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terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Polarização: um risco iminente

Interessante (e triste) como a polarização, que tomou conta do nosso Brasil nesses últimos tempos, tem feito estrago nas relações até então cordiais entre o nosso povo; e se não nos policiarmos, a coisa pode sair totalmente dos eixos, e aí...seja o que Deus ou (do jeito que a coisa anda) o que o diabo quiser... Já, já, explico porque minha sincera e temida preocupação não é infundada...

Uma amiga, num grupo de whatsApp que participo, posta uma foto, dos anos 80, da imensidão de gente que tomou conta das ruas no movimento pelas “Diretas já”, e conclama que deveríamos voltar às ruas para “reafirmar nosso desejo por um Brasil melhor” – tive ímpetos de argumentar, mas desisti...isso porque, da última vez que, da maneira mais apartidária possível (mas não foi assim que me interpretaram), questionei (e fui literalmente massacrada) a ida às ruas do modo com que a mesma estava ocorrendo (ou seja, um monte de gente nas ruas com discursos diversos e equivocados, sem um objetivo único e conciso...).

Um adendo, antes de prosseguir: então, qual seria a melhor agenda para uma manifestação de rua ter chance de êxito? Acredito que o tema “corrupção” é muito amplo e precisamos primeiro evoluir (e muito) como cidadãos para exigirmos isso dos nossos famigerados políticos, porque eles são (num grau máximo), nada mais nada menos, o reflexo da nossa sociedade acostumada a sempre dar um jeitinho... 

E muitos desses nossos “jeitinhos” passam por graus variados de corrupção, tais como compra de atestados médicos, odontológicos, fisioterápicos e outros, com uma enxurrada de recibos falsos num vale-tudo para burlar o fisco, desvios de blitz ao dirigir sob efeito alcoólico, “carteirada” e a famosa “molhada de mão de policial, e por aí vai...). 

E o ótimo Porta dos fundos”, de maneira divertida, dá a dica de como nós podemos iniciar esse processo anti-corrupção na nossa sociedade corrompida, começando por nos fazermos de desentendidos... muito bom esse esquete!!! 


Talvez o melhor fosse uma passeata cujo único tema fosse “reforma política já”, uma vez que, através desta, poderíamos minimizar o número de atos “lícitos” que dão margem à corrupção desenfreada no meio político.

E, voltando ao “x da questão: no tal grupo de whatsApp, antes que eu pudesse me explicar (o porquê da minha recusa em participar das tais passeatas) fui taxada de “petista enrustida” (e até insinuações indiretas de “petralha” fizeram, numa clara alusão de que eu “devia estar mamando nas tetas” já que eu estava “defendendo” o atual governo, isso só por não querer participar das tais manifestações de rua).

Em contrapartida, em outro grupo de zapzap que também participo, ao professar que votei na atual presidenta (e, já nesse grupo, minha fala foi inicialmente “aprovada”, provavelmente porque a maioria pertencia ao outro lado polarizado) porque acreditava (como, em parte, tem acontecido) que só com ela veríamos políticos trancafiados na cadeia (coisa que não aconteceu no passado, apesar da denúncia da compra dos votos dos parlamentares para a reeleição de FHC e de toda a ladroagem explícita da época, e que provavelmente, ao meu ver, se perpetuaria com o candidato derrotado, por ser do mesmo partido do FHC)...

Mas, ao complementar dizendo que, só votei nela porque sabia que a mídia iria bater muito nela” (e não faria o mesmo com o outro candidato), daí confiei que as investigações de corrupção (tanto atual, quanto dos governos passados) enfim sairiam do sótão e iriam ser expostas na sala de estar do telespectador (se bem que as denúncias continuam sendo partidárias e seletivas, mas isso não é nenhuma novidade com os PIGs da vida)...

Mesmo já percebendo hostilidades no grupo, reforcei que se fosse confirmada culpa no cartório, de quem quer que fosse (sem distinção de partido, da situação, aliados ou da oposição), todos deveriam ser trancafiados, e sim, caso confirmado culpa, também sofrer o impeachment... ao falar tudo isso, fui imediatamente taxada de “coxinha enrustida” (inclusive com ofensas de que sou “da elite branca”, e que faço “panelaço” furtivamente, sugerindo que, no fundo, eu aprovo as delações partidárias e seletivas).

Hilário, não? Mas afinal, decidam...sou petista ou coxinha? Como sempre digo, detesto polarizações, por isso não tenho time, não tenho religião, e muito menos tenho partido político, pois sou anarquista demais para ser tolhida nos meus pensamentos e nas minhas reflexões. A polarização simplesmente esvazia o debate (e eu sou uma que desisti de perder meu precioso tempo com esses pobres coitados polarizados, sejam petistas ou coxinhas).

Pois essa escrota polarização (petista x coxinha) foi só o que se viu nas ruas durante essas passeatas, uma profusão de ofensas prenunciando uma futura guerra civil (na História da civilização, tanto no Brasil como lá fora, “já vimos esse filme” por diversas vezes), por conta dos inúmeros equívocos (de um lado o clã dos Bolsonaros nos palanques com armas no coldre e os “Lobões da vida” pedindo a volta dos militares, do outro lado os militantes petistas sem admitirem os erros atuais e acusando os governos passados já sabidamente corrompidos mas jamais punidos, mais à frente cartazes golpistas de simpatizantes opositores exigindo anulação das eleições e “impeachment”; e, não satisfeitos, gente endeusando o candidato  derrotado no pleito presidencial, como a última bolacha do pacote...). Como participar de uma balbúrdia dessas???!!!... E ainda ousam dizer que anarquismo é que é baderna...

