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sexta-feira, 15 de julho de 2011

Eternamente Ingmar Bergman

Ingmar Bergman – um único nome, mas que resume todo o cinema sueco. Se houvesse outro cineasta sueco reconhecido internacionalmente, talvez sua obra fosse provavelmente ofuscada pela extensa e magnífica obra deste que foi um dos maiores nomes do cinema mundial. Bergman dirigiu mais de 60 longas-metragens, uma média incrível de um filme por ano, uma das mais extraordinárias e prolíficas carreiras da história do cinema, com incontáveis prêmios em praticamente todos os festivais de cinema de renome mundial.

Ingmar Bergman ganhou notoriedade, e o mundo se voltou para o cinema sueco, quando pela primeira vez, nos anos 50, o cineasta se apresentou como o grande desbravador de algo que até então o cinema jamais tinha visto – a representação visual e sonora da “paisagem” (e a desolação) da alma humana.

O legado de Bergman é único: com ele, o cinema deixou de ser só entretenimento (até então o universo do cinema eram os épicos, os westerns, as comédias e os musicais românticos) e entrou definitivamente para os cânones da arte. 

O cinema, depois de Bergman, tornou-se tão profundo e estarrecedor como qualquer outra manifestação artística, ao misturar nos seus filmes literatura, teatro e pintura, fazendo jus ao título de “a sétima arte” (termo criado pelo crítico de cinema italiano Riccioto Canudo, no início do século XX, no “Manifesto das Sete Artes”).

Em sua autobiografia intitulada “Lanterna Mágica”, escrita na década de 80, o cineasta aborda todos os seus laços de família em detalhadas referências pessoais, e nesses dolorosos e confessos relatos encontramos todos os temas e significados contidos em seus filmes. A sua vida está toda ela entroncada e emaranhada em sua cinematografia, não há como separar uma da outra. Para Bergman a arte, a obra e a vida são uma mesma e única coisa.

Para entender seus filmes (repletos de poesia e de encantamento, de coragem e determinação, mas também cheio de dúvidas da existência humana e divina, e de dores e solidão), é preciso entender a sua vida, suas paixões e seus temores, pois todos estão lá, sem exceção, em todas as suas obras cinematográficas. Bergman se enveredava por dentro da alma das mulheres (seus filmes são repletos delas) e sentia pena da solidão e da frieza masculina. Amava rostos, gestos e expressões, e considerava o ator a peça fundamental e visceral dos seus filmes.

Palavras de Bergman sobre seu filme testamento "Fanny and Alexander": "O privilégio da infância é podermos transitar livremente entre a magia da vida e os mingaus de aveia, entre um medo desmesurado e uma alegria sem limites... eu sentia dificuldades para distinguir entre o que era imaginado e o que era real".



Escrito em saltos cronológicos sucessivos, o livro “Lanterna Mágica” (nome do engenhoso cinematógrafo que ganhou, quando ainda menino, numa troca de brinquedos com o irmão) é repleto de recordações de infância, sonhos e episódios aparentemente soltos. Filho de um pastor luterano, carismático no púlpito, mas severo em casa (que impunha castigos terríveis aos filhos) e uma mãe de sentimentos instáveis (que variavam entre ternura e frieza), ele teve uma infância conturbada e solitária.



Ingmar Bergman teve uma educação religiosa austera e rígida, em que conceito como pecado, castigo, confissão, perdão e indulgência estavam sempre presentes.  O livro é o resumo de uma vida dedicada à imagem, bem como de uma constante transfiguração de motivos pessoais e mágicos, mas sempre, sempre dolorosos.

Desse modo, encontramos ao longo das páginas de “Lanterna Mágica”, o retrato complexo e severo do pai pastor, e o retrato magoado da mãe, feito a partir de fotografias. A sua iniciação sexual e os seus problemas de saúde. Os casamentos (foram cinco no total, teve nove filhos, tendo três deles se tornado diretores, outros três são atores) e infidelidades. A paixão pelo teatro realista de Henrik Ibsen e August Strindberg (antes de se enveredar pelo cinema, Bergman era um dramaturgo, escrevia peças de teatro – na verdade, ele nunca abandonou essa atividade – e tinha esses autores nórdicos como suas referências literárias).

