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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Seriados antigos - saudade não tem idade


        Saudade não tem idade. Fui comemorar o Natal com meus familiares na minha cidade natal, no interior do estado do Rio de Janeiro, e por conta dos mais de vinte anos morando fora, a confraternização sempre se estende aos amigos de infância, de escola e vizinhos mais chegados.

         Conversa vai, conversa vem, relembrando os velhos tempos, de repente o papo começou a girar em torno dos seriados de TV dos anos 60-70-80 e, nem um pouco surpresa (pois já tinha, há muito, pensado em escrever sobre isso), ao mostrar um vídeo do youtube (abaixo) com dicas das músicas de abertura dessas famosas séries (respostas abaixo do vídeo), eu percebi a animação e a alegre agitação dos amigos e familiares (sob os olhares curiosos dos pimpolhos que tentavam, em vão, participar), todos tentando adivinhar o nome desses tais seriados, que fizeram parte do cotidiano de uma legião de admiradores de várias gerações de adolescentes, num passado não muito distante.

1-A feiticeira 2-Bonanza 3-A família Adams 4-Jeannie é um gênio 5-Daniel Boone 6-Agente 86  7-Havaí 5.0  8-Os monkees 9-Jornada nas estrelas 10- Batman 11-Missão impossível 12-Perdidos no espaço 13-Viagem ao fundo do mar 14-Túnel do tempo 15-A família buscapé 16-Os monstros 17-James West 18-Terra de gigantes 19-Thunderbirds 20-Chaparral 21-Guerra,sombra e água fresca

As séries até hoje fazem sucesso. A cantora brasileira Denise Reis, e seu famoso "trompete vocal", mostra sua performance, no Jô Soares, cantando os temas de alguns desses famosos seriados.
Antes do advento da internet (e do hoje obsoleto vídeo-cassete, do DVD e do Blu-Ray) ficávamos nós, da (pré e pós) “geração coca-cola”, a mercê das emissoras de TV, cuja programação, em plena ditadura militar, era modulada pela censura rígida, que rotulava quase tudo ligado a arte (inclusive o cinema) como subversivo. E a rede “plim-plim” (leia-se rede Globo) foi, aos poucos, monopolizando a agenda cultural (leia-se o empobrecimento cultural) do povo brasileiro, e ficávamos ao bel-prazer da programação desta emissora.

A ditadura militar estimulava toda forma de autoritarismo da direita reinante na época e a Globo acatava (e infelizmente ainda acata nos dias de hoje), e nós, pobres mortais, tínhamos que nos contentar com o que era então produzido na América capitalista, em oposição ao comunismo (a chamada guerra fria), e assim os seriados americanos eram os nossos passatempos preferidos (não havia melhor escolha, já que só nos restavam as repetitivas novelas brasileiras e os intragáveis “enlatados” americanos).

E foram várias as gerações que passaram a infância e a adolescência curtindo esses famosos seriados em reprises e mais reprises, pois a ditadura militar durou de 1964 a 1985, exatos 21 anos ininterruptos (e a ditadura da Globo dura até hoje). São hoje quarentões, cinquentões e sessentões (e boa parte também dos trintões), por conta das reprises que duraram décadas que, saudosos, relembram com nostalgia os velhos e bons seriados da época.

“Os Waltons”, a história de uma família rural americana às voltas com as dificuldades para criar seus sete filhos após a grande Depressão americana. Quantos de nós não dormíamos só depois do famoso boa noite da família Walton? (“Boa noite, Mary Ellen... Boa noite, John Boy”).

“Jeannie é um gênio” contava a história de uma sensual e atrapalhada “gênia” da lâmpada, apaixonada por seu amo. “A feiticeira” foi recentemente cinematografada, com a atriz Nicole Kidman no papel da bela bruxa tentando se adaptar ao mundo dos mortais. Tom Cruise voltou a encarar na telona a sua terceira "Missão impossível". 

O divertido “Agente 86” também foi levado recentemente para o telão, com o ator Steve Carell (“O virgem de 40 anos”) na pele do trapalhão Maxwell Smart (papel, na série, do falecido ator Dom Adams), um agente de uma organização secreta de nome C.O.N.T.R.O.L.E., que tinha como missão combater uma agência criminosa de espionagem, a K.A.O.S., cujo chefe tinha sotaque nazista (história criada pelo humorista Mel Brooks, numa alusão a C.I.A. americana versus a K.G.B. soviética).

Às voltas com mirabolantes equipamentos “especiais”, de fazer “inveja” ao super agente 007 James Bond (e eu, cinéfila que sou, no meu “ambiente de trabalho”, em minha casa, tenho várias fotos antológicas do cinema, em preto e branco, e uma delas é o agente Smart e o seu famoso sapato-fone), nos divertíamos com o impagável “cone do silêncio” da organização, uma geringonça que era usada para conversas sigilosas com o seu chefe, mas que em geral não funcionava, ou melhor, funcionava sempre às avessas, raramente se ouvia um ao outro e, ao contrário, todos ao redor muitas vezes podiam ouvi-los.

Impagáveis também eram as tiradas sempre apatetadas do agente secreto Smart, como as do tipo “o velho truque...”, ou então “não me diga que...“ e quando alguém dizia a tal contestação dele, respondia na lata “eu pedi para não me dizer isso”. Ou quando ameaçava que “um exército de policiais estaria cercando o local”, e ao ser desacreditado pelo seu algoz, saía com a máxima perguntando se o fulano "acreditaria se fosse uns dez homens e um cachorro” e a cada contestação ele ia diminuindo o número de homens do cerco, tentando convencer (inutilmente) o inimigo que este estaria sem saída.

Com uma ingenuidade nata, seu jeito desastrado e total falta de atenção, o agente 86 (ironicamente chamado “Smart”), apesar dos pesares, conseguia ser engenhoso, perspicaz e com uma grande dose de sorte se saía bem no seu ofício, divertindo a todos nas soluções sempre esdrúxulas dos casos de espionagem.

Os heróis japoneses representados principalmente pelo “National Kid”, uma verdadeira “febre” entre a garotada da época (a gurizada “levava” as séries para a escola, em brincadeiras no recreio, “teatralizando” seus super-heróis prediletos, e “National Kid” era um dos preferidos). Tinha também “Jaspion”, “Ultraman”, e os mais recentes “Dragon Ball Z” e “Power Rangers”.

Surgiram então os heróis latinos, como o até hoje mega-sucesso “Chapolim” e “Chaves”. No Brasil, surgiu na década de 60, o primeiro seriado genuinamente brasileiro, “O vigilante rodoviário” com seu fiel cão, de nome Lobo, que combatia o crime nas rodovias do país, a bordo de uma Harley-Davidson dos anos 50.

E não parava de aparecer mais e mais séries – “Bonanza”, “Daniel Boone”, “Bat Masterson”, “Túnel do tempo”, “Terra de gigantes”, "The monkees" “Perdidos no espaço”, “Flipper”, “O incrível Hulk”. 

E a série “That ‘70s show” (os atualmente famosos atores Ashton Kutscher e Mila Kunis, começaram suas carreiras na hoje extinta série), criada nos anos 90, confirma a relevância da década de 70, ao retratar a história de seis jovens amigos adolescentes às voltas com as mudanças radicais das novas gerações, que aprendiam a se virar num novíssimo contexto social, com a recente “igualdade” dos sexos, o rock and roll, a iminente liberdade sexual e a entrada ainda sutil das ervas ilícitas nos lares americanos. Reprises da série ainda podem ser vistas na TV a cabo (Sky) pelo canal Sonyspin. 