Ora, o movimento pelas diretas na década de 80 levou o povo, em uníssono, às ruas, com um mesmo objetivo, ou seja, as eleições diretas para presidente (em pleno regime autoritário militar). Era todo o povo brasileiro contra um governo de direita cruel e ditatorial. Agora é o povo contra o próprio povo, enquanto os verdadeiros políticos coxinhas cronicamente corruptos da direita e os atuais petralhas da esquerda, todos mancomunados, fazem falcatruas em conjunto contra o povo, enquanto este se engalfinha entre si nas ruas do país, e pior, ameaçando o processo democrático que tanto lutamos para alcançar, após tanto tempo sob os duros anos de chumbo. Lamentável.

O país foi tomado por pessoas polarizadas (coxinhas x petistas) e somos praticamente obrigados a escolher um dos dois lados; essas pessoas não aceitam debates, não mais se ouvem, apenas gritam, ofendem e, se não bastasse, afloraram-se (os até então surdos) sentimentos de ódio racial, de separatismos entre o norte e o sul, além dos argumentos homofóbicos e misóginos de uma bancada parlamentar evangelista repleta de conceitos arcaicos, preconceituosos e machistas (pelo menos, temos as hilárias profecias do “Porta dos Fundos, que não deixa barato o macabro Silas Malafaia, uahuahuah).


A excelente historiadora britânica Karen Armstrong (que tem profundos conhecimentos sobre religiões) em seu livro Em nome de Deus: o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo mostra como essas polarizações são prejudiciais para um país, onde ela diz: essa visão paranoica de conspiração generalizada e a tendência a considerar um conflito político como uma guerra cósmica entre as forças do bem e do mal infelizmente parecem ocorrer com frequência desde sempre e perdura até hoje no mundo contemporâneo...”.




A historiadora lembra que, no século XVIII, os norte-americanos ainda colonizados pela Inglaterra associavam os funcionários britânicos com o diabo, e diante da aprovação notória da famosa “Lei do Selo” (taxa extra dos produtos da colônia cobradas pelo parlamento inglês) o tal selo virou “a marca da besta”. Ela lembra também que os iranianos, no decorrer de sua revolução islâmica, chamavam os EUA de “Grande Satã”, e o macabro Bush apelidou países orientais como o Eixo do Mal”, e por aí vai... 

E é o que se vê no nosso país, há décadas acostumado que estávamos com a direita reinante num país capitalista que se confronta com forças revolucionárias de esquerda, equivocadamente vistos como o bem contra o mal (o belo Collor, o caçador de marajás versus o barbudo 666Lula, o belo moço Aécio no seu reluzente cavalo branco versus a guerrilheira do mal Dilma, e por aí vai...


O professor e historiador Leandro Karnall mostra como essa visão paranoica (do bem contra o mal) se deve à equivocada maneira com que um lado retrata o outro ao seu bel prazer” (como acontece hoje na polarização entre o mundo Ocidental e o mundo Oriental), ao falar dos mitos do fundamentalismo islâmico, de como ele é visto por nós ocidentais (no vídeo abaixo), como se fosse único no mundo e não convivêssemos com o fundamentalismo cristão, que está escancarado (mas nunca enxergamos, ou sequer admitimos) no nosso cotidiano (e que pode ser tão violento quanto) tal e qual o islâmico.




Essa polarização que se mantém no país desde as eleições presidenciais só tem prejudicado o próprio povo brasileiro que se mantém desunido, sem liderança e sem rumo, e sem um objetivo específico em comum (diferente da época das diretas já) e volto a insistir, enquanto isso, tanto a direita tradicionalmente corrupta e agora a esquerda também corrupta fazem a festa, todos eles unidos e mancomunados uns com os outros no meio político num conluio para salvarem a própria pele (ao contrário de nós, o povo, polarizado, que  se digladia nas ruas, avenidas e whatsapp da vida ). “Triste fim de Policarpo Quaresma”.

Me fez lembrar da barganha faustiana” (“Fausto”, de Goethe), do pacto com o diabo, o caso do pedido de impeachment da Dilma pelo sabidamente corrupto Eduardo Cunha e o povo “coxinha” (além de não bater “panelaço” para o tal Cunha), num típico vale-tudo”, aceita de bom grado o pedido impetrado pelo deputado corrupto. É a velha história do vale-tudo a qualquer preço, quando da polarização: não importa vencer ou perder, até você perder”. O escritor Marcelo Rubens Paiva coloca na sua página social: “Impeachment aberto por Eduardo Cunha é como lei seca controlada por Al Capone”. A que ponto chegamos...!!! Vergonhoso!!! 

