Imagem

Imagem

Select Language

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Polarização: um risco iminente

Interessante (e triste) como a polarização, que tomou conta do nosso Brasil nesses últimos tempos, tem feito estrago nas relações até então cordiais entre o nosso povo; e se não nos policiarmos, a coisa pode sair totalmente dos eixos, e aí...seja o que Deus ou (do jeito que a coisa anda) o que o diabo quiser... Já, já, explico porque minha sincera e temida preocupação não é infundada...

Uma amiga, num grupo de whatsApp que participo, posta uma foto, dos anos 80, da imensidão de gente que tomou conta das ruas no movimento pelas “Diretas já”, e conclama que deveríamos voltar às ruas para “reafirmar nosso desejo por um Brasil melhor” – tive ímpetos de argumentar, mas desisti...isso porque, da última vez que, da maneira mais apartidária possível (mas não foi assim que me interpretaram), questionei (e fui literalmente massacrada) a ida às ruas do modo com que a mesma estava ocorrendo (ou seja, um monte de gente nas ruas com discursos diversos e equivocados, sem um objetivo único e conciso...).

Um adendo, antes de prosseguir: então, qual seria a melhor agenda para uma manifestação de rua ter chance de êxito? Acredito que o tema “corrupção” é muito amplo e precisamos primeiro evoluir (e muito) como cidadãos para exigirmos isso dos nossos famigerados políticos, porque eles são (num grau máximo), nada mais nada menos, o reflexo da nossa sociedade acostumada a sempre dar um jeitinho... 

E muitos desses nossos “jeitinhos” passam por graus variados de corrupção, tais como compra de atestados médicos, odontológicos, fisioterápicos e outros, com uma enxurrada de recibos falsos num vale-tudo para burlar o fisco, desvios de blitz ao dirigir sob efeito alcoólico, “carteirada” e a famosa “molhada de mão de policial, e por aí vai...). 

E o ótimo Porta dos fundos”, de maneira divertida, dá a dica de como nós podemos iniciar esse processo anti-corrupção na nossa sociedade corrompida, começando por nos fazermos de desentendidos... muito bom esse esquete!!! 


Talvez o melhor fosse uma passeata cujo único tema fosse “reforma política já”, uma vez que, através desta, poderíamos minimizar o número de atos “lícitos” que dão margem à corrupção desenfreada no meio político.

E, voltando ao “x da questão: no tal grupo de whatsApp, antes que eu pudesse me explicar (o porquê da minha recusa em participar das tais passeatas) fui taxada de “petista enrustida” (e até insinuações indiretas de “petralha” fizeram, numa clara alusão de que eu “devia estar mamando nas tetas” já que eu estava “defendendo” o atual governo, isso só por não querer participar das tais manifestações de rua).

Em contrapartida, em outro grupo de zapzap que também participo, ao professar que votei na atual presidenta (e, já nesse grupo, minha fala foi inicialmente “aprovada”, provavelmente porque a maioria pertencia ao outro lado polarizado) porque acreditava (como, em parte, tem acontecido) que só com ela veríamos políticos trancafiados na cadeia (coisa que não aconteceu no passado, apesar da denúncia da compra dos votos dos parlamentares para a reeleição de FHC e de toda a ladroagem explícita da época, e que provavelmente, ao meu ver, se perpetuaria com o candidato derrotado, por ser do mesmo partido do FHC)...

Mas, ao complementar dizendo que, só votei nela porque sabia que a mídia iria bater muito nela” (e não faria o mesmo com o outro candidato), daí confiei que as investigações de corrupção (tanto atual, quanto dos governos passados) enfim sairiam do sótão e iriam ser expostas na sala de estar do telespectador (se bem que as denúncias continuam sendo partidárias e seletivas, mas isso não é nenhuma novidade com os PIGs da vida)...

Mesmo já percebendo hostilidades no grupo, reforcei que se fosse confirmada culpa no cartório, de quem quer que fosse (sem distinção de partido, da situação, aliados ou da oposição), todos deveriam ser trancafiados, e sim, caso confirmado culpa, também sofrer o impeachment... ao falar tudo isso, fui imediatamente taxada de “coxinha enrustida” (inclusive com ofensas de que sou “da elite branca”, e que faço “panelaço” furtivamente, sugerindo que, no fundo, eu aprovo as delações partidárias e seletivas).

Hilário, não? Mas afinal, decidam...sou petista ou coxinha? Como sempre digo, detesto polarizações, por isso não tenho time, não tenho religião, e muito menos tenho partido político, pois sou anarquista demais para ser tolhida nos meus pensamentos e nas minhas reflexões. A polarização simplesmente esvazia o debate (e eu sou uma que desisti de perder meu precioso tempo com esses pobres coitados polarizados, sejam petistas ou coxinhas).

Pois essa escrota polarização (petista x coxinha) foi só o que se viu nas ruas durante essas passeatas, uma profusão de ofensas prenunciando uma futura guerra civil (na História da civilização, tanto no Brasil como lá fora, “já vimos esse filme” por diversas vezes), por conta dos inúmeros equívocos (de um lado o clã dos Bolsonaros nos palanques com armas no coldre e os “Lobões da vida” pedindo a volta dos militares, do outro lado os militantes petistas sem admitirem os erros atuais e acusando os governos passados já sabidamente corrompidos mas jamais punidos, mais à frente cartazes golpistas de simpatizantes opositores exigindo anulação das eleições e “impeachment”; e, não satisfeitos, gente endeusando o candidato  derrotado no pleito presidencial, como a última bolacha do pacote...). Como participar de uma balbúrdia dessas???!!!... E ainda ousam dizer que anarquismo é que é baderna...