Realmente saudade não tem idade, e relembrar os revolucionários anos 60/70 é primordial para as atuais gerações tomarem conhecimento da grande contribuição da então juventude daquela época, pois foi a primeira geração a conquistar o direito de ser jovem, a chamada "juventude libertária" que tomou as ruas, os centros acadêmicos e os grandes festivais de música, e desde então a juventude nunca mais seria a mesma (assista abaixo o vídeo "We all want to be young" e finalizo o texto comemorando o novo ano, com o vídeo "feliz 2012").




































sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O Natal (o amor) está no ar

A chegada do Natal, por mais piegas que possa ser, invariavelmente, traz sempre um espírito de esperança por dias melhores. E eu, como pisciana que sou (se é que realmente somos regidos por algum signo solar), gosto dessa ilusão natalina, de sonhar, de viver meio no mundo da lua, de achar que dias melhores virão, pois ainda acredito no altruísmo do ser humano (apesar de  bem mais descrente, com o atual caminhar da humanidade) e assim aproveito para compartilhar e confraternizar os votos de boas festas.

E como boa pisciana que vive no mundo dos sonhos, o cinema costuma ser meu portal para esse mundo. E recomendo para entrar nesse universo, em total clima natalino, o filme “Simplesmente amor” (“Love actually”). 
Emotiva e divertida comédia romântica, que se passa às vésperas do Natal londrino (numa contagem regressiva até a noite natalina), o filme fala do amor, de toda e qualquer forma de amor, seja entre pais e filhos, entre amigos, entre casais, entre familiares próximos ou distantes.

E, finalmente, fala do amor universal que deveria haver entre as pessoas, independente de raças, crenças ou nacionalidades, e que no filme é magistralmente representada pela bela cena de abertura (que se repete no final do filme) das chegadas nos aeroportos, em um grande mosaico de abraços e beijos de saudades de quem esteve longe dos olhos, mas não distante do coração.

Não há como não se emocionar com a expressão de surpresa e encantamento da atriz Kira Knightley, quando descobre, sem querer, a paixão platônica e secreta que o melhor amigo do seu companheiro nutre por ela, sob o olhar constrangido e desesperado do mesmo, na pele do ator Andrew Lincoln. 

E também, temos o nosso ótimo ator brasileiro Rodrigo Santoro, aqui fazendo par romântico com a atriz americana Laura Linney, e também grandes atores como Alan Rickman, Lian Neeson, e uma ponta hilária com o “Mister Bean”.

E não dá prá deixar de comentar o charmoso sotaque britânico do belo ator Hugh Grant, que encarna o papel de um primeiro ministro inglês bem descontraído com sua  ótima performance dançante.

Com uma trilha sonora excelente, o filme mostra vários personagens com histórias que se entrelaçam e, além dos encontros amorosos, mostra também a dor dos desencontros e das traições, nos olhos marejados da atriz Emma Thompson, ao descobrir a traição do parceiro, numa interpretação magistral, que nos leva a sofrer junto com ela, ao som da bela música  “Both sides now“de Joni Mitchel  ou no recolhimento e desconfiança (diante de um novo amor) do ator Colin Firth após flagrar o irmão com a sua namorada (ah, a dor da traição, sempre dolorosa para quem é traído, tanto para o homem como para a mulher).

Em tempo: apesar de ser considerada uma comédia "light", há cenas "algo picantes" (como a do casal de atores de filme pornô que acaba de se conhecer durante um ensaio de uma cena de sexo, e de maneira hilária nos diverte com uma timidez extrema, inimaginável no contexto), assim aconselho aos pais assistir antes e decidir se os pimpolhos devem ou não ter acesso à película.

Outras dicas de filmes sobre o Natal para curtir, com a família, o ótimo feriado vindouro: "

E falando em Joni Mitchell (compositora e cantora canadense, famosa na década de 60-70), deixo a  a bela canção bela música da compositora,intitulada “River” (aqui, na bela voz de Sarah Mclachlan) como votos de um Feliz Natal (“It’s coming on Christmas, they”re cutting down trees... and singing songs of joy and peace...I wish I had a river, I could skate away on... I would teach my feet to fly”). 














  






sábado, 17 de dezembro de 2011

Ageless - naturalmente de corpo e alma

Quantos anos você tem? Quantos anos você aparenta ter? Há pouco tempo ganhei um novo “rótulo”. Recentemente uma amiga, que não via há um bom tempo, me rotulou como uma pessoa “ageless” (sem idade, pessoa que não se consegue definir a idade).

Como me pegou de surpresa, devo ter feito uma cara questionadora (esse é o problema do corpo, que nos denuncia, mesmo quando tentamos disfarçar um sentimento, é o “corpo que fala” o que a alma tenta esconder - para entender melhor, leia o texto “O corpo fala”, aqui no blog, na “lista de textos”), talvez eu tenha feito uma cara de espanto, pois ainda estava “digerindo” a frase, sem saber se considerava um elogio ou não. Ao que a amiga, ao perceber minha provável oscilação facial, emendou: “Você é uma pessoa naturalmente “ageless” de corpo e alma. Você se mantém naturalmente jovem por dentro e por fora”.

E minha amiga discursou sobre a minha pouca mudança física desde que me conhece (nem tanto, pois disfarço bem as madeixas brancas que cismam em aparecer ano após ano), minha eterna disposição e meu vigor físico (yoga faz a diferença, me deixa sem nenhuma das famosas dores articulares fatídicas, que tanto ouço reclamarem ao meu redor), e sobre minha desenvoltura e meu trânsito fácil, tanto pelo universo da turma dos 20 como dos “jovens” senhores de 80 anos, percebido por ela no evidente agrado pela leitura do meu blog por essas tão variadas faixas etárias (mas aí tem explicação, argumentei, cinema é universal e não tem idade). 

Apesar de lisonjeada com a conclusão final da amiga, fiquei “matutando” o tema. “Ageless”. Minha primeira reação foi defensiva, pois frequentemente vemos na mídia pessoas que querem, na marra, a todo (e qualquer) custo, parecer mais jovens, e artificialmente investem em plásticas, silicones, botox e mil exageros que mais deformam que rejuvenescem (por isso minha dúvida inicial se era ou não um elogio, apesar de eu nunca ter investido nesse universo fake, no máximo faço peeling com cremes para suavizar a pele facial).

O termo “ageless” surgiu com a contemporaneidade e a longevidade que hoje está ao alcance de todos. A curta expectativa de vida na metade do século XX fazia com que um indivíduo de 50 anos fosse visto (e se sentisse) como um senhor de idade, prestes a se aposentar, com seus chinelos e pijama em frente à TV, apenas aguardando a hora de ser “ceifado” pela “dona morte” com sua gadanha implacável. Ou seja, não havia mais tempo para se questionar relacionamento ou profissão, muito menos sentimentos e desejos.

Hoje tudo mudou. O mercado da moda, dos cosméticos e consumos em geral, teve que ser reestruturado para entender (e atender) esse novo mercado de velhos jovens de 40-50-60 anos. Daí surgiu o termo “ageless”, que inicialmente denominava os “baby boomers”, os nascidos no pós- guerra (quando aconteceu uma “explosão de bebês” na 2ª guerra mundial). Acadêmicos explicam que o ser humano possui essa característica de aumentar a reprodução quando se sente ameaçado ou em perigo, e dividiram os “baby boomers” em dois grupos de gerações distintas: a primeira engloba os nascidos entre 1946 e 1954, e a segunda geração os nascidos entre 1955 e 1964. Eu pertenço ao final da segunda geração.



O mercado foi atrás do “ageless style” para angariar esse novo grupo de consumidores, que aposentaram sim, mas o pijama e os chinelos, e adiaram (e muito) o encontro com a “ceifadora”. Descobriu-se que essa geração possui renda mais consolidada, tem um padrão de vida estável, prefere qualidade a quantidade, sofre pouca influência de marcas, não vê o preço como obstáculo para perseguir um desejo, é firme e maduro nas suas decisões e não se influencia facilmente por outras pessoas.