Étienne de la Boètie, humanista e filósofo francês que viveu no século XVI, em seu livro “Discurso sobre a servidão voluntária”, revela já naquela época que a polarização é um grave defeito do ser humano, que o sujeito que polariza não mais escuta ninguém, só a sua verdade importa para ele, revela também que o sujeito que polariza pensa pouco, grita, julga, não aceita posições divergentes e pratica sem tréguas “um ataque às ideias da reflexão e do raciocínio”; e de novo, Leandro karnall (no vídeo abaixo) nos ajuda a lembrar que o país que passou recentemente por esse tipo de polarização civil foi a Síria, e é hoje, como bem sabemos, o país que enfrenta uma triste guerra civil sem precedentes. Refletir é preciso.




sábado, 28 de novembro de 2015

Homem feminista !!! (uma salva de palmas)




Começo este texto, parafraseando o jornalista Artur Xexéo (quando, ironicamente, ele faz referência a certas pessoas, diante da pouca ou nenhuma relevância das mesmas no âmbito social e/ou intelectual, trocando o “quem” da pergunta, insinuando tratar-se de uma coisa qualquer e não de uma pessoa digna de menção) com a pergunta que não quer calar: Afinal de contas, “o que” é Jair Bolsonaro??? “O que” é Marco Feliciano??? “O que” é Eduardo Cunha???

Porque, com certeza, é essa a pergunta que fariam intelectuais do mundo inteiro caso se defrontassem com as boçalidades das falas desses energúmenos políticos brasileiros (por conta da polêmica machista que rolou após a comentada prova e redação do ENEM) que se acham no direito de denegrir a imagem de Simone de Beauvoir, a renomada escritora e filósofa francesa, feminista venerada e aplaudida mundialmente. 



O problema é que esses mentecaptos não são os únicos por esse Brasil varonil... mas, como bem diz Xexéo, esses energúmenos são tão insignificantes que (“thank God”) suas vozes só ecoam e repercutem por aqui, por esse mundinho cão e machista chamado Brasil...

Mas, nem tudo está perdido, o feminismo está ganhando forças, inclusive entre os Homens (com H maiúsculo, para diferenciar de “hominhos” machistas e escrotos); os “Meninos do Papo de Segunda”, programa do canal GNT, que o digam...

No ótimo programa, o jornalista Xico Sá se revela “feminista até debaixo d’água” e explica que o que o fez mudar e se tornar “irresistivelmente feminista” foram as próprias mulheres; com suas lutas constantes por “um lugar ao sol”, o fizeram perceber a injustiça do mundo macho em relação ao universo feminino, a ponto dele confessar que “lugar de homem é no feminismo”.

E o humorista João Vicente de Castro, também um dos rapazes do programa (e também do “Porta dos fundos”) sempre ironiza os projetos de leis machistas (camufladas de questões religiosas) das bancadas evangelistas do nosso famigerado Congresso Nacional, como no caso da novo projeto de “lei de criminalização do aborto” em discussão no plenário, que dificultará a divulgação de métodos de aborto até mesmo para mulheres vítimas de estupro.

Num dos esquetes do programa, o João Vicente aparece “conversando com Deus” sobre a polêmica confusão dos nossos parlamentares que misturam políticas de saúde e de cidadania com religião, e eis que Deus responde que concorda com a proposta do “aborto pós nascimento”, para assim abortarmos” da face da Terra toda essa gentalha que está cometendo esse tipo de bárbarie contra as mulheres (solução “divina” magnífica, uahuahuah).



E os rapazes do programa (também o Marcelo Taz e Léo Jayme) estão de parabéns e merecem o nosso aplauso, porque discutem, em defesa das mulheres, temas polêmicos e dolorosos como a violência física contra o sexo feminino, o aborto, o assédio sexual que muitas meninas ainda na tenra idade continuam sofrendo nos dias de hoje (a atual hastag #meu primeiro assédio”) e também sobre o famigerado e também recente absurdo, o tal “Estatuto da Família” (só para citar alguns dos projetos ridículos, obsoletos e absurdos dos tais parlamentares evangelistas).

“Se o homem engravidasse e parisse, o aborto já estaria legalizado há muito tempo” – essa óbvia argumentação rolou na panfletagem do protesto contra o deputado Cunha (o mesmo que afanou e omitiu, e mentiu sob juramento na CPI, milhões de dólares em contas não declaradas em paraísos fiscais) por conta da sua proposta de criminalização do aborto, mas a tal passeata (tanto quanto o “fora Cunha”), que ocorreu agora no início do mês em várias cidades do país, foi muito mal divulgada pela grande mídia de todo o país.







No vídeo abaixo, montado a partir de uma das manifestações, a bela poesia falada intitulada “O pulso aberto”  somos porta de entrada e porta de saída, somos deusas e escravas há mil gerações... somos a terra e a semente...  da poeta carioca Maria Rezende (do seu livro de poesias Carne de umbigo”) abafa a voz sem eco do machista que não sangra e nem nunca pariu como nós mas se acha no direito de controlar nossos corpos e nossas mentes com palavras vazias de ordem e de pecado.





E mais uma pergunta fatídica que não quer calar: Como fica “o Conceito de Família” diante de uma mulher que se vê obrigada a parir uma criança fruto de uma violência sexual? Além de ser vítima de uma sociedade machista, a mulher ainda terá que dar a luz a um filho indesejado (e, com certeza, desprezado pelo pai abusador e marginalizado pela sociedade, antes mesmo de nascer), e se casar com o estuprador para dar um genitor ao filho e só assim ter direito ao absurdo “Estatuto da Família”?? Custo a acreditar em tamanha hipocrisia!!!


E a pergunta que não quer calar: por que não ouço o famoso panelaço da elite e da classe média indignadas com corrupção quando o troglodita e mentecapto Cunha aparece na TV com a cara mais lavada e hipócrita???!!!  A indignação da sociedade contra a corrupção é seletiva e partidária??!! 

