Imagem

Imagem

Select Language

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O fascínio de "O mar" de John Banville

Quando entro numa livraria (assim como acontece, quando entro numa locadora, numa estante de filmes "cult"), me "esqueço" da vida, gosto de "me perder" no meio daquele monte de títulos, e às vezes, sem noção do que estou a procura, saio folheando vários, e o que me chama atenção nessas horas é o título e os seus primeiros parágrafos, se me cativarem, mando embrulhar.

Foi assim com "O mar" de John Banville, primeiro o título, porque sou simplesmente fascinada pelo mar, meu eterno companheiro das horas boas e ruins, desde a infância.

E o início da narrativa me cativou: "Os deuses partiram no dia daquela maré estranha. Durante toda a manhã, sob um céu leitoso, as águas da baía subindo, subindo, atingindo alturas inauditas, com pequenas ondas lambendo a areia ressecada...Depois daquele dia, nunca mais nadei...As ondas iam deixando uma faixa de espuma amarelada na areia. Não, não voltei a nadar depois daquele dia. Nunca mais.

Aquele parágrafo atiçou minha curiosidade de leitora - afinal o narrador parecia, como eu, fascinado pelo mar, e de repente, algo aconteceu e ele não mais entrou no mar. Esse misto de fascínio e medo que o mar nos evoca sempre "mexeu" comigo.

A favor do livro estava seu prêmio como vencedor do "Booker Prize" de 2005, e ao lê-lo, tive que concordar com o merecido prêmio. Mas acredito que não seja um livro de fácil aceitação para o público geral, é preciso um certo "feeling" prá gostar desse tipo de prosa, com texto bastante rebuscado, como é esse romance.

Mas, para mim, o romance é de uma beleza hipnótica, ao comparar o ir e vir das ondas do mar com o vaivém entre o passado e o presente do narrador, um homem amargurado por um presente que considera medíocre, uma morte familiar recente, a incerteza do futuro que a velhice impiedosamente o "assalta", e na tentativa desesperada de aplacar o sofrimento, resolve "reviver" seu passado guardado na memória, das suas férias de infância, na casa de veraneio a beira-mar, um passado que, para ele, foi inferno e paraíso ao mesmo tempo.

Sou "suspeita" ao falar do livro, pois eu também, pré-adolescente, passava minhas férias em casa de veraneio a beira-mar (o preparo de véspera não dormia, tal era a ansiedade), e me vi no lugar dos protagonistas - assim como a menina da história, muitas vezes, ia sozinha ver o mar e ficava, como a menina, agachada, em frente àquele imenso mar, abraçada nas minhas próprias pernas, durante horas (???? o tempo para uma criança é incerto), o olhar perdido naquele horizonte infinito, o barulho das ondas batendo com força na areia, a maré subindo me dava uma sensação de medo e fascinação, ao mesmo tempo.

O sol muitas vezes já se pondo, e o crepúsculo da noite caía sobre o mar, a lua cheia iluminando as dunas de areia, aumentando ainda mais o mistério do ir e vir das ondas, e eu então era despertada desse transe pela minha mãe, que vinha me chamar de volta prá casa ("mania de ficar sozinha até tarde, um perigo para uma menina como você")

Na maior parte do tempo, o mar era nosso companheiro de brincadeiras daqueles verões mágicos (eu, meus cinco irmãos e os amigos "de verão"), o banho de mar era sagrado, todos os dias de manhã e à tardinha, testemunha do pique-bandeira, dos carnavais fantasiados de pierrôs e colombinas e, desde àquela época até os dias de hoje, o meu fiel confidente.

Quem vencer a "dificuldade" da leitura requintada, vai se encantar com o livro, pois a imensidão do mar dá ao narrador (e a nós, leitores) a medida exata da "pequenez" do homem diante dos grandes desafios da vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...