E a famosa balzaquiana de 30 anos de Honoré de Balzac já não existe mais, nem mesmo as mulheres de 40-50-60 anos podem (nem querem) hoje ocupar o lugar das antigas balzaquianas, pois até elas estão refazendo suas vidas, amorosas e profissionais, e o termo ficou obsoleto, podendo mesmo ser extinto nos dias de hoje.

A geração “ageless” se comporta tanto física como mentalmente com mais jovialidade, e independentes têm o pensamento jovem e atual, chamado “fora da caixa”, ou seja, não é possível enquadrá-los na “caixa dos 30 anos”, nem na “caixa dos 40 ou 50 ou 60 anos”. A nova forma de ver (e viver) a vida, fez com que essa geração “ageless” não mais se importasse com a contagem do seu aniversário, pouco importando (e não mais escondendo) o nº de velinhas que vão acima do bolo.

Ser “ageless” fisicamente é manter a vitalidade dos 20-30 anos mesmo num corpo de 40-50-60 anos (respeitando, é claro, a evidente limitação do organismo), mantendo uma alimentação saudável, mas ainda prazerosa e atividades físicas regulares, mas sem exageros. É vestir-se com modernidade, respeitando-se os limites do próprio corpo, sem exageros.

Ser “ageless” mentalmente é transitar com a mesma leveza pelo universo dos 18 aos 80 anos (talvez o meu blog seja a prova mais contundente da conclusão da minha amiga), questionando os próprios relacionamentos, a profissão, o papel da família, da sociedade.

O verdadeiro “estilo ageless de ser” é saber envelhecer dignamente, sem perder o estilo e a beleza que cabem na própria idade cronológica, sem exageros, pois cada idade tem sua própria beleza. Recorrer a plásticas excessivas para parecer eternamente jovem é “over”. Quer pior que isso? Existe aquele grupo de pessoas que aparentam física e mentalmente uma idade ainda maior que a da carteira de identidade, com visual ultrapassado, pessoas que não sonham mais, que vivem se lamuriando pelos cantos, com dores na coluna que mais refletem as "dores da alma", pois chafurdaram em relacionamentos e casamentos falidos, sem entusiasmo no trabalho e sem paixão pela vida , são exatamente o oposto dos "ageless" (seriam os "out of date", fora da validade?)

Para ilustrar o texto, recomendo o filme “O curioso caso de Benjamin Button”, baseado num conto de um livro homônimo, em que o belo ator Brad Pitt vive o fascinante personagem do bebê que nasce no corpo de um velho e que, com o passar dos anos, adquire a sabedoria de um velho num corpo de um menino. É a inversão do ciclo da vida que todos nós um dia já sonhamos (ter a sabedoria dos 50 num corpinho de 20), mas adiantaria se  isso só acontecesse conosco, como vemos no filme? (enquanto Benjamin rejuvenesce, os demais personagens do filme vão naturalmente envelhecendo)

A graça da vida é o ciclo em que todos seguimos juntos, vamos envelhecer junto com nosso companheiro (ou com um segundo ou um terceiro), com nossos amigos, com nossos colegas de trabalho, e a sabedoria vai nos mostrar que o ciclo da vida se repete sim, nos nossos filhos, nos nossos netos e bisnetos.

E como minha vida, além do cinema, gira também em torno da música, deixo também como ilustração as músicas “Não vou me adaptar” e “Epitáfio” dos Titãs (aliás, o grupo também é “ageless”, fui recentemente ao show deles aqui em Niterói, e do meu lado, curtindo o som da banda, estavam jovens dos 15 aos 60 anos, repetindo em coro as letras, e todos vibrando com o mesmo vigor).

Ainda não aprendi totalmente, pois quando olho no espelho minhas ruguinhas aparecendo mais e mais a cada primavera, surge um misto de aceitação e negação, que depende do meu dia de TPM ou não (“eu não caibo mais nas roupas que eu cabia,...no espelho, essa cara já não é minha, ... não vou me adaptar”), mas dizem que quando se chega aos 60-70 anos, a sabedoria nos ensina a aceitar tudo e a todos, inclusive as marcas do tempo e as mazelas da vida (“queria ter aceitado as pessoas como elas são,...cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração”). Eternamente (ageless) Titãs.










quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Efeitos especiais - "making of" no cinema

Quem é cinéfilo, não se contenta apenas em assistir a um filme. Cinéfilo que se preza, quer saber tudo o que rolou por trás dos bastidores das gravações, como foi montada esta ou aquela cena – câmera na mão ou gruas, os efeitos especiais (sonoros por mixagem de som ou produzidos digitalmente, visuais por computação gráfica, mecânicos ou físicos como maquiagens e outros), os jogos de câmera ou de luzes e sombras.

A fotografia, os enquadramentos, a câmera em zoom, em close, em "slow-motion" ou "stop-motion", e as técnicas cinematográficas mais modernas como "time-lapse" e "bullet-time" (detalhes, sobre essas técnicas, mais adiante), enfim todos os detalhes que fazem a diferença numa produção cinematográfica. A trilha sonora escolhida para criar toda a atmosfera do filme. Para tanto, vale grandes produções hollywoodianas, curtas-metragens ou mesmo vídeos promocionais de propaganda.

O vídeo "Sunscreem", por exemplo, foi divulgado via internet há alguns anos atrás, e é composto de vários "conselhos úteis", sob a forma de um discurso, que "caem como uma luva" como uma lição de vida, nos dias de hoje. 

Cinéfila que sou, curiosa, fui atrás da história desse vídeo, do "making of" da produção, desde o texto até a escalação da trilha sonora que compõem o belo vídeo. 



O tal "discurso", que se acreditava ser de um orador direcionado a uma turma de formandos, na verdade era um ensaio de uma escritora (apenas foi escrita na forma de um discurso para chamar a atenção dos leitores) de uma coluna de um jornal de Chicago  o título original era "Advice, like youth, probably just wasted on the young" (instigante, não?), e que acabou ficando famoso nas mãos do diretor australiano Baz Luhrmann (diretor do também ótimo “Moulin Rouge”, que já comentei aqui no blog, em "Musicais imperdíveis").

Luhrmann chamou um ator australiano, chamado Lee Perry, para ler o discurso. A voz do ator é envolvente e extremamente convincente. Ao contrário, a versão tupiniquim do Pedro Bial chega a ser esdrúxula, pois (o mala do) Bial literalmente “detonou” o vídeo – a fala do apresentador brasileiro soa em tom debochado em vários trechos, querendo parecer “meio malandro”, que nada tem a ver com a temática do texto, e a tradução é péssima, por exemplo, a palavra "floss", que no discurso tem sentido de "relaxe", o retardado do Pedro Bial traduz como “use fio dental”. Nada a ver, simplesmente horrível, o mala conseguiu estragar completamente o vídeo (também, o que esperar de um apresentador do intragável "Big Brother"?).

A parte musical do vídeo é composta pela música "Everybody’s free" (música original de uma cantora africana chamada Rozalla) que Luhrmann já havia incluído em seu filme "Romeo+Juliet" (já comentei sobre esse filme, no texto anterior sobre Shakespeare), com a voz de um jovem cantor afro-americano (uma voz maravilhosa, diga-se de passagem) chamado Quindom Tarver, e aproveitou e colocou-a também no vídeo (veja, no final do texto, uma pequena parte do "making of" do filme "Romeo and Juliet", com o diretor Luhrmann e o cantor adolescente ensaiando no set de filmagens). 

Abaixo, alguns dos trechos, dos tais "conselhos", que mais gosto:

"Don't be reckless with other people's hearts, don't put up with people who are reckless with you" (que pode ser traduzido como: "Não trate os sentimentos alheios de forma irresponsável, não tolere aqueles que agem de forma irresponsável em relação a você")  esse eu sigo à risca, é o meu lema atualmente.