O ensurdecedor barulho fora Cunha feito pelas mulheres (nesta última semana de outubro e início de novembro) passou ao largo das notícias de grande parte dos grandes jornais televisivos (uma exceção é o jornalista Bob Fernandes que sempre expõe o silêncio cúmplice da mídia e cobra o tal panelaço apartidário).



Em contrapartida ao feminismo declarado dos Homens com H maiúsculo, muitas mulheres têm se declarado antifeministas, porque equivocadamente entendem o movimento feminista como “uma luta contra os homens”... 

Outro equívoco, que as mulheres cometem, está contido no discurso tosco de que “para ser ouvida, às vezes é preciso ficar calada”... Outras alegam que não discutem esses temas polêmicos do universo feminino e do mundo machista porque “não querem se aborrecer”...


Já outras mulheres sugerem que se nós podemos nos declarar feministas, então os homens também podem se declarar machistas – mais uma vez um equívoco, pois o mundo, e principalmente o Brasil, já é historicamente (e culturalmente) machista, portanto não há nenhuma bandeira a erguer nesse sentido por parte dos homens (pois eles recebem salário maior que as mulheres que exercem a mesma profissão, os meninos de tenra idade em geral não sofrem assédio sexual por parte de mulheres, como no caso de incitação à pedofilia direcionada para a menina do programa “Master Chef Jr”, e por aí vai...).



É um discurso fácil e muito cômodo o dessas mulheres, que se declaram “não feministas” e preferem não desafiar o mundo macho... Não percebem que os avanços que hoje elas usufruem (direito ao voto, a escolaridade e tantos outros) são frutos de batalhas intermináveis de feministas durante todos os séculos de existência, e que não podem sofrer retrocesso em pleno século XXI...

Temer estar contra os homens é um argumento equivocado de mulheres que, no fundo, estão apenas preocupadas em agradar ao sexo oposto; e se sentem melindradas, com medo de serem rotuladas de “mal amadas”, de carentes “daquilo” (e por aí vai...), o que faz com que apenas reforcem o machismo vigente na nossa sociedade que se consolida nas leis esdrúxulas dos nossos representantes no Congresso.



Enquanto mulheres se envergonham de se declarar feministas, o cinquentão Xico Sá admite que só mudou seu discurso (anteriormente machista e até compreensível nessa faixa etária) e evoluiu como ser humano, graças às mulheres com que conviveu, mulheres que mostraram e escancararam as injustiças contra elas, injustiças essas que eles, os homens, nem mesmo percebiam que existiam... 

Xico Sá vai mais longe ainda e revela “a força que as mulheres têm e não sabem” e professa: “a mulher precisa de homem tanto quanto um peixe precisa de uma bicicleta”. E é verdade: se a mulher quisesse, usaria “um consolo”, o famoso vibrador (que, para muitas mulheres, é melhor até que o natural) para lhe proporcionar prazer, e com o sêmen guardado em bancos de esperma daria tranquilamente continuidade à Humanidade; já os homens sem útero não iriam muito longe...

Mas o retrocesso ainda está por toda a parte e temos que insistir no diálogo e no discurso feminista até que frases obsoletas e retrógradas deixem de ser cuspidas das bocas desses machos trogloditas, como as que eu ouvi esta semana advindas das novas gerações de machos do século XXI (rapazes “maduros” entre 25-30 anos de idade) com um discurso digno dos anos 50 do século XX: “só continuo com fulana, porque fui eu que a desvirginei, e sei que sou o único homem que ela transou na vida”... “ não quero ter filha mulher, porque não quero ver marmanjo comendo minha filha” (“Holy shit”!!! Custei a acreditar que ainda se pensa assim em pleno século XXI). 

Mas nem todas as mulheres estão mais aceitando esses rótulos preconcebidos desta arcaica sociedade patriarcal e machista. E o novo vídeo da atriz/cantora Clarice Falcão é uma prova disso, uma versão (muito mais interessante) da música Survivor” do extinto grupo Destiny's Child (que Beyoncé fazia parte) – Now that you're out of my life, I'm so much better”.


É preciso ter coragem para ser mulher nesse mundo, para viver como uma, para escrever sobre elas”. A filósofa Márcia Tiburi, uma das mais expoentes intelectuais da nossa atualidade, em seu livro “Como conversar com um fascista  reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro”, tenta nos ensinar a difícil (mas urgente) tarefa de “resistir em nome de um diálogo que torne o ódio impotente”. 

E insiste que o discurso feminista antimachismo é essencial para mudar uma sociedade patriarcal. E que para enfrentar a ausência de pensamentos (burrice não faz sofrer o burro, faz sofrer o outro) a filósofa propõe a resistência pelo diálogo (tarefa difícil num mundo machista, fascista, reacionário e burro).



E Márcia Tiburi (o vídeo abaixo com a fala da própria filósofa é imperdível) mostra a importância das mulheres na sabatina diária para desfazer equívocos de um mundo machista, moralista e fascista que distorce bandeiras feministas (conseguidas com muito suor), desconstruindo conquistas femininas com discursos boçais, e deturpando ideais com citações equivocadas da Bíblia, misturando políticas de saúde com religião para confundir e manipular a sociedade.



E então, mulheres, não se envergonhem de ser feministas (como diz Márcia Tiburi, o feminismo é revolucionário, é para quem gosta de transformações e avanços sociais”); nós mulheres sempre fomos muito mais que uma costela dos homens”, e só precisamos ser valorizadas como tal, assim como os homens sempre foram desde sempre.

