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quarta-feira, 28 de abril de 2010

A obrigação moral de ser anti-flamenguista

Certa vez, um flamenguista, tentando defender a malfadada fama dos torcedores do Flamengo, me disse achar “as outras torcidas bem mais chatas, especialmente porque deixam de torcer pelos seus times para torcer contra o Flamengo” (segundo ele, seria algo como uma "inversão de objetivos").

No meu caso em particular, não se trata disso, pois nem tenho time, nem curto futebol, acho apenas a torcida do Fluminense simpática, nada mais, e ao contrário, a baderneira torcida flamenguista incomoda a todos, e consegue brigar, inclusive, entre eles mesmos, mesmo com o time sendo vencedor (veja o vídeo no fim do texto).

Acho divertido ser anti-flamenguista, porque “anarquista” que sou, gosto de provocar essa torcida pentelha, pois é a minha única revanche, é a única maneira (pacífica que sou) de “dar o troco”, de “tirar a paz” deles, do mesmo jeito que eles a tiram de mim (vide o texto, aqui no blog, “A pentelha torcida flamenguista” em outubro de 2009).

Ouvir falar mal do timinho de m....deles deixa os torcedores fanáticos "inflamados”, daí aproveito prá fazer “laboratório” com essas reações “fumegantes” (o termo combina com a esfumaçada e “diabólica” torcida), e a pergunta que não quer calar: o que leva essas pessoas a se deixar envolver tão fanaticamente com essa tal paixão, a ponto de provocarem mudanças radicais no humor delas?

Tal qual uma religião, uma seita, ficam cegos, não conseguem enxergar a lavagem cerebral por trás de tal idolatria (eu me refiro aos fanáticos que, claro, existem em qualquer time, mas com o Flamengo, por ser uma das maiores torcidas, a coisa toma proporção absurda), e me pergunto: tanta coisa no mundo prá se angustiar e se deprimir, e o sujeito fica “de mal com Deus e o mundo” porque o timinho de m.... dele perdeu?????!!!!! (veja texto, aqui no blog, “A fila anda devagar prá quem não curte futebol” em novembro de 2009).

E é divertido ver como o “anti-flamenguismo” é difundido (porque incômodo) – há pouco tempo assisti a um episódio de “Os normais”, em que o personagem Rui (Luís Fernando Guimarães) e a Vani (Fernanda Torres) estão fazendo compras numa feira de rua, e o Rui sem querer troca a sua sacola com a de alguém, e só percebe a troca quando encontra, dentro da mesma, várias camisas do Flamengo,

e Rui tenta convencer Vani (que ficou chateada por ter perdido suas compras), amassando com as mãos as horrorosas camisas de listras vermelho e preta, com a seguinte frase: “Vani, tente ver pelo lado bom, pelo menos, por um bom tempo, você não vai precisar comprar pano de chão” – hilário, principalmente porque a cena foi encaixada ali “do nada”, o episódio “passava longe” do tema futebol, e curiosa, fiquei imaginando: afinal, quem estava por trás daquele casal fictício anti-flamenguista, os atores Fernando e Fernanda, ou os criadores do texto, a Fernanda Young e o Alexandre?

Já fui “pró-futebol” – copa de 70 – menina na tenra idade que eu era, lembro relances da euforia que foi aquela copa. Hoje, adulta, sei que havia a ditadura e as torturas militares, por trás de toda aquela massa seduzida e manipulada, mas no meu universo de criança (nessa hora, me lembro do filme “O menino do pijama listrado” – leia no texto, aqui no blog, “Lavagem cerebral” de março de 2010), a gente só enxergava o que nos era permitido ver.

E o talento e a garra daqueles jogadores eram ímpares (o que não se vê mais nos dias de hoje), havia sedução e poesia naqueles dribles mágicos. Naquela época, ou se tinha talento ou não se tinha nada. Hoje, a tecnologia a serviço do esporte, “produz” talentos que, muitas vezes, sem ela, o fulano seria “apenas um atleta de desempenho medíocre”. Hoje temos roupas cada vez mais apropriadas para melhorar a performance do atleta, dietas alimentares que “bombam” qualquer músculo esquelético, tudo é cronometrado para superar milésimos de segundos de vantagem em competições entre atletas.

E no passado, o atleta tinha uma responsabilidade como ídolo das gerações futuras, um exemplo de profissionalismo e perseverança a ser seguido. Hoje, ao contrário, o que vemos são os “mercenários do esporte”, a grana, e apenas a grana, dita a “garra” (tudo bem, ninguém “vive de vento”, mas não precisava exagerar).

Os atletas da época de ouro do futebol ficaram conhecidos pelos seus dribles quase poéticos no campo, enquanto que, os atuais, ficam mais conhecidos fora do campo, por seus escândalos sexuais com travecos, seus maus exemplos como sonegadores e maus cumpridores dos seus deveres cívicos, suas declarações machistas e/ou racistas, suas brigas públicas com mulheres de índole duvidosa e seus envolvimentos explícitos com o mundo do tráfico (leia o texto "Nossa eterna anuência com corrupção e impunidade", aqui no blog, em março de 2009).