"Remember the compliments you receive, forget the insults; if you succeed in doing this, tell me how" ("Lembre-se dos elogios que recebe, esqueça os insultos; se conseguir fazer isso, diga-me como")  eu também gostaria de aprender como fazer para esquecer os insultos (hoje, reajo aos insultos tratando meus desafetos com indiferença, mas esquecer, ainda me é impossível).

"Dance...even if you have nowhere to do it but in your own living room" ("Dance...mesmo que o único lugar que você tenha para dançar seja sua sala de estar")  isso eu sempre fiz desde a adolescência (e continuo fazendo até hoje).

"Do not read beauty magazines, they will only make you feel ugly" ("Não leia revistas de beleza, elas só farão você se sentir feio")  essa é realmente uma verdade. 

"Do one thing every day that scare you" ("Todos os dias faça alguma coisa que seja assustadora") – acho que escolhi ser cardiologista/ecocardiografista emergencista por isso, meu dia a dia no trabalho é sempre desafiador, pois estou sempre no limite entre a vida e a morte, e no lazer também (de vez em quando estou em pleno ar saltando com meu filhote pára-quedista). 

E voltando ao "making of", assista no final do texto, como são criados os efeitos especiais e as diversas técnicas de fotografia e movimento (que tornam um filme uma verdadeira obra de arte), que cito, abaixo, algumas delas:

"Stop motion" é a técnica usada para animação de objetos inanimados, técnica esta muito utilizada em desenhos animados com massinhas; já a câmera em "slow motion" é a técnica que "desdobra", em câmera lentíssima, os mínimos detalhes de uma cena rápida que normalmente não pode ser bem detalhada a olho nu.

"Time lapse" é uma técnica cinematográfica em que a câmera registra uma imagem numa velocidade lentíssima, num período bem maior do que o que será mostrado na tela, fazendo parecer que o tempo "passou depressa", dando a impressão de "saltos" no tempo (lapsing). No filme "Brilho eterno de uma mente sem lembranças", além de vários efeitos de câmera, a técnica de "time lapse" foi também muito usada (veja trailer abaixo, e leia sobre esse belíssimo, intrigante e instigante filme, aqui no blog, na "lista de filmes").

Já na técnica "bullet-time" acrescenta-se um efeito especial à câmera lenta, em que a cena é registrada, inicialmente, em movimento ultra-lento, e ao mesmo tempo várias câmeras, ao redor do objeto focado, registram a cena em vários ângulos, numa espiral de até 360º. O efeito especial ficou famoso no filme “Matrix”, na cena em que a personagem Trinity (da atriz Carrie-Anne Moss) fica "congelada" no ar, quando perseguida por dois policiais, e também foi usada na cena em que Neo (personagem de Keannu Reeves) escapa de uma rajada de tiros, também quase totalmente "congelado", numa cena de 360º –  veja as cenas no final do texto, e leia sobre esse ótimo filme ("Matrix" e as Midiatrix brasileiras) na "lista de filmes" aqui no blog.

O gaúcho (nascido em Bagé, depois radicado em Porto Alegre) Rodrigo Teixeira é um expert em efeitos especiais, e se mandou prá América em busca de seu sonho e, depois de muita persistência, se tornou um dos diretores técnicos de efeitos especiais mais requisitados na "terra do tio Sam", tendo participado diretamente dos efeitos de diversos filmes famosos, como "Alice" de Tim Burton, "Sin City, a cidade do pecado", "2012" e "O dia depois de amanhã" (assista entrevista com o mesmo, no final do texto, falando sobre a "destruição" das cidades em "2012", que ficou para ele a incumbência da "destruição" de Los Angeles e de Las Vegas, se "inocentando" de não ter sido ele a "destruir" o Rio de Janeiro).

A série de televisão "The walking dead" (baseada numa série em quadrinhos, de mesmo nome), faz sucesso nos EUA, e agora também no Brasil (veiculada aqui pela TV paga Fox - veja no final do texto), com os inúmeros efeitos especiais de maquiagem, com uma profusão de zumbis em cena, que fazem a "alegria" dos amantes do "horror show". A série é envolvente, deixando um gostinho de "quero mais" no espectador, mesmo naqueles que não curtem muito esse tipo de história surreal (uma misteriosa doença transforma a maior parte da população do planeta em zumbis, restando aos poucos sobreviventes lutar por suas próprias vidas, fugindo dos ataques dos mortos-vivos).

E como "a propaganda é a alma do negócio", a indústria cinematográfica usa e abusa de todos os artifícios para atrair o espectador. O canal de televisão TNT, numa jogada prá lá de original, criou um comercial para divulgar os filmes da sua programação. Lançando mão de efeitos especiais e de câmera, o "espectador" passa a figurar entre o elenco da película em questão, estimulando o público a participar ativamente dos filmes, em especial daqueles que "não se deve deixar de ver antes de morrer" – veja no final do texto, as cenas montadas com as partes mais famosas dos filmes "O iluminado", "Juventude transviada", "Os intocáveis", "Máquina mortífera" ("Lethal wepon") e "Poltersgeist".


























sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Anonymous, o filme: "ser ou não ser (uma fraude), eis a questão"

O cinema chega com mais uma "novidade" baseada numa antiga polêmica – afinal, Shakespeare é, ou não é, Shakespeare? Eis aí uma questão antiga (sem resposta, óbvio). Essa, nem "Freud explica". Aliás, "dizem as más línguas", até Sigmund Freud, assim como o renomado escritor norte-americano Mark Twain, e também o romancista da era vitoriana Charles Dickens, questionavam a autoria das famosas peças do gênio imortal da dramaturgia inglesa.

Seria Shakespeare uma fraude? A dúvida surgiu dois séculos após a morte do dramaturgo, quando começaram rumores, no fim do século XIX, de que o verdadeiro autor das peças magníficas seria atribuído ao poeta lírico Edward de Vere, um conde da corte da cidade de Oxford, na Inglaterra.

Uma tese, no início do século XX, sugeria que o tal nobre teria escrito secretamente todas aquelas obras-primas, mas não podia assumir a autoria pois, naquela época, a nobreza medieval achava que poesia e teatro eram artes menores (e não mereciam o envolvimento da realeza), escolheu-se então alguém do povo para assumir os créditos, e esse alguém seria quem hoje conhecemos como William Shakespeare.

A tese é embasada na teoria de que Shakespeare era um homem sem nenhuma vivência com a corte, e sem cultura suficiente para escrever peças eruditas tão monumentais, a maioria delas ambientadas nos bastidores da corte e da realeza.
O filme está sendo lançado agora nos EUA, com o título "Anonymous" (no Brasil, a estréia está programada para fevereiro de 2012), foi dirigido pelo alemão Roland Emmerich (diretor dos apocalípticos "2012", "O dia depois de amanhã" e "Independence Day"), e tem no elenco

domingo, 6 de novembro de 2011

A literatura de Ian "MaCabro" no cinema

Quem é que não se lembra de alguma história macabra que foi contada na nossa infância, e que nos assombrava nas noites frias, e nos fazia encolher debaixo dos cobertores, mal conseguindo respirar de tanto medo e pavor? Quem viveu a infância no interior, bem sabe do que estou falando. Sempre “rolava” uma história de alguém que foi enterrado vivo, de um porão mal assombrado onde alguém jazia morto, ou de alguma “alma penada” que perambulava pelas noites de lua cheia a procura do seu algoz.

“Frankestein” e "Drácula" povoaram o meu universo de menina, e já adulta, continuei a me fascinar pela literatura gótica. E o cinema também não se cansa de investir nesse universo do sobrenatural, do gótico, do horror que fascina.