E se precisar vamos “queimar os soutiens” de novo; essa luta sempre foi só nossa, mas agora temos homens feministas do nosso lado. Merecem ser ovacionados de pé!!! Uma salva de palmas para esses hiper-super-homens (“Vivi a ilusão de que ser homem bastaria, que o mundo masculino tudo me daria... que nada, minha porção mulher é a porção melhor que trago em mim agora...”   Gilberto Gil, já um homem feminista, desde os idos anos 80).




terça-feira, 17 de novembro de 2015

Tudo contra o machismo (nada contra os homens)



Adoro uma polêmica... não no sentido de “polemizar apenas para ser do contra” (como já tentaram me rotular), mas sim porque gosto de ter “o benefício da dúvida”; questionar faz com que não deixemos que “nos façam de trouxas”, que não levemos “gato por lebre”... assim, questiono sempre... até que me provem o contrário, sempre hei de polemizar... sempre terei perguntas a fazer: “E se ... ??!!”

E assim, aproveito o fim do “Outubro Rosa” (e o emotivo vídeo “O câncer de mama no alvo da moda”) e o início do “Novembro Azul” (sobre o câncer de próstata) e as declarações esdrúxulas e ridículas de homens e mulheres machistas (sim, mulheres machistas, elas existem sim) quanto à tão comentada prova do ENEM (sobre a filósofa Simone de Beauvoir e seu movimento feminista, e a persistência da violência física contra a mulher), para relembrar um texto, que escrevi, dois anos atrás, sobre a polêmica decisão da atriz Angelina Jolie em relação ao seu “tratamento” preventivo de câncer de mama.




No tal texto, eu comentava a minha estranheza em relação ao “por que da tão pouca polêmica contra” a decisão da bela atriz Angelina Jolie em relação à intensa exposição e divulgação da sua resolução, na época, de extirpar radicalmente as suas glândulas mamárias. Falatório à parte, eu pude notar que poucos criticaram negativamente a decisão da midiática (mas não tão talentosa quanto) atriz. Ao contrário, o que mais se comentou foi a “coragem” da atriz. E, na época, questionei: coragem ???!!!

A decisão de extirpar as mamas era, com certeza, um direito da atriz e ninguém tinha nada com isso. O que me pareceu deveras irresponsável, e questionei, foi o artigo que ela escreveu, tratando “a mastectomia preventiva bilateral como se fosse uma opção inquestionável  e consagrada pela medicina” (principalmente por ela não ter domínio da área médica, e por ela ser a celebridade que é, portanto influenciável e “formadora de opinião” de um público sedento de pirotecnias e soluções medicinais e estéticas milagrosas).

Ora, o câncer de ovário (que é a real doença da mãe da atriz) é muito mais difícil de detectar que o de mama (que era a doença da tia), então por que diabos a atriz não começou extirpando aquele órgão? Eu mesma respondo essa: porque, ao que parece, a atriz não precisava de uma lipo nem de plástica abdominal, e sim de silicone, pois vinha exibindo uma magreza descomunal num processo de depressão com perda de peso, e com certeza o vigor da mama se fora também.

Ou seja, inúmeras pesquisas de opinião já mostraram que a maioria dos homens (principalmente o norte-americano) curtem muito mais um silicone do que um seio natural, afinal nenhuma mulher de 35-40 anos (a idade da Angelina Jolie) mantém o vigor da mama dos seus 15-20 anos de idade, e como sempre, nós mulheres ainda vivemos a ditadura do corpo, e continuamos a nos mutilar para agradar ao sexo masculino.

As últimas passagens da atriz pelo tapete vermelho têm sido m fiasco, com imagens dos “cambitos de pernas ossudas” e, com certeza, a magreza dela se repercutiu nos seios, com provável queda dos mesmos, e nada como um bom par de air bags artificiais (e um histórico familiar de câncer é melhor desculpa que a flacidez da mama) para resolver a flacidez da mama natural da atriz ( e o marido Brad Pitt deve ser mais um que engrossa o ranking de preferência pelo artificial).





Alegavam (os prós-Angelina Jolie”) que o tratamento convencional da doença – mastectomia radical, radioterapia, quimioterapia, com todos os malefícios do tratamento como queda de cabelos e outros – deixa marcas profundas, e ainda restaria a dúvida se em 5-10 anos a doença estaria ainda ativa ou não, o que justificaria a atitude radical da mastectomia bilateral preventiva.

Para mim, a divulgação midiática com grande repercussão internacional (que lhe rendeu capa na “Times” e no mundo inteiro) me pareceu mais uma propaganda hollywoodiana para ter o aval do público, pois agora a atriz tinha uma bela desculpa para recuperar o vigor dos seios aos 36 anos de idade, por conta dos novos “air-bags” artificiais.

Com certeza não é nada animador o tratamento da doença, principalmente se há um histórico familiar importante (como no caso da atriz em questão), mas eis a pergunta que não quer calar: se não houvesse a possibilidade da reconstrução imediata da mama com prótese de silicone, a atriz persistiria na ideia da mastectomia preventiva radical? Se ela tivesse que esperar meses sem as mamas (como acontece em muitos casos da doença instalada), a tal “coragem” persistiria?

