O congresso é sempre uma ótima oportunidade para rever os
amigos, e aproveitamos e fomos, em grupo, para a região serrana. Friozinho na
medida certa, numa temperatura agradável, pouca chuva, muita serração, e um sol
gostoso para aquecer durante o dia.
Em Garibaldi, o clássico passeio de “Maria Fumaça” foi
providencial, e me remeteu a lembrança do filme “O quatrilho” (parece que algumas
cenas do filme foram feitas dentro de um dos vagões do trem) que, não por acaso,
“caiu como uma luva” para ilustrar uma série de relacionamentos conflituosos de
amigos, que cismam em me fazer de “confidente” ao cruzarem meu caminho.
Glória Pires, Patrícia Pillar, Alexandre Patternost e Bruno Campos formam “O quatrilho”, dirigidos por Fábio Barreto. Baseado numa história real, o filme se passa numa comunidade rural de imigrantes italianos no sul do país, na primeira década do século XX, e conta a história de dois amigos (e futuros sócios num moinho) que decidem, por questões financeiras, dividir um mesmo teto, levando suas respectivas esposas.
Glória Pires, Patrícia Pillar, Alexandre Patternost e Bruno Campos formam “O quatrilho”, dirigidos por Fábio Barreto. Baseado numa história real, o filme se passa numa comunidade rural de imigrantes italianos no sul do país, na primeira década do século XX, e conta a história de dois amigos (e futuros sócios num moinho) que decidem, por questões financeiras, dividir um mesmo teto, levando suas respectivas esposas.
Ambientado na região das colônias italianas, o título da
obra sugere a analogia com um jogo de cartas, chamado quatrilho, muito comum
naquele período entre os camponeses. Nesse jogo, a cada mão de cartas ocorre a
troca de parceiros e o filme aborda uma troca de casais.
Os dois casais, descendentes de imigrantes italianos,
tiveram um casamento quase que “arrumado” pelas famílias, pois nessas
comunidades rurais camponesas era comum se buscar a preservação dos costumes, das
tradições e propriedades, e o casamento tinha por função garantir a
continuidade da linhagem sem comprometer a integridade do patrimônio.
Os casais “originais” não se uniram por sentimentos como
amor e paixão, se formaram quase por conveniência, como a ascensão à condição
de “mulher”, atribuída ao casamento, livrando-se da “vergonha da solteirice”, a
escolha do homem visando o “perfil laborioso” da mulher, e para todos os
envolvidos, na verdade, a terra e a continuidade da descendência eram as principais
metas a serem alcançadas, nessas comunidades rurais, a partir do casamento.
A divertida música “Maria Fumaça” do Kleiton e kledir (veja vídeo
no final do texto) mostra como era comum só se pensar “na terra e na reprodução
da espécie”: “eu fico mesmo com essa guria...seu pai é um próspero
fazendeiro... não é nenhuma miss, mas é prendada...só quero mesmo é prá
tirar cria”.
Hoje em dia, não vemos mais esse tipo de “arranjo” feito
pelas famílias, mas o que noto é que, apesar disso, as “arrumações” continuam a
acontecer, mas são os próprios envolvidos que se “arranjam” entre si, ou por
cobrança familiar, ou por cobrança da sociedade em si que, apesar de não mais
explícita, ainda rotula a solteirice como um “mal social”, “uma vergonha” para
a família, quase exigindo (mesmo que não explicitamente) uma "atitude" da parte do solteiro, e este “quando se espanta”
acredita piamente estar, de uma hora para outra, diante da sua “alma gêmea”.
No entanto, o que percebo é que essas pessoas continuam
vivendo seus “sonhos de solteiros”, e egoisticamente não conseguem planejar um
novo “sonho a dois” – na verdade isso acontece porque equivocadamente se
intitularam “almas gêmeas”, mas não percebem que, numa relação a dois, não há
espaço para egoísmo, numa relação saudável que se formou por sentimentos como
amor e respeito o casal quer sempre estar junto, e para isso o que poderia ser
um sacrifício, como “abrir mão de sonhos de solteiro”(não confundir com "perda de personalidade" e "submissão ao parceiro"), passa não mais a ser percebido
como tal, pois seriam “sonhos de solteiro” que deveriam ter ficado no passado,
e os sonhos agora deveriam ser dos dois, um novo presente e um futuro a planejar, agora e sempre a dois.
No filme, uma das jovens mulheres (Patrícia Pillar) se
questiona quanto à falta de vivacidade e paixão no relacionamento com o seu
parceiro, e encontra o verdadeiro amor nos braços do marido da outra (Glória
Pires), e fogem para a cidade para uma nova vida, deixando os seus cônjuges
sozinhos na casa da fazenda, que acabam se envolvendo maritalmente, em nome “da
terra e da tradição”.
Se não houvesse a troca dos casais, os casais “originais”
seguiriam suas vidas medíocres, infelizes, como vemos ainda hoje, no dia a dia,
muitos casais que apenas se toleram, mas continuam juntos em nome de uma “ordem
social”, visando manutenção da “coisa toda”.
Muitos homens continuam o relacionamento, mesmo falido, por
prever problemas relativos à partilha de bens e de filhos, já as mulheres enxergam
o término da relação como uma derrota pessoal, se sentem menosprezadas, se
sentindo incapazes de obterem sucesso numa futura investida num novo
relacionamento, e temem sofrer, solitárias, sem um parceiro.
O problema é que essas mulheres já estão sofrendo dentro
desses relacionamentos falidos, muitas já se sentem abandonadas mesmo tendo o
parceiro ainda oficialmente ao seu lado, e o medo de “sofrer mais” não se
justifica, pois ficar num relacionamento visivelmente falido é sofrimento eterno, ao passo
que se tivessem coragem de “jogar tudo pro alto”, claro que haveria sofrimento no
início, mas haveria esperança de “um novo amanhã”, quem sabe um novo relacionamento
que não deixamos acontecer porque estamos envolvidos naquele “sofrimento
oficializado”.
A bela música "Merica, Merica", na voz de Caetano Veloso, faz parte da trilha sonora do filme, e foi escrita a partir do poema de mesmo nome, que conta a saga dos imigrantes italianos em direção às Américas na segunda metade do século XIX .
A bela música "Merica, Merica", na voz de Caetano Veloso, faz parte da trilha sonora do filme, e foi escrita a partir do poema de mesmo nome, que conta a saga dos imigrantes italianos em direção às Américas na segunda metade do século XIX .
O filme “O quatrilho” concorreu ao Oscar de melhor filme
estrangeiro de 96, perdendo a estatueta para o filme “A excêntrica família de
Antônia” (veja crítica do Marcelo Janot no final do texto) - também um filme sobre famílias e relacionamentos, que conta a
saga de quatro gerações da família da Antônia do título, e uma das frases
marcantes do filme (que serve como resumo de todo o meu texto sobre a dificuldade de se desistir de relacionamentos visivelmente falidos) é quando Antônia diz: “O tempo não cura as feridas, mas alivia a dor e embaça a
memória”.
Aproveite e complemente a leitura com o texto "Alma gêmea aos trinta?" e "Armadilhas da reconciliação" aqui no blog, em "Temas diversos".
Aproveite e complemente a leitura com o texto "Alma gêmea aos trinta?" e "Armadilhas da reconciliação" aqui no blog, em "Temas diversos".
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