O célebre escritor britânico Ian McEwan começou a sua carreira literária, tomando “emprestado” fórmulas dos romances góticos famosos no século XVIII e XIX, mas sempre inseridas num contexto contemporâneo.

A literatura gótica surgiu no final do século XVIII, na Inglaterra, e tinha como característica elementos ligados ao imaginário sobrenatural, profecias e maldições em meio a castelos medievais, com personagens melodramáticos, associados sempre a devassidão sexual, a loucura e a deformação de corpos. Edgard Allan Poe e o Marquês de Sade são nomes famosos do universo gótico (este retratado no cinema em “Os contos proibidos do Marquês de Sade”, com o ótimo ator Geoffrey Rush, no papel do escritor libertino).

Como exemplo de filmes, baseados em romances com elementos góticos clássicos, já exaustivamente cinematografados pela sétima arte, temos “Frankestein”, “O retrato de Dorian Gray”, “Drácula, de Bram Stoker” (que foi magistralmente cinematografado por Francis Ford Coppola) e “Nosferatu” (veja aqui no blog, na “lista de filmes”, sob o título “vampiros”).

Ian McEwan (às vezes chamado “Ian MaCabro”, por conta dos conteúdos góticos, altamente perturbadores, de suas primeiras obras literárias) tem um estilo próprio e inigualável de escrita, com doses precisas e bem colocadas de suspense, drama e comédia, que convidam o leitor a manter uma leitura ininterrupta, porque prazerosa.

Com uma extensa carreira literária de sucessos (de romance em romance foi mudando seu estilo, saindo do universo gótico), sempre com histórias envolventes sobre intrigas familiares, amores ilícitos e corações partidos em tempos de guerra, é hoje um dos autores preferidos dos diretores, e frequentemente, vem sendo “adaptado” tanto para o teatro como para o cinema.


Por exemplo, no romance “Atonement” (que quer dizer expiação), que foi levado ao cinema recentemente, o escritor discorre sobre a eterna tentativa do ser humano de expiar seus erros – a protagonista, uma aspirante a escritora, passa o resto da sua vida tentando o perdão da irmã, por uma denúncia falsa cometida por ela na pré-adolescência, movida por egoísmo e inveja, que causou enorme sofrimento e dor ao casal que estava então a se formar. No cinema, “Atonement” (“Desejo e reparação” no Brasil) foi filmado em 2007 e protagonizada pela atriz Keira Knightley, e a história que se passa nos anos 30, tem belos cenários com uma riqueza de detalhes e interpretações magistrais dos atores que engrandecem ainda mais a obra escrita do premiado autor.
Numa das suas primeiras obras de sucesso, “O jardim de cimento”, o autor aborda uma história contemporânea e perturbadora, com uma frieza quase mórbida (daí o apelido “Ian Macabre” pela crítica inglesa), com elementos góticos que poderiam parecer inverossímeis à primeira vista,
já que se trata de uma história contemporânea (porém, na vida real, nos deparamos com histórias tão macabras quanto a do seu romance, como a história verídica, que rolou na mídia há pouco tempo atrás, do austríaco que aprisionou e abusou sexualmente da filha, num porão, durante 24 anos).

“O jardim de cimento” foi fielmente adaptado para o cinema na década de 90, com o mesmo título, e conta a história de quatro irmãos (um casal de adolescentes, uma irmã pré-adolescente e o irmão caçula ainda um menino) que vivem com seus pais, isolados em um casarão (todos os parentes já faleceram), em meio a um bairro decadente, quase sem vizinhança ao redor.

Narrada por um dos irmãos adolescentes, a história começa com o jovem relembrando a morte repentina do pai, e como os jovens passam a ter que se virar para sobreviver sozinhos numa casa após a morte dos seus progenitores (após a morte do pai, a mãe vai definhando até vir também a falecer), e se vêem obrigados a não revelar a ninguém sobre a morte da mãe, sob o risco de serem enviados para adoção e a casa ser invadida por estranhos (a casa que agora “abriga” a mãe sigilosamente sepultada por eles).

“O jardim de cimento” foi protagonizado pela atriz Charlotte Gainsbourg (melhor atriz de Cannes por “Anticristo”, e atriz coadjuvante de “Melancolia”, de Lars Von Trier) e foi fielmente adaptado, seguindo a obra literária em todos os seus pormenores, com seus personagens envoltos em acontecimentos bizarros, desejos proibidos e incestuosos e mentes doentias (veja trailer do filme, no final do texto).

Ao ler o romance (ou assistindo ao filme) a reação do leitor é estarrecedora, de atração e repulsão ao mesmo tempo, pelas passagens e acontecimentos bizarros envolvendo sexualidade, incesto e corpos em decomposição (descritos com tamanha frieza e certo distanciamento pelo escritor, na “pele” do jovem narrador) que deixam os leitores atônitos e perplexos. Mas o autor consegue fazer parecer que tudo que acontece àqueles jovens irmãos não poderia ser diferente, que não havia outra saída para eles, aquele destino estaria fatalmente traçado, para aquelas crianças solitárias e perdidas num mundo cruel e desumano de adultos mais solitários e perdidos que eles.

O romance de guerra “O inocente” foi cinematografado na década de 90 e protagonizado por Anthony Hopkins e Isabella Rosselini, e o sinistro romance “The comfort of strangers” (no Brasil “Estranha sedução”) tem Christopher Walken como ator principal, numa bizarra história de sadomasoquismo.

“Enduring love” (no Brasil “Amor para sempre”, cinematografado em 2004 e protagonizado pelo ator Daniel Craig), já distante do universo gótico (como já disse, essa característica foi mais explorada no início de sua carreira), o autor conta a história de dois estranhos envolvidos em acontecimentos trágicos que os unem (e os afastam).

O celebrado escritor “macabro” Ian McEwan já foi agraciado com o merecido Whitbread Award de 1987 (o prêmio atualmente mudou de nome para Costa Book Award) pelo romance “The child in time” (no Brasil, “A criança no tempo”), e foi o vencedor do Booker Prize de 1992 por “Black dogs” e novamente em 1998 por “Amsterdam”.

Outro belo romance contemporâneo intitulado “Na praia” (“On Chesil Beach”) está sendo adaptado desde o ano passado, pelo próprio autor, para a telona, e retrata as lembranças de um homem maduro que recorda um amor vivido na adolescência e a separação definitiva do casal, em crise sexual e conjugal, que eclodiu durante a viagem de núpcias numa praia britânica (no final do texto, assista o próprio Ian McEwan lendo trechos desse seu romance numa entrevista, em Londres, em 2007).

O último sucesso literário do autor, publicado em 2010 e intitulado “Solar” retrata a preocupação atual do escritor com o aquecimento global e os destinos do planeta, num “thriller ecológico” que mistura suspense e um “quê” de comédia.

É uma pena que as novas gerações sejam tão avessas aos livros e à literatura. Não sabem o que estão perdendo, pois a leitura dos romances de Ian "MaCabro" é extremamente prazerosa, além de instigante e algumas vezes aterradora. Mas o cinema muitas vezes consegue transpor o universo da escrita para a telona com o mesmo primor.  E cinema não é só entretenimento (para rir e se divertir, o lugar certo é o circo). Cinema é principalmente cultura, e não é a toa que é hoje considerada "a sétima arte". Assim, esperemos por mais Ian no cinema em breve.

Em tempo:
Segundo o último censo demográfico do país, a minha querida cidade de Niterói passou a exibir, em primeiríssimo lugar, a maior renda domiciliar per capita do Brasil, tornando-se o município com a maior proporção de ricos do país - 31% da população da cidade fluminense pertence a classe A (segundo a revista Veja dessa semana). Ou seja, somos os mais ricos em posses materiais, falta melhorar a riqueza cultural (eu faço minha parte, com o meu blog, dando dicas de boa leitura e filmes de qualidade), pois um povo culto é, e sempre será, um povo livre.