Pergunto-me se, no caso da Angelina Jolie, se não houvesse a alternativa imediata do silicone, a saúde continuaria como prioridade da atriz (já que a chance genética de 87% de desenvolver a doença continuaria)? Ou ela iria optar, como a maioria de nós, por um controle periódico para tentar detectar a doença precocemente, e só então, caso a doença se manifestasse, é que decidiria entre a vida e a sexualidade feminina (representada pela mama)?

O que me causou estranheza foi a maratona das cirurgias (que a atriz se submeteu) ter passado longe dos “paparazzi” (qualquer passo da atriz, em geral, é seguido de perto pelos tais) e, de repente, a própria atriz chama a mídia para comunicar seu ato publicamente???!!!

Se as internações e as intervenções tivessem sido descobertas pelos “paparazzi” (estranho isso não ter acontecido, não?), e daí então ela resolvesse contar a sua decisão e sua maratona cirúrgica (que é um direito dela), vá lá, aí sim eu acreditaria nesse embuste (pois sua decisão mesmo silenciosa, iria ser descoberta por ela ser tão famosa, e ainda assim ela iria influenciar as decisões de centenas de mulheres).

O que questiono até hoje é a profusão de medidas milagrosas patrocinadas por indústrias farmacêuticas que, em geral, só visam lucro (estatisticamente muitas mamografias mostraram-se falso positivas e cirurgias mutiladoras desnecessárias foram realizadas a partir disso) ao invés de estimularem o aleitamento, o controle do peso corporal, a se evitar terapia hormonal com estrogênios artificiais (que são alguns exemplos dos verdadeiros “protetores” da mama).

Mas do jeito que foi, me cheira a marketing hollywoodiano, e pior, com o aval da equipe médica, que me soou irresponsável e mercenária, assim como questiono as empresas farmacêuticas milionárias por trás dessas propagandas anticânceres.

Como médica eu questiono tanta paranoia, as pessoas deviam visar a saúde física e mental e não a doença. Há pouco tempo, fui “massacrada” verbalmente, num grupo de “WhatsApp” de colegas médicos, tudo porque não aderi às lamúrias de dores aqui e acolá dos colegas do grupo, de controle de glicemia e colesterol, etc, e ao contrário por comentar que gosto de dançar e de fazer esportes radicais...




E corroborando com meu estilo de vida, uma grande propaganda tem sido veiculada, questionando a real necessidade de tanto “check up” divulgado por médicos e empresas de saúde – trata-se do vídeo “Choosing Wisely” (ao pé da letra, “Escolhendo Sabiamente), que vai na contramão dessa paranoia, insistindo na preservação da saúde mental e física.

Menos é mais (“decided to be more active”, “decided for dance more”, “didn’t need antipsychotic medications”, “eat healthy and not too much”, “don’t smoke”, “enjoy life”), é tudo que eu sempre “preguei” para mim e para os meus pacientes – e o vídeo mostra todos dançando e curtindo a vida (sem estresse de doença e check-ups excessivos), independente da idade cronológica.




O vídeo em questão faz uma paródia da ótima música dançante “Happy”, do artista estadunidense Pharrell Williams (e... fala sério, impossível ficar parado com essa música... enquanto escrevo, a música está rolando... e tenho que parar de escrever para dançá-la, rsrsrs).




É muito comum piadas sobre a fatídica queda dos seios da mulher – “por que o seio da mulher cai com a idade?” E de todas as opções de respostas (efeito da gravidade, aleitamento, etc ) a resposta maldosa e machista mais correta seria: “Com a idade, o peito da mulher cai... para acompanhar a bunda”.

Maldades machistas. Mas nós, mulheres, deveríamos lembrar que ainda temos a vantagem de uma gordurinha extra em locais estratégicos, que disfarça a perda e atrofia muscular do glúteo e da mama que acontece com a idade;


Já o homem sem esse natural enchimento adiposo, com a idade a pele fica flácida e a musculatura atrofia, e assim “cai o saco, cai a bunda, e pior, cai o pau”, mas nenhum deles se dá por vencido, mesmo com o saco e a bunda murchas tomam Viagra e querem nos trocar por “duas de vinte”, enquanto nós mulheres nos torturamos com cirurgias plásticas, preenchimentos, botox, lipos e outras mutilações bizarras (eu não, tô fora) para, no fundo, agradar ao mundo macho.


Agora, a revanche: uma ótima piada, ressaltando esses abusos do mundo machista – homem explica ao filho os três tipos de seios femininos: “Aos 20 anos, são como melões, firmes e redondos, aos 30-40 anos os seios são como peras, ainda belos, mas um pouco caídos, e aos 50 anos são como cebolas, quando você olha para eles dá vontade de chorar”;


Eis que a filha pergunta a mãe os tipos de pênis, ao que ela rebate respondendo ao despropósito do marido: “Aos 20 anos o pênis é como um pé de jacarandá, respeitável e firme, aos 30-40 anos um pé de chorão, flexível mas ainda confiável, e após os 50 anos o pênis é como uma árvore de natal, morto da raiz até a ponta, com bolas penduradas como decoração, e o pior, só arma uma vez por ano” (uahuahuah).


Outra ótima piada: um matemático deixa, para sua mulher cinquentona, um bilhete: “querida, sinto muito, você com seus 50 anos já não me satisfaz nas minhas necessidades, assim só vou chegar à meia noite, pois estarei com minha secretária de 18 anos num motel”.