Ora, o movimento pelas diretas na década de 80 levou o povo, em uníssono, às ruas, com um mesmo objetivo, ou seja, as eleições diretas para presidente (em pleno regime autoritário militar). Era todo o povo brasileiro contra um governo de direita cruel e ditatorial. Agora é o povo contra o próprio povo, enquanto os verdadeiros políticos coxinhas cronicamente corruptos da direita e os atuais petralhas da esquerda, todos mancomunados, fazem falcatruas em conjunto contra o povo, enquanto este se engalfinha entre si nas ruas do país, e pior, ameaçando o processo democrático que tanto lutamos para alcançar, após tanto tempo sob os duros anos de chumbo. Lamentável.

O país foi tomado por pessoas polarizadas (coxinhas x petistas) e somos praticamente obrigados a escolher um dos dois lados; essas pessoas não aceitam debates, não mais se ouvem, apenas gritam, ofendem e, se não bastasse, afloraram-se (os até então surdos) sentimentos de ódio racial, de separatismos entre o norte e o sul, além dos argumentos homofóbicos e misóginos de uma bancada parlamentar evangelista repleta de conceitos arcaicos, preconceituosos e machistas (pelo menos, temos as hilárias profecias do “Porta dos Fundos, que não deixa barato o macabro Silas Malafaia, uahuahuah).


A excelente historiadora britânica Karen Armstrong (que tem profundos conhecimentos sobre religiões) em seu livro Em nome de Deus: o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo mostra como essas polarizações são prejudiciais para um país, onde ela diz: essa visão paranoica de conspiração generalizada e a tendência a considerar um conflito político como uma guerra cósmica entre as forças do bem e do mal infelizmente parecem ocorrer com frequência desde sempre e perdura até hoje no mundo contemporâneo...”.




A historiadora lembra que, no século XVIII, os norte-americanos ainda colonizados pela Inglaterra associavam os funcionários britânicos com o diabo, e diante da aprovação notória da famosa “Lei do Selo” (taxa extra dos produtos da colônia cobradas pelo parlamento inglês) o tal selo virou “a marca da besta”. Ela lembra também que os iranianos, no decorrer de sua revolução islâmica, chamavam os EUA de “Grande Satã”, e o macabro Bush apelidou países orientais como o Eixo do Mal”, e por aí vai... 

E é o que se vê no nosso país, há décadas acostumado que estávamos com a direita reinante num país capitalista que se confronta com forças revolucionárias de esquerda, equivocadamente vistos como o bem contra o mal (o belo Collor, o caçador de marajás versus o barbudo 666Lula, o belo moço Aécio no seu reluzente cavalo branco versus a guerrilheira do mal Dilma, e por aí vai...


O professor e historiador Leandro Karnall mostra como essa visão paranoica (do bem contra o mal) se deve à equivocada maneira com que um lado retrata o outro ao seu bel prazer” (como acontece hoje na polarização entre o mundo Ocidental e o mundo Oriental), ao falar dos mitos do fundamentalismo islâmico, de como ele é visto por nós ocidentais (no vídeo abaixo), como se fosse único no mundo e não convivêssemos com o fundamentalismo cristão, que está escancarado (mas nunca enxergamos, ou sequer admitimos) no nosso cotidiano (e que pode ser tão violento quanto) tal e qual o islâmico.




Essa polarização que se mantém no país desde as eleições presidenciais só tem prejudicado o próprio povo brasileiro que se mantém desunido, sem liderança e sem rumo, e sem um objetivo específico em comum (diferente da época das diretas já) e volto a insistir, enquanto isso, tanto a direita tradicionalmente corrupta e agora a esquerda também corrupta fazem a festa, todos eles unidos e mancomunados uns com os outros no meio político num conluio para salvarem a própria pele (ao contrário de nós, o povo, polarizado, que  se digladia nas ruas, avenidas e whatsapp da vida ). “Triste fim de Policarpo Quaresma”.

Me fez lembrar da barganha faustiana” (“Fausto”, de Goethe), do pacto com o diabo, o caso do pedido de impeachment da Dilma pelo sabidamente corrupto Eduardo Cunha e o povo “coxinha” (além de não bater “panelaço” para o tal Cunha), num típico vale-tudo”, aceita de bom grado o pedido impetrado pelo deputado corrupto. É a velha história do vale-tudo a qualquer preço, quando da polarização: não importa vencer ou perder, até você perder”. O escritor Marcelo Rubens Paiva coloca na sua página social: “Impeachment aberto por Eduardo Cunha é como lei seca controlada por Al Capone”. A que ponto chegamos...!!! Vergonhoso!!! 

Étienne de la Boètie, humanista e filósofo francês que viveu no século XVI, em seu livro “Discurso sobre a servidão voluntária”, revela já naquela época que a polarização é um grave defeito do ser humano, que o sujeito que polariza não mais escuta ninguém, só a sua verdade importa para ele, revela também que o sujeito que polariza pensa pouco, grita, julga, não aceita posições divergentes e pratica sem tréguas “um ataque às ideias da reflexão e do raciocínio”; e de novo, Leandro karnall (no vídeo abaixo) nos ajuda a lembrar que o país que passou recentemente por esse tipo de polarização civil foi a Síria, e é hoje, como bem sabemos, o país que enfrenta uma triste guerra civil sem precedentes. Refletir é preciso.




Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...