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domingo, 23 de outubro de 2011

As regras do jogo da vida

Qual a regra que você segue na sua vida? Quais são as regras do seu jogo? Que sentido você dá à sua vida (seja ela pessoal, emocional, profissional)?

Você está sempre inclinado a conceber a misericórdia do perdão? A praticar a sinceridade que ensina? A verdade que corrige?


Qual é o seu espírito de vingança? Um prato que se come frio? Devemos ajudar um estranho carente? Tirar proveito de alguém que nos trata bondosamente?


E se feridos por um amigo, ou ajudado por um inimigo, devemos retribuir na mesma moeda? Dá prá esquecer o passado? Se omitir e “fechar os olhos” quando a injustiça não afeta os nossos entes queridos? 


Não posso conceber que, pessoas de boa índole, se abstenham de qualquer envolvimento com o próximo, e se sintam confortáveis quando dizem “fiz minha obrigação, minha parte, não posso fazer nada, se outros não cumprem as deles” – Martin Luther King deixou escrito: “não me preocupam os gritos dos maus, mas sim o silêncio dos bons”.


Se a falha desses outros prejudica a nós ou ao nosso próximo (sejam eles nossos parentes, nossos clientes, nossos pacientes), claro que temos obrigação de cobrar dessas tais pessoas (ou de autoridades que o valham), pois se cruzamos os braços e não cobramos um compromisso da parte delas, estamos sendo coniventes e cúmplices de negligência e falta de comprometimento com o nosso próximo. Muitas são as opções, e nossas escolhas dependem do que aprendemos na nossa longa e árdua estrada da vida.Desde a infância nos ensinam jogos de ganhar ou perder. 


Assim, jogos de “ganhar-perder” nos parecem tão naturais, ou se ganha ou se perde. Não há ambigüidade nesses jogos. Não temos dúvida sobre as intenções do nosso adversário – de acordo com as regras do jogo ele fará de tudo para nos derrotar e vice-versa. Por isso são chamados de jogos de “soma zero”. Nunca me esqueço de uma tirinha de quadrinhos do Snoopy, em que o divertido cãozinho, durante um jogo de tênis, dizia: “Não importa ganhar ou perder... até você perder”.


Mas, e no “jogo da vida”, que regras vamos usar? O cientista Carl Sagan, no seu livro “Bilhões e bilhões – reflexões sobre vida e morte na virada do milênio”, no capítulo “Os corações e as mentes em conflito”, o intelectual discorre sobre “As regras do jogo” e nos apresenta cinco possíveis regras da vida, todas expostas ao nosso livre arbítrio, que são:


1-    Regra de Ouro: “Faça com o outro o que desejas que te façam”.
2-    Regra de Prata: “Não faças ao outro o que não desejas que te façam”.
3-    Regra de Bronze: “Faz ao outro o que te fazem”.
4-    Regra de Ferro: “Faz ao outro o que quiseres, antes que te façam o mesmo”.
5-    Regra “tit for tat”: “Coopera primeiro, e depois faz ao outro o mesmo que ele te faz.

Aprendemos jogos de ganhar-perder (futebol, vôlei, xadrez, "banco imobiliário", e tantos outros). E por que não nos ensinam finais diferentes, pelo menos, nos jogos da vida?(veja, no final do texto, Snoopy às voltas com a sensação irreparável de perda, e nossa reação muitas vezes desoladora e dramática, quando diante da derrota frente a um adversário). Seriam possíveis jogos de ganhar-ganhar? E de perder-perder? É possível um jogo em que todos saiam literalmente ganhando?

Interesses humanos vitais, como o amor, a amizade, a paternidade e a maternidade, a busca de conhecimentos, na arte e na música, são proposições de ganhar-ganhar. Quanto aos jogos da vida em que todos saem perdendo (perder-perder), temos as guerras (e num mundo de guerras nucleares, a hostilidade inflexível gera perigos terríveis, para todos, sem exceção), os ataques ao meio ambiente e a depressão econômica.


A Regra de Ouro (“Faça com o outro o que desejas que te façam”) é a mais conhecida (e a menos praticada) – vem desde os tempos bíblicos, no Novo Testamento, e é atribuída a Jesus de Nazaré que pregava “ofereça uma face e, mesmo que esbofeteada, ofereça a outra”, ou seja, “pregue a bondade e pague o mal com a bondade”. Mas essa regra não leva em conta a natureza e as diferenças humanas, por exemplo, o masoquista estaria seguindo essa regra ao infligir dor ao seu próximo. Seria justo? Difícil, nos dias de hoje, essa regra ser seguida isoladamente.


Mas, e se a Regra de Ouro for associada à Regra de Prata (“Não faças ao outro o que não desejas que te façam”)? Os exemplos mais inspiradores da Regra de Prata, no século XX, foram Mahatma Gandhi e Martin Luther King (e também seguida pelo atual Dalai Lama). Eles aconselharam povos oprimidos a não pagarem a violência com mais violência, mas também a não serem submissos e obedientes. Ao contrário, pregaram a desobediência civil pacífica - procuravam "derreter" os corações de seus opressores (colocando o próprio corpo na "linha de tiro") e daqueles que ainda não tinham opinião a respeito da causa ou lei injusta.


Mas, como conciliar a regra da não violência contra aqueles com regras menos elevadas de conduta, que só compreendem o domínio e a força? Fica difícil aplicar essa regra quando lidamos com sociopatas, que pouco se importam com os sentimentos alheios, que desconhecem o bom exemplo e sentimentos como piedade ou vergonha, e são incapazes de se redimir, diante de atrocidades e barbaridades cometidas por eles mesmos.


A Regra de Bronze ("Faz aos outros, o que te fazem") era, em parte, pregada pelo pensador chinês Confúcio, que dizia: "Pague a bondade com bondade, mas o mal com justiça". "Se o inimigo se inclina para a paz, incline-se também para a paz"(e vice-versa, segundo a regra). Apesar do aparente caráter prático, violência gera violência e cada lado tem sua “razão” para odiar o outro. A parte razoável dentro de nós tenta manter a paz,  mas diante de atrocidades a nossa parte passional em geral clama por vingança.


Já na Regra de Ferro ("Faz, aos outros, o que quiseres, antes que te façam o mesmo"), aquele que "tem o ouro, cria e dita as regras". Esta é a "máxima" secreta de muitos, o preceito implícito dos poderosos. O cientista nos alerta que "nossa visão fica perigosamente estreita se apenas conhecemos "ganhar/perder", mas se veneramos tanto a Regra de Ouro, por que ela é tão rara nos jogos que ensinamos às nossas crianças"? 


No entanto, as Regras de Ouro e de Prata parecem complacentes demais, pois elas simplesmente deixam de punir a crueldade e a exploração. Com essas regras, espera-se persuadir pessoas a abandonar o mal e a fazer o bem, mostrando que a bondade é possível, mas... e quanto aos sociopatas que desconhecem sentimentos altruístas?


“Haveria alguma regra entre a de Ouro e a de Prata de um lado, e a de Bronze e a de Ferro do outro lado, que funcionaria melhor do que qualquer uma delas sozinha?” indaga em seu livro o cientista e astrônomo Carl Sagan. Com tantas regras diferentes, como podemos saber qual usar, aquela que realmente vai funcionar? Também é correto nos omitir, num claro jogo típico de "não me comprometa"? É fácil falar "faço minha parte e pronto",... e “fecha-se o olho” para injustiças e barbaridades cometidas por outrem a estranhos que não nos dizem respeito?


Segundo o astrônomo, essas perguntas podem ser respondidas cientificamente pela "teoria do jogo", usada em táticas e estratégias militares, na política comercial e na competição comercial. O jogo paradigmático dessa teoria é o "Dilema do Prisioneiro'. E ele está muito distante da soma-zero. Os resultados de ganhar-ganhar, ganhar-perder e perder-perder são todos possíveis.


