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sábado, 24 de setembro de 2011

A vida é um filme

“A (nossa) vida é (e dá) um filme”. Cinéfila que sou, sempre tem um filme para exemplificar algum episódio do cotidiano da vida. Pois acabo de voltar de um congresso no sul, mais precisamente em Porto Alegre, e aproveitei para dar uma “esticadinha” na região serrana (Gramado e Canela), e literalmente “cair dentro” do vinho, nas regiões das vinícolas (Bento Gonçalves, Garibaldi e outras).

O congresso é sempre uma ótima oportunidade para rever os amigos, e aproveitamos e fomos, em grupo, para a região serrana. Friozinho na medida certa, numa temperatura agradável, pouca chuva, muita serração, e um sol gostoso para aquecer durante o dia.

Em Garibaldi, o clássico passeio de “Maria Fumaça” foi providencial, e me remeteu a lembrança do filme “O quatrilho” (parece que algumas cenas do filme foram feitas dentro de um dos vagões do trem) que, não por acaso, “caiu como uma luva” para ilustrar uma série de relacionamentos conflituosos de amigos, que cismam em me fazer de “confidente” ao cruzarem meu caminho.

Glória Pires, Patrícia Pillar, Alexandre Patternost e Bruno Campos formam “O quatrilho”, dirigidos por Fábio Barreto. Baseado numa história real, o filme se passa numa comunidade rural de imigrantes italianos no sul do país, na primeira década do século XX, e conta a história de dois amigos (e futuros sócios num moinho) que decidem, por questões financeiras, dividir um mesmo teto, levando suas respectivas esposas.

Ambientado na região das colônias italianas, o título da obra sugere a analogia com um jogo de cartas, chamado quatrilho, muito comum naquele período entre os camponeses. Nesse jogo, a cada mão de cartas ocorre a troca de parceiros e o filme aborda uma troca de casais.

Os dois casais, descendentes de imigrantes italianos, tiveram um casamento quase que “arrumado” pelas famílias, pois nessas comunidades rurais camponesas era comum se buscar a preservação dos costumes, das tradições e propriedades, e o casamento tinha por função garantir a continuidade da linhagem sem comprometer a integridade do patrimônio.

Os casais “originais” não se uniram por sentimentos como amor e paixão, se formaram quase por conveniência, como a ascensão à condição de “mulher”, atribuída ao casamento, livrando-se da “vergonha da solteirice”, a escolha do homem visando o “perfil laborioso” da mulher, e para todos os envolvidos, na verdade, a terra e a continuidade da descendência eram as principais metas a serem alcançadas, nessas comunidades rurais, a partir do casamento.

A divertida música “Maria Fumaça” do Kleiton e kledir (veja vídeo no final do texto) mostra como era comum só se pensar “na terra e na reprodução da espécie”: “eu fico mesmo com essa guria...seu pai é um próspero fazendeiro... não é nenhuma miss, mas é prendada...só quero mesmo é prá tirar cria”.

Hoje em dia, não vemos mais esse tipo de “arranjo” feito pelas famílias, mas o que noto é que, apesar disso, as “arrumações” continuam a acontecer, mas são os próprios envolvidos que se “arranjam” entre si, ou por cobrança familiar, ou por cobrança da sociedade em si que, apesar de não mais explícita, ainda rotula a solteirice como um “mal social”, “uma vergonha” para a família, quase exigindo (mesmo que não explicitamente) uma "atitude" da parte do solteiro, e este “quando se espanta” acredita piamente estar, de uma hora para outra, diante da sua “alma gêmea”.

No entanto, o que percebo é que essas pessoas continuam vivendo seus “sonhos de solteiros”, e egoisticamente não conseguem planejar um novo “sonho a dois” – na verdade isso acontece porque equivocadamente se intitularam “almas gêmeas”, mas não percebem que, numa relação a dois, não há espaço para egoísmo, numa relação saudável que se formou por sentimentos como amor e respeito o casal quer sempre estar junto, e para isso o que poderia ser um sacrifício, como “abrir mão de sonhos de solteiro”(não confundir com "perda de personalidade" e "submissão ao parceiro"), passa não mais a ser percebido como tal, pois seriam “sonhos de solteiro” que deveriam ter ficado no passado, e os sonhos agora deveriam ser dos dois, um novo presente e um futuro a planejar, agora e sempre a dois.

No filme, uma das jovens mulheres (Patrícia Pillar) se questiona quanto à falta de vivacidade e paixão no relacionamento com o seu parceiro, e encontra o verdadeiro amor nos braços do marido da outra (Glória Pires), e fogem para a cidade para uma nova vida, deixando os seus cônjuges sozinhos na casa da fazenda, que acabam se envolvendo maritalmente, em nome “da terra e da tradição”.

Se não houvesse a troca dos casais, os casais “originais” seguiriam suas vidas medíocres, infelizes, como vemos ainda hoje, no dia a dia, muitos casais que apenas se toleram, mas continuam juntos em nome de uma “ordem social”, visando manutenção da “coisa toda”.

Muitos homens continuam o relacionamento, mesmo falido, por prever problemas relativos à partilha de bens e de filhos, já as mulheres enxergam o término da relação como uma derrota pessoal, se sentem menosprezadas, se sentindo incapazes de obterem sucesso numa futura investida num novo relacionamento, e temem sofrer, solitárias, sem um parceiro.

O problema é que essas mulheres já estão sofrendo dentro desses relacionamentos falidos, muitas já se sentem abandonadas mesmo tendo o parceiro ainda oficialmente ao seu lado, e o medo de “sofrer mais” não se justifica, pois ficar num relacionamento visivelmente falido é sofrimento eterno, ao passo que se tivessem coragem de “jogar tudo pro alto”, claro que haveria sofrimento no início, mas haveria esperança de “um novo amanhã”, quem sabe um novo relacionamento que não deixamos acontecer porque estamos envolvidos naquele “sofrimento oficializado”.

A bela música "Merica, Merica", na voz de Caetano Veloso, faz parte da trilha sonora do filme, e  foi escrita a partir do poema de mesmo nome, que conta a saga dos imigrantes italianos em direção às Américas na segunda metade do século XIX .

O filme “O quatrilho” concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro de 96, perdendo a estatueta para o filme “A excêntrica família de Antônia”  (veja crítica do Marcelo Janot no final do texto) - também um  filme sobre famílias e relacionamentos, que conta a saga de quatro gerações da família da Antônia do título, e uma das frases marcantes do filme (que serve como resumo de todo o meu texto sobre a dificuldade de se desistir de relacionamentos visivelmente falidos) é quando Antônia diz: “O tempo não cura as feridas, mas alivia a dor e embaça a memória”.

Aproveite e complemente a leitura com o texto "Alma gêmea aos trinta?" e "Armadilhas da reconciliação" aqui no blog, em "Temas diversos".












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