Nas páginas da sua autobiografia, está também o incessante “embate” com Deus (embora se declarasse ateu, Bergman utilizava a criação artística para exorcizar a culpa por negar uma divindade silenciosa que, no íntimo, não conseguia abandonar por completo). As simpatias da família pelo nacional-socialismo. O elogio a Andrei Tarkovsky (premiado cineasta russo, autor de “A infância de Ivan”) a quem considerava o maior de todos os cineastas.

Em "Lanternas Mágicas" está também registrada a sua devoção ao mestre Victor Sjostrom (ator e também cineasta sueco  autor da primeira adaptação para o cinema de "A letra escarlate", mas por aqui ficou conhecida a versão estadunidense com a atriz Demi Moore) a quem Bergman tinha grande afeição e agradecimento, pois sua entrada no mundo do cinema deu-se através de Sjöstrom, e mais tarde Bergman convidou-o para protagonizar o premiado “Morangos Silvestres”. A eterna musa Liv Ullmann (atriz protagonista de muitos dos seus filmes e uma de suas ex-esposas).

Bergman faleceu em 2007 com quase 90 anos de idade, na ilha de Faro, onde vivia há anos, recluso e isolado de tudo e de todos, inclusive familiares, desde a morte da sua última esposa. Ingmar Bergman queria, com suas obras, “capturar sonhos” e baseou toda a sua cinematografia em questões existencialistas como a morte, a solidão, o desejo e a fé (ou a falta de), e morreu achando ter fracassado na missão a que se impôs.

A ilha onde se encontrava recluso foi palco de um documentário na década de 60/70, produzido pelo próprio Ingmar Bergman, intitulado “Fårodökument”, onde ele traça um retrato sociológico da ilha escandinava chamada Faro (que significa ilha das ovelhas), no mar Báltico, no sudeste da Suécia, ao lado de Estocolmo. Bergman era fascinado pelos extremos no clima da ilha, que vai de um frio insuportável e praticamente inabitável durante o inverno, mas bastante suave e agradável no verão.

Por mais diferentes que fossem suas obras, porém, todas perseguiam um só objetivo: o cineasta queria registrar sensações e epifanias (no sentido mais filosófico e literal possível). Filmar o abismo que há entre as pessoas. Filmar o silêncio de Deus. E justamente por achar que não conseguiu registrar o que queria é que Bergman não se considerava um dos grandes cineastas de seu tempo (embora admitisse ter feito alguns “bons filmes” – os seus prediletos eram “Gritos e Sussurros”, “O Sétimo Selo” e “Sorrisos de Uma Noite de Verão”).

Especialistas no cinema de Ingmar Bergman costumam dividir os seus filmes em duas grandes fases. A primeira, ainda na década de 50, é fortemente marcada pela religião e pelo medo da morte, num enfoque existencialista, numa angustiada busca pelo sentido da vida.

Os maiores representantes desse período são “O Sétimo Selo” – inesquecível a cena antológica do cavaleiro medieval que literalmente joga xadrez com a Morte para tentar salvar a própria vida (o título é uma remissão ao livro bíblico denominado Apocalipse, pois segundo esta escritura, na mão de Deus há um livro selado com sete selos, e a abertura de cada um destes selos implica num malefício sobre a humanidade, mas a abertura do sétimo é o que leva efetivamente ao fim dos tempos).

E também “Morangos Silvestres” (um renomado professor de medicina que, perturbado pela eminência da morte, se envereda pelo seu passado rememorando e questionando suas escolhas e relações pessoais). Nessas obras, Bergman debatia a fé. Em ambas, tentava responder uma das perguntas-chave do século 20: se Deus realmente existe, por que não se comunica, por que se cala diante de tantas atrocidades e injustiças?

Já a segunda fase de Bergman, começa a partir do início dos anos 60, justamente na época em que foi morar na bucólica ilha de Faro, o foco de interesse do cineasta mudou. Agora, ele não se dedicava mais a perscrutar a distância entre os homens e Deus, mas questionava agora a distância entre os próprios homens, numa abordagem sobre os problemas suscitados pelos relacionamentos humanos.