Imagina que você e um amigo são presos, acusados de cometerem um assassinato. Para fins de jogo, não importa se um de vocês cometeu o crime, se nenhum cometeu o crime, ou se os dois cometeram o crime. O que importa é que a polícia pensa que vocês o cometeram, e ambos são levados separadamente para interrogatório.


No jogo, há três resultados possíveis, com penas distintas, propostas pela polícia:
1-  Se você se declarar inocente e o seu amigo também, o caso será difícil de ser provado, e a sentença será muito leve.
2-  Se você se declarar culpado, e seu amigo também, o Estado não terá gasto para solucionar o caso e a sentença será ainda leve, mas não tão leve quanto à anterior.
3-  Mas se você declarar inocência e seu amigo confessar o crime, o Estado vai pedir sentença máxima para você que alegou inocência, e punição mínima (ou nenhuma) para o seu amigo que se declarou culpado.

Ou seja, tanto você como seu amigo estarão vulneráveis a uma espécie de traição de cada lado. Assim, se você e seu amigo “cooperarem” um com o outro, ou seja, ambos alegando inocência (ou ambos declarando-se culpados), os dois escapam do pior.

Mas, como você não tem idéia do que “teu amigo” vai declarar, se você declarar culpa, haverá a chance de você “se dar bem”, pois a declaração de culpa do teu amigo ainda lhe será benéfica, e se ele ao contrário se declarar inocente, ele se dará mal, e você ao contrário poderá ficar livre mesmo após ter se declarado culpado. Só que, enlouquecedoramente, o seu amigo estará pensando o mesmo que você.


Se cooperarem um com o outro, os dois saem ganhando. Do contrário, um dos dois será imensamente prejudicado. Mas como saber o que pretende o suposto amigo? Por isso, é chamado “o dilema do prisioneiro”. Cientificamente, esse jogo é feito sub-repticiamente, para que os jogadores descubram, pela punição que sofreram, o que o outro deve ter alegado. Ambos ganham, assim, experiência sobre a estratégia (e claro, sobre o caráter) um do outro.


O que se observa cientificamente é que, se você colabora demais, o outro jogador pode explorar a sua boa natureza. E se você trai demais, é provável que seu amigo vá traí-lo muitas vezes, e isso é ruim para os dois. O que se percebeu, nos estudos científicos, é que a estratégia mais eficaz é a chamada “Regra Tit-for-tat” (“pagar na mesma moeda”) – ou seja, você começa colaborando, mas em cada rodada subseqüente apenas faz o que o seu "adversário" lhe fez na vez passada, e quando teu amigo volta a cooperar, você se mostra disposto a esquecer o passado.


E transportando “O dilema do prisioneiro” para o nosso cotidiano, essa é a melhor estratégia que podemos usar nas nossas relações pessoais e profissionais (com o nosso parceiro, com os nossos filhos, com o nosso colega de trabalho), dando-lhes  primeiro um voto de confiança e depois segue-se as regras que o outro joga.

E é assim que hoje eu me relaciono com as pessoas. Inicialmente eu me dedico a elas, me envolvo cooperando em tudo que estiver ao meu alcance, e as respeito, esperando a mesma “cooperação” delas, Mas por exemplo, a partir do momento que não existir mais respeito e/ou consideração de alguém para comigo, a minha estratégia é de também não mais me preocupar em respeitá-lo, e como a partir desse ponto a minha admiração  se esvai “ralo abaixo”, na mesma medida da minha decepção em não receber a mesma 'cooperação" (e isso vale para qualquer tipo de relação seja profissional, pessoal e até íntima), a melhor maneira que encontro na “sequência do jogo” é partir para a “indiferença”, que ainda é “a maneira mais polida de se desprezar alguém” como já disse, um dia, o poeta e cronista Mário Quintana.


É certo que, segundo a tal experiência científica que advoga o cientista em seu excelente livro, se o indivíduo voltar a “colaborar” (leia-se “me respeitar”), eu deveria me mostrar disposta a “esquecer o passado”, mas confesso essa minha falha, posso até tentar perdoar, mas esquecer, ainda para mim, é um esforço sobrenatural, raramente consigo apagar uma mágoa (“Os elefantes nunca esquecem” é o tema, de um dos meus textos, no blog).


Ser traído (pelo parceiro íntimo, pelo amigo, pelo colega de profissão) me leva a um sentimento eterno de desconfiança em relação ao traidor, a uma perda de minha estima para com o traidor que faz com que eu tenha uma grande dificuldade de refazer a admiração que antes existia. Confesso que é uma falha minha, pois todos somos passíveis de errar, mas não me é fácil conviver com esse sentimento de traição (e acho que não sou a única).


No documentário intitulado “Eu maior” (que tem estréia marcada para o fim do ano), há depoimentos de pessoas de vários setores da nossa sociedade (o teólogo Leonardo Boff, o psicanalista, escritor e educador Rubem Alves, o médico Paulo de Tarso Lima, o psiquiatra Flávio Gikovate e outros), discursando a respeito da vida (e do sentido desta), “quem somos e o que estamos fazendo aqui”, as nossas experiências e nossas crenças, a existência ou não de Deus, a busca por autoconhecimento e “da tal da felicidade”.


E termino essas minhas "reflexões" (baseadas em conjecturas e refutações da leitura do excelente livro “Bilhões e bilhões” de Carl Sagan) com uma das muitas e sábias reflexões de Rubem Alves: “O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde, um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem”.



Em tempo: o cinema está sempre repleto de filmes sobre ensinamentos altruístas (veja, no final do texto, uma "coletânea" de frases reflexivas, retiradas de várias películas famosas). No filme "A corrente do bem", kevin Spacey ensina crianças (o ator mirim Haken Joel Osment) a se tornarem altruístas e se comprometerem a transformar o mundo num lugar melhor de se viver. O filme "No man's land" de 2001 (no Brasil ,"Terra de ninguém") mostra a (im)provável solidariedade entre um sérvio e um bósnio, que acontece quando os objetivos militares se perdem e entra em jogo a própria sobrevivência.

E o filme “Sete anos no Tibet” traz Brad Pitt na pele do verdadeiro Heinrich Harrer, alpinista austríaco que tinha decidido escalar o pico mais alto do Himalaia, na década de 40. Arrogante militante do partido nazista em plena segunda guerra mundial, acaba sendo detido, mas consegue escapar do campo de prisioneiros na Índia, indo parar no Tibet, onde conhece o atual Dalai Lama, Tenzin Gyatzo, ainda menino. E a amizade com o futuro líder religioso, a proximidade com a cultura local e o budismo fazem o ambicioso desportista experimentar uma nova filosofia de vida, deixando a mesquinhez e a arrogância de lado, transformando-se num ser humano altruísta e solidário com o próximo (veja trailer abaixo).

















sábado, 15 de outubro de 2011

"Melancolia" de Lars Von Trier e Reflexões" de Carl Sagan



Um soco no estômago. Essa é a sensação que o filme “Melancolia” de Lars Von Trier deixa na gente. Pelo menos, foi assim comigo. Por causa do tema – um misto de fim dos tempos (com um planeta que se encontra na rota de colisão com a Terra) e o desamparo do ser humano em relação à vida e à sua própria finitude – e em parte também por causa da câmera “propositadamente inquieta” na mão do diretor em algumas cenas do filme.

O filme é estarrecedor e extremamente provocativo. Já nas cenas de abertura, com a câmera em “slow-motion”, lentíssima, somos tomados (e atraídos) por um sentimento de magnetismo e cumplicidade com os personagens que, com os movimentos extremamente vagarosos parecem flutuar nas belíssimas paisagens “pré-apocalípticas”, com suas fisionomias melancólicas e quase estáticas.