Ao voltar para casa, à meia noite, encontra um bilhete da esposa: Querido, você também tem 50 anos, e compreenderás que estamos na mesma, assim não me espere, pois estou num motel com meu “personal trainer” de 18 anos, afinal você, como ótimo matemático que é, bem sabe que “18 cabe mais vezes em 50 do que 50 em 18”, então não me espere, só chego amanhã, e olhe lá (uahuahuah).

Brincadeiras à parte, essa “guerra dos sexos” é muito séria – muitos entendem a luta feminista como um ato contra os homens, mas não é; na verdade é uma luta contra o machismo (e, contraditoriamente, muitas mulheres são machistas, mas infelizmente elas só o são quando lhes convêm, como nos quesitos “troca de pneus do carro ou na hora de pagar a conta do restaurante”), porque este (o machismo, e não os homens) é cruel tanto com o sexo feminino como também (se bem que em menor escala) com o sexo masculino.


Um pequeno exemplo de como o machismo é prejudicial também ao homem – vemos isso na hora da aposentadoria, por exemplo – por ser considerado o “sexo forte”, os homens perdem o direito de se aposentar com a mesma idade das mulheres (aposentam 5 a 10 anos depois de nós mulheres), o que passará a ser uma injustiça quando o feminismo conseguir conquistar o direito da mulher de ter uma “única” jornada de trabalho (e não a atual machista, em que ainda grande parte das mulheres trabalha fora e, ao chegar em casa, tem um novo turno na limpeza da casa, cuidados com os filhos, etc... enquanto o homem tira os sapatos e descansa em frente à TV).


Nós, mulheres, precisamos melhorar nossa autoestima e nos aceitarmos como somos, e nos livrarmos da tirania machista em cima do nosso corpo. Se somos nós que engravidamos, porque temos que suportar homens barrigudos? Qual a desculpa para a pança avantajada de grande parte dos homens quarentões? Nós é que temos o direito de ter uma barriguinha extra (por conta das gestações)... e por que nós é que temos que nos submeter a mutiladoras cirurgias plásticas e lipoaspirações?


E quanto ao câncer no cérebro? Vamos extirpar esse órgão caso a genética indique alta probabilidade familiar? É bem verdade que tem gente que não tem massa cinzenta, e não fará nenhuma falta (se bobear, esse pode ser o caso da bela atriz... oops, que maldade a minha).


Na época da polêmica da atriz Angelina Jolie, o depoimento mais consciencioso, a meu ver, foi de uma carioca de 46 anos que, apesar de toda a chance de desenvolver o câncer familiar (fez inclusive o teste genético, que foi positivo), se recusou a ser mutilada com a proposta da mastectomia preventiva (ela prefere fazer exames periódicos para tentar detectar precocemente a doença, o que é válido já que tem fatores de risco significativos, daí a importância do “Outubro Rosa”), e revelou: “não sou uma estatística, sou um ser humano”.


E, nas redes sociais, na época da cirurgia da Angelina Jolie, choveram mensagens elogiando “a coragem” da atriz, mas coragem mesmo de verdade tiveram as mulheres do “Baring It All” (a tradução em português seria, mais ou menos, “Desnudando tudo”), um documentário sobre o “Projeto SCAR”, filmado em 2011, com imagens do fotógrafo David Jay, ao som da bela música “My Angel” na performance da bela voz do cantor Adrian Edward Rhen.


Este documentário inspirador coloca um rosto humano sobre o heroísmo de mulheres sobreviventes de câncer de mama em seus 20-50 anos que se deixaram fotografar com suas cicatrizes em vários estágios da doença (a doença pode impedir a reconstituição mamária precoce com implante de silicone, o que não foi o caso da atriz que, por não ter a doença, pôde ganhar os “air bags” imediatamente, assim é fácil ser “corajosa”).


No documentário, os retratos nus expõem muito mais do que suas cicatrizes e calvícies. A imagem de tantas mulheres serenas e vencedoras é incrivelmente bonita, desafiadora e poderosa. Ali sim, o que não faltou foi coragem, muita coragem. 





E agora, a minha cidade adotiva, Nickity (como é carinhosamente apelidada Niterói), ganhou uma exposição especial, “The Scar Project - Edição Brasil” (com mulheres brasileiras também como modelo), no nosso famoso Museu de Arte Contemporânea, com a bela arquitetura do “disco voador” de Oscar Niemeyer toda iluminada de rosa (e agora numa nuance também de azul, por conta do “Novembro Azul” chegando).





Insisto que nós mulheres temos que ser cada vez mais femininas e feministas, para que possamos nos igualar nos direitos que temos sobre o nosso corpo e não mais nos mutilarmos para agradar ao sexo oposto, para que enfim, num tom lilás (mistura do rosa com o azul) possamos diminuir, através da saúde (e também da doença), o abismo que existe entre homens e mulheres , e só então sem machismo nem feminismo possamos ser, enfim, apenas “humanos, demasiadamente humanos” (mais uma vez, parafraseando Nietzsche).

E como “eterna criança cinéfila” que sou, amante de filmes inclusive infantis, deixo de novo a música “Happy” que também faz parte da trilha sonora de “Despicable me 2” (“Meu malvado favorito 2”) e aproveitem e batam palmas com os divertidos Minions, e dancem, dancem e dancem... faz muito bem para o corpo e para a mente (“clap along if you feel like that’s what you wanna do”).

terça-feira, 10 de março de 2015

Viver é sempre uma caixinha de surpresas

Estava dirigindo quando recebi a triste notícia por via “whatsApp”, meu colega de turma tinha acabado de falecer. Mudo a estação do rádio do carro à procura de uma música que acalente minh’alma diante da notícia estarrecedora. Apesar de iminente, sabia que iria acontecer, mas nunca queremos admitir isso.

