar uma “malhadinha” no físico, nada contra, muito pelo contrário). E se curtir uma boa música (leia-se jazz, blues, rock ou uma boa MPB), um bom filme e uma boa leitura (adoro me enroscar pelos pés vendo um filme ou lendo um bom livro) e se não for fissurado por futebol, melhor ainda.

Até porque “documentos avantajados” são como árvores, quanto maiores, maior a queda (rsrsrs); quanto aos músculos, para os homens que não têm, é fácil adquirir; e homem inteligente acaba se saindo bem em qualquer área e assim a conta bancária logo se resolve; mas “QI de ameba paralítica de plástico”, tss,tss, tss, ... esse não tem solução.

Mas, os homens entrariam na fila da mutilação, aumentando “o tamanho do documento” para agradar às mulheres, como fazem as mulheres com seus seios e bundas? Até quando suportaremos o sexismo dos homens? E revidarmos desse jeito, tipo oito ou oitenta?? Ou seja, nos nivelando aos homens, traindo como eles, ou menosprezando “seus dotes” quando não tão dotados assim, como no aplicativo Lulu, ou então, ao contrário, nos mutilando e nos humilhando apenas para agradá-los, e nos subordinando à tirania do corpo perfeito?? “Aff, pára o planeta, eu quero descer”.

E como não podia deixar de ser, o tema me remete ao cinema, que tem recentemente se voltado para discutir a sexualidade feminina sem glamour ou exploração, enxergando naturalmente a nudez feminina, totalmente despida de sedução e estereótipos.

“Ninfomaníaca” (trailer no final do texto) é o novo filme do diretor dinamarquês Lars Von Trier (links*, no final do texto, para filmografia do cineasta), e está sendo lançado apenas a primeira parte do filme, com a atriz predileta do diretor, a ótima Charlotte Gainsbourg. O título já dá uma dica da história, mas não há, na película, glamour ou sedução no gosto do sexo pelo sexo (como acontece nos pornôs) apenas dor e tristeza. A segunda parte da história só será lançada futuramente, mas ainda no primeiro trimestre do ano.
“Jovem e bela” (trailer no final do texto) é um filme francês que conta a história de uma adolescente de classe média que, impulsivamente, para desespero de seus familiares, se prostitui com homens mais velhos pelos hotéis de Paris. “Azul é a cor mais quente” (já citado aqui no blog em “cinema sensual”) fala do amor lésbico (e conturbado, por conta dos preconceitos) entre uma jovem estudante e uma pintora (trailer no final do texto).

São, todos eles, filmes que refletem sobre o sexo das mulheres sem, no entanto, explorá-lo. Não são filmes para vender sexo, muito menos para excitar. São filmes que discutem seriamente a sexualidade das mulheres, histórias sobre sexo (o lado bom, e o ruim com seus tabus e preconceitos) sob o olhar feminino, e interessante, filmados por cineastas masculinos. Ponto para os homens (para os homens cineastas, pelo menos).

*Links citados no texto:
http://rosemerynunescardoso.blogspot.com.br/2011/05/lars-von-trier-esse-e-para-cinefilos.html
http://rosemerynunescardoso.blogspot.com.br/2011/10/melancolia-lars-von-trier-e-reflexoes.html






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