São dessa época obras-primas como “Gritos e Sussurros” (três irmãs “unidas” pelo leito da morte que ronda a casa da família, e que faz vir a tona amores, paixões e ódio, muito ódio), e a sua eterna “ode às mulheres – mais uma vez, uma cena antológica – em um cenário repleto de paredes e tapetes “vermelho sangue”, uma mulher mutila o próprio sexo, com um caco de vidro de uma taça quebrada, para não ter relações com o marido.

“Persona”, com Liv Ullman e Bibi Anderson, foi considerada a mais ousada experiência cinematográfica do diretor sueco. O título “Persona” vem do nome da máscara que os atores do teatro grego usavam na antiguidade e que, por extensão, designa um papel social (ou um papel interpretado por um ator) e as várias personalidades que existem por trás do psique do ser humano e qual máscara usamos para nos apresentamos ao mundo – duas mulheres, uma atriz e sua enfermeira, numa relação camaleônica, simbiótica, ora “irmãs”, ora “amantes”, ora “mãe e filha”, um resumo belíssimo do painel sobre solidão e estilhaço de personalidades, construído pelo diretor sueco, numa das cenas em que as duas mulheres em frente ao espelho, entrelaçando os pescoços, como se fossem duas cabeças habitando um mesmo corpo, como se a todo tempo uma perfurasse e invadisse a outra).

“Cenas de Um Casamento” sobre a derrocada lenta e sofrida de um casal em crise e “Sonata de Outono”, na história de mãe e filha que se digladiam até a morte. Nessas obras-primas, o cineasta tentava compreender a solidão, e o abismo entre falar, ouvir e escutar o outro.

Mas Bergman não era só pessimismo, como pode parecer aos desavisados, são seus também Sorrisos de uma noite de amorO olho do diabo e Para não falar de todas essas mulheres que são de um humor surpreendentes, mostrando assim seus múltiplos talentos, apesar de sempre ser lembrado por suas obsessões, com temas intrínsecos à existência humana como a morte, desejos e religiosidade.

E finalmente “Fanny and Alexander” (Oscar e Globo de ouro de melhor filme estrangeiro de 1983, além de fotografia, figurino e direção de arte), onde o diretor rememora sua própria infância e os seus próprios demônios pessoais quem quiser conhecer a extensa obra desse magnífico cineasta, recomenda-se começar por esta que é considerada sua “obra testamento” (e seu último filme para o cinema), um profundo mergulho sobre a alma humana, com seus temores, enigmas e prazeres enraizados na memória de uma criança – a  bela história do menino Alexander (o alter ego de Bergman) e sua irmã Fanny, no início do século XX, às voltas com sua família problemática e seus fantasmas de infância, num misto de magia, humor e sensibilidade, em meio a cenários deslumbrantes e instantes mágicos.

Belo, comovente, poético, emocionante, onírico, sensível, tocante, mágico, lírico ... ufa, haja adjetivos, infindáveis adjetivos..., e ainda assim elogios insuficientes para essa verdadeira obra prima (prepare-se, Fanny and Alexander tem três horas de duração, mas nem se percebe o tempo passar).

Mais e mais Bergman (são mais de 60 títulos) – “O ovo da serpente” (uma profunda reflexão sobre a ascensão do nazismo)A paixão de Ana, "A hora do lobo, “Monika e o Desejo”, “A flauta mágica”, “Face a face” (no final do texto, trailer de alguns dos filmes e entrevistas com o diretor)  Saraband (último filme para a TV, em 2003, uma continuação trinta anos depois, de "Cenas de um casamento").

E para terminar – Bergman resumiu, num parágrafo, tudo o que o cinema representou para ele como cineasta, e claro, também para nós, cinéfilos: “Cinema é como um sonho, como uma música. Nenhuma arte perpassa a nossa consciência da forma como um filme faz: vai diretamente até nossos sentimentos, atingindo a profundidade dos quartos obscuros de nossa alma”.





















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