Enfim... a rádio “Cidade do rock” começa a tocar Pink Floyd. “Wish you were here”. Paro no sinal, e vejo uma leva de calouros da UFF tomando a frente dos carros, nas ruas de Niterói, no famoso trote semestral, todos vestidos a rigor (de palhaços, super-heróis e espantalhos), arrecadando dinheiro para a festa de boas vindas à Universidade.

E assim, embalada pela famosa música, da lendária banda de rock, sucesso de ontem, hoje e sempre (inclusive da época em que nós, ainda adolescentes, ingressávamos na universidade), relembro da minha turma de faculdade, décadas atrás, na mesma cena de calouros, e a imagem do colega, então surfista, se confunde com a daqueles meninos “pedintes” recém-saídos da adolescência.




E, ao mesmo tempo, me veio a lembrança recente (meses atrás) da imagem do colega, agora numa mesa de um bar no meu bairro, em Icaraí, tomando apenas um refrigerante (ele ia fazer exames no dia seguinte) enquanto eu e outro colega da turma sorvíamos uma cerveja gelada, ele temeroso com a possibilidade da recidiva da doença que já vinha combatendo há cerca de dois anos. 

O colega, agora ex-surfista (mas para nós sempre o eterno “Surfista”, para outros o famoso “Lamparão”), estava com boa aparência, assim não imaginei o desfecho fatídico atual, e como não mais o vi desde então, daí a minha estranha sensação de incredibilidade diante da notícia, apesar de já prevenida pela família quanto à possibilidade do óbito iminente. 

E me lembrei dele discursando orgulhoso sobre os filhos e sobre a querida esposa, e na época me pareceu um exagero o medo que o acometia, pois ele parecia bem, apesar da doença agressiva. E assim como o aplicativo do celular nos aproximou da turma da época da faculdade, também o mesmo whatsApp nos comunicava que tínhamos acabado de perder um dos nossos (já tinha acontecido com alguns outros colegas mas a tecnologia até então nos poupava dessas tristes notícias-relâmpago).

E como só o cinema e a boa música me acalentam nessas horas, deixo a dica do emotivo filme “Linhas cruzadas” (“Hanging up”, filmado em 2000) que conta a história de um pai idoso e rebelde, mas amado pelas filhas, que está prestes a morrer (papel vivido pelo ótimo ator Walter Matthau).

O filme contou com a participação das atrizes Meg Ryan, Diane Keaton e Lisa Kudrow como as filhas do personagem do veterano e excelente ator, e as três irmãs, que sempre se desentendiam e mal se relacionavam, se vêm no meio de um turbilhão de sentimentos e ressentimentos que precisam resolver, no meio da ameaça de morte do pai agora moribundo.

Este filme me tocou profundamente, pois foi o último filme do aclamado ator Walter Matthau (como a vida imita a arte e vice-versa, o venerado ator faleceu naquele mesmo ano do lançamento do filme). 




A morte do ator mexeu muito comigo, pois eu tinha acabado de ver este filme na época, e também pela lembrança da minha infância/adolescência de cinéfila pois cresci assistindo aos divertidos e emotivos filmes do ator, junto com o seu colega, o também ator Jack Lemmon (que também morreu logo a seguir em 2001). 

E para nosso consolo diante do inexorável e inevitável, deixo a tradução, na performance de um grupo de teatro, do belo poema After a while (Um dia, a gente aprende) de autoria da poeta americana Veronica Shoffstall (que tem sido veiculada, equivocadamente, na internet, como de autoria de William Shakespeare).



E deixo também a lembrança do famoso “discurso Sunscreem”, que se acreditava ser de um orador direcionado a uma turma de formandos, na verdade um ensaio de uma escritora (apenas foi escrita na forma de um discurso para chamar a atenção dos leitores) de uma coluna de um jornal de Chicago cujo título original era “Advice, like youth, probably just wasted on the young” (instigante, não?) e que acabou ficando famoso nas mãos do diretor australiano Baz Luhrmann (diretor do também ótimo “Moulin Rouge”).

Frases relevantes do tal “discurso”: “quanto mais você envelhece, tanto mais precisa das pessoas que conheceram você na juventude” e “entenda que amigos vão e vêm, mas que há um punhado deles preciosos que você tem que guardar com carinho”.




E a bela música-tema, deste último filme de Walther Matthau, “Once upon a time”, ficou marcada em mim para sempre (na performance da voz magnífica do bluesman Jay McShann), e toda vez que a ouço, me vem a lembrança do ator que povoou minhas inocentes tardes de menina cinéfila, e a morte quase simultânea dos dois lendários atores (Walter Matthau e Jack Lemmon) me comoveu tanto, mas tanto, como se eu tivesse perdido dois entes queridos muito próximos.

A vida nos prega peças, mas também nos ensina a enfrentar desafios, e temos que aprender que a morte não deve ser encarada como um fim, e sim pode ser o início de reencontros entre os que ficaram por aqui, e que devemos nos lembrar dos que se foram com carinho e com aceitação, pois a morte faz parte da vida. É o indecifrável ciclo da vida.

                            “Once upon a time
                             The world was sweeter than we knew
                             Everything was ours
                             How happy we were then
                             But somehow once upon a time
                             Never comes again”
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