No passado, a preocupação era transmitir a imagem do atleta bom moço, de bom caráter e com compromisso com o esporte e com seus fãs. Hoje, os "ídolos" do futebol, a maioria deles, são na verdade marginais e “bad boys” travestidos de atletas o "peixe" (podre) Romário e o "animal' (irracional) Edmundo veicularam na mídia a apologia ao estilo "macho galinha mau caráter" através de um rap ridículo intitulado "somos bad boys" – o menino pobre da favela não mais quer ser “doutor” (ao contrário, os pais abominam esse futuro para os filhos, e com razão, vide nosso mísero salário), o grande “negócio” agora é ser jogador de futebol ou pagodeiro (isso sim “dá dinheiro”),

mas todos nós sabemos que a grande maioria desses meninos não tem sequer talento para tais profissões, não passarão de “jogadores de pelada” (ou pagodeiros de fundo de quintal), mas persistirão por anos, longe das escolas, na tentativa infrutífera de um dia se tornarem um “imperador” ou um “fenômeno”.

Há pouco tempo li uma tese de doutorado, que discursava sobre a influência da masculinidade e da feminilidade no desempenho escolar, tentando explicar porque os meninos dessas escolas públicas têm desempenho muito abaixo das meninas. Se brincarmos, poderíamos supor que a mulher é mais inteligente, tem mais sinapses por isso não precisa de tanto neurônio como os homens,

mas deixando o sexismo e a brincadeira de lado, observa-se que a causa é justamente o enfoque que a família dessas crianças pobres dá como visão de “um bom futuro para os filhos” – ao menino é incentivado os esportes principalmente o futebol, as brigas, as disputas por poder, ficando avesso a escola, enquanto às meninas só resta estudar, se pretendem almejar algum futuro profissional. Veicula pela internet um vídeo caseiro (o vídeo parte para a zoação em cima do malfadado Flamengo) ironizando a educação familiar quanto a disseminação da marginalidade (veja no fim do texto).

Realmente, a influência familiar é vital. Meus pais, apesar de semi-analfabetos e de todas as dificuldades financeiras (éramos seis filhos), valorizaram a cultura e incentivaram o estudo, e fiz o mesmo pelos meus dois meninos um é torcedor light do Fluminense e passou (sem fazer curso pré-vestibular) para engenharia do petróleo da UFF, mas não gostou da área, e vai agora em maio, fazer 3º grau, no Canadá, em “Relações Internacionais”. 

O outro meu filho é estudante de medicina da UFF (passou também prá UERJ na época), odeia futebol (minha futura nora me agradece diariamente o presente), acha um “atraso de vida” (e um atraso para o país) perder tempo com futebol (ele curte surf e os dois praticam para-quedismo), considera os jogadores (e os torcedores fanáticos) "uns derrotados", segundo ele "um bando de machos suados se agarrando".

Voltando aos “imperadores” e aos “fenômenos”, nada tenho contra os salários exorbitantes do futebol (apesar de achar um despropósito o salário de um médico, engenheiro, professor, etc), mas esses “senhores” do futebol que alcançam fama e sucesso extraordinário (e salário idem) passam a “novos ricos” da noite para o dia, e sofrem o preconceito da barreira cultural, por serem oriundos de bairros pobres, até então sem acesso às modernidades que o dinheiro pode comprar, e de repente, se vêem diante do poder ilimitado do dinheiro, mas se esquecem que o dinheiro não compra tudo, não compra cultura, muito menos inteligência.

Tem uma piada interessante sobre isso: o médico chega pro ricaço e diz que ele “precisa praticar esportes” e o mesmo pergunta se pode “contratar um moleque prá correr na praia por ele”. Ou seja, não adianta ter dinheiro e contratar o melhor professor de português ou de línguas, o esforço cultural é do indivíduo e independe de dinheiro, e a frase “a necessidade faz o homem” aqui já não cabe no contexto, porque o jogador em questão já superou a necessidade de “correr atrás do sucesso e do dinheiro”.

E esses “novos ricos” logo que entram em contato com esse mundo novo, se vêem discriminados e obviamente não se adaptam, se sentem um “peixe fora d’água”, um “estranho no ninho”, vide o jogador Adriano o "Imperador" prefere a vida na favela à Itália ou o condomínio chique na Barra, e troca o vinho francês pela cachaça do boteco mais próximo – seria cômico se não fosse trágico, então prá que tanto dinheiro?

Desajustados, viram viciados em alguma “droga lícita ou ilícita da felicidade”. E o pior é que esse é o futuro de todo menino pobre da favela, se tiver talento (e se não tiver que é o mais provável, na grande maioria deles restará o tráfico, já que abandonou os estudos prá ser um “fenômeno”). O correto seria como acontece em outros países, em que se exige do atleta dedicação e esforço, não só no esporte, mas também na sala de aula, ou seja, a criança antes de ser um bom atleta, tem que ser um bom estudante.

Como já falei aqui no blog (no meu texto “Chatos de plantão” agora no início de abril, e também no texto “O domingo é dos chatos” em fevereiro), tenho motivos, de sobra, para ser anti-flamenguista, mas brincadeiras a parte, o principal motivo é que, quando olho sob esse aspecto social, tenho obrigação moral de ser anti-flamenguista,

pois como patriota e culta que sou, não posso pactuar com esse futuro cada vez mais sombrio para o Brasil – e o Flamengo, com seus jogadores irresponsáveis (e suas lamentáveis condutas), idolatrados por esses meninos, é o protótipo incontestável dessa sina, por ser o time que atinge a maior parte da população de jovens dentro e fora do Estado do Rio, portanto teria obrigação moral de dar bom exemplo para os futuros donos da nação.

Portanto, saudações anti-flamenguistas.



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