O cinema de Lars Von Trier é único (leia sobre esse brilhante cineasta dinamarquês, aqui no blog, em maio de 2011), o diretor é de uma perícia técnica cinematográfica imbatível 
e sem concorrente no cinema atual. Nas tomadas do planeta invasor, quando ele aparece no céu como uma segunda lua, as sombras provocadas pelos dois “luares” são impressionantes, num jogo de imagem e câmera extraordinários. Magistral.

Terminado o filme, num fim surpreendente, tive dificuldade de me levantar da cadeira da sala de projeção do shopping, e caminhei pelos amplos corredores do cinema, cambaleante, meio que sem rumo. Fui sozinha assistir ao filme, sabia que teria que ser uma experiência isolada e solitária e que não poderia compartilhar com ninguém a presumida e derradeira “melancolia de fim dos tempos” que o filme provavelmente me provocaria.



Ao alcançar os corredores do shopping quase vazio (era um dia de pouco movimento, ainda bem – detesto cinema dentro de shopping – multidão seria ainda mais desconcertante) respirei fundo, e num esforço, tentei tomar um café para tentar amenizar o impacto e o amargor da sensação de desamparo reflexivo do sentido da vida (ou da falta dele) que o filme nos deixa, mas não consegui, o café me pareceu ainda mais amargo. Desisti, e fui em direção ao estacionamento, paguei, peguei o carro e dirigi até minha casa, tudo praticamente no “piloto automático”,

porque, por minha mente, só passava a imagem da atriz kirsten Dunst e suas palavras proféticas: “A vida só existe na Terra...nós estamos sozinhos, sempre estivemos sozinhos”. O que me fez lembrar-me das palavras derradeiras de Carl Sagan quando escreveu, no seu livro “Pálido ponto azul“ (“Pale blue dot”), sobre o nosso planeta: “A Terra é um mero ponto em um vasto cosmo circundante, e na escala dos mundos os humanos são irrelevantes”.

O astrônomo americano Carl Sagan foi o segundo cientista mais popular do século XX, depois do físico Albert Einstein. Ficou bastante conhecido do grande público na década de 80 por apresentar a série televisiva americana “Cosmos” baseada no seu livro homônimo. O cientista reunia a rara capacidade de transmitir, de maneira simples, temas científicos bastante complexos, sem no entanto menosprezar a inteligência do leitor. Através de dados estatísticos, divagações, analogias, mitos e histórias, ele tratava de vários assuntos, sempre fiel ao compromisso de cientista, versando sobre o quão ínfimos somos nós em relação ao cosmo, despertando-nos a uma reflexão da nossa existência no planeta e no universo.

O cientista foi consultor e conselheiro da NASA desde os anos 50, e trabalhou com os astronautas do projeto Apollo antes de suas idas à Lua, e também participou das missões Voyager cujo objetivo era estudar os planetas Júpiter e Saturno e suas luas.

Li recentemente o livro póstumo do cientista, intitulado “Bilhões e bilhões – reflexões sobre vida e morte na virada do milênio” (textos sobre temas diversos publicados pela sua esposa, após a sua morte), e me pareceu que o cineasta dinamarquês também andou lendo o astrônomo e se inspirando nas palavras do cientista para filmar “Melancolia”.  

Ao ler Sagan vamos descobrir que “talvez não haja melhor demonstração da tolice das vaidades humanas do que a imagem distante do nosso pequeno mundo, pois ela enfatiza nossa responsabilidade de tratarmos melhor uns aos outros, e de preservar e estimar o único lar que conhecemos” e que “não há nenhum indício de que a ajuda virá de algum outro lugar para nos salvarmos de nós mesmos” (lembrando as palavras da protagonista em “Melancolia”), nos convocando para revermos nossas atitudes em relação ao meio-ambiente, aos poluentes, ao buraco na camada de ozônio, nossa imaginária auto-importância, a ilusão de que temos alguma importância privilegiada no universo.

A leitura dos seus livros é extremamente prazerosa. Inteligente e perspicaz, ele incita o leitor a reflexões sobre vida e morte (do planeta, do Universo, do ser humano), sobre caráter, religião, crendices, assim como perguntas (sem respostas, óbvio) sobre a origem da vida, a existência ou não de Deus e de extraterrestres.

Numa linguagem clara e razoavelmente técnica, mas compreensível para o leigo em astronomia e física, ele alerta para a elevação da temperatura no planeta e o efeito estufa, a degradação da camada de ozônio e a devastação das florestas, e desperta reflexões profundas no leitor sobre os cuidados que devemos tomar para frearmos a destruição do planeta, sugerindo inclusive soluções simples e sensatas para tal, como  a união da ciência com a religião.

Mas também nos diverte com suas histórias, como a do título do seu livro “Bilhões e bilhões”, sobre o imaginário popular em relação a números infinitamente grandes (“pois é difícil falar sobre o cosmos sem usar números grandes”) como milhões, bilhões e trilhões.

Como, por exemplo, quando ele cita, no livro, uma antiga piada sobre um expositor de um planetário que diz à sua platéia: “Em cinco bilhões de anos, o Sol vai aumentar até se tornar um gigante vermelho inchado que engolirá os planetas Mercúrio e Vênus e finalmente engolirá a Terra”. Mais tarde, um ansioso (e temeroso) membro da platéia o aborda: “Desculpe-me, doutor, mas o senhor disse que o Sol vai arrebentar a Terra em cinco bilhões de anos? “Sim, mais ou menos”, concorda o orador. “Graças a Deus”, responde aliviado o ouvinte, ”por um momento pensei que tivesse dito só cinco milhões de anos”.

O cientista morreu em 1996, aos 62 anos, após ser vencido numa árdua luta de dois anos contra um câncer de medula óssea, e toda sua batalha pela vida, contra a doença, está registrada também no livro “Bilhões e bilhões”. Além das reflexões sobre o sentido da vida (e da sua própria), o cientista discute questões científicas, filosóficas e políticas que tanto o inquietavam, temas polêmicos como a vida em outro planeta e a existência ou não de Deus, debate sobre os interesses financeiros sórdidos que existem por trás dos tratados que visam diminuir os gases poluentes e a produção de clorofluorcarbonetos que contribuem para o aquecimento global do planeta.

Além da série televisiva “Cosmos”, outro livro do cientista foi parar nas telas do cinema. “Contatos” (“Contacts”) foi adaptado para o cinema em 1997 e estrelado pela atriz Jodie Foster. Ficção científica sobre contatos com alienígenas em que ciência e razão são confrontados com religião e fé.

O belo vídeo “Pense” (veja no final do texto), narrado pelo próprio cientista, com cenas de memoráveis filmes de cinema, mostra o minúsculo ponto solitário que representa o nosso pequeno planeta na grande e envolvente escuridão cósmica, e que conhecer astronomia leva a uma experiência de humildade e formação de caráter, pois “o planeta Terra é um palco muito pequeno numa imensa arena cósmica”, e “goste ou não a Terra é o lugar que estamos estabelecidos” alertando-nos sobre a responsabilidade de cuidar e preservar o “pequeno e pálido ponto azul”.

Quanto à “Melancolia”, uma experiência cinematográfica avassaladora, é o cinema em forma de poesia impactante alertando para a catástrofe que tanto temia o cientista morto. Torçamos para que o fim dos tempos seja sempre uma bela ficção poética e apocalíptica do cinema. Só do cinema.

E relembrando outro grande cineasta, o intelectual existencialista "neurótico e nervoso" Woody Allen, questionador do inquestionável: "Mais do que nunca na história, a humanidade está numa encruzilhada. Um caminho leva ao desespero e a absoluta falta de esperança. O outro à total extinção. Vamos rezar para escolhermos corretamente".






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