Imagem

Imagem

Select Language

domingo, 18 de abril de 2010

O que a fidelidade masculina tem a ver com a sofisticação intelectual da espécie humana?

Volto ao tema “Infidelidade masculina e QI baixo” (texto de 10 de abril) cuja pesquisa gerou muita polêmica. O sexo “forte” não gostou e questionou as conclusões do estudo que, por sinal, é de um acadêmico do sexo masculino – nós, mulheres, nada temos a ver com a pesquisa e muito menos com as conclusões, só estamos comemorando, apenas isso.

Tomei "emprestado" o título do artigo (que reproduzo abaixo) de Angelita V. C. Scardua, pós graduação em Neurociências e Comportamento pela USP e mestre em Psicologia Social também pela USP/SP, que disserta sobre antropologia, com achados arqueológicos interessantes, que reforçam a explicação científica para a pesquisa em questão, e cita conclusões de biólogos, arqueólogos e do filósofo e antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, considerado o “pai da antropologia moderna”. 

Antes, um pouco de Claude Lévi-Strauss (no final do texto, vídeo com os seus ensinamentos antropológicos) o filósofo morreu no final de 2009, com quase 101 anos de idade, e é o autor de  “Pensamentos Selvagens” e “Tristes trópicos”  (sobre  a sua experiência com o convívio com nossos indígenas na década de 30, quando morou no Brasil).  Lévi-Strauss levou a vida dos índios brasileiros e seus costumes sociais para o resto do mundo com seu livro. 

Claude Lévi-Strauss criou conceitos antropológicos que revolucionaram antigos mitos até então enraizados entre os seus colegas, e ficou conhecido mundialmente por defender que o homem pensa e se organiza de forma semelhante, seja ele integrante de uma tribo brasileira ou de uma metrópole européia. Para ele, o ser humano é igual, independente das culturas e hábitos em que está imerso. 

Ao completar 100 anos de idade, já mundialmente considerado um dos grandes pensadores do século XX, disse, com grande lucidez acadêmica : “Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter presente".

Abaixo o artigo de Angelita Scardua (que reproduzo em partes): 

“Alguns evolucionistas propagam a idéia de que a busca pelo maior número de parceiras sexuais seria inerente à biologia masculina; afinal quanto mais parceiras, maiores as chances de transmitir os próprios genes.......Em especial, essa idéia parece fazer todo sentido quando pensamos num mundo onde a luta contra a fragilidade da nossa espécie frente ao risco, ao adoecimento e à morte dependia essencialmente da capacidade de gerar o maior número de dependentes saudáveis no menor espaço de tempo possível. Nesse tal mundo, o homem com mais mulheres poderia ser um trunfo para a perpetuação da espécie. Será?

Pode ser que sim, mas não necessariamente! Acontece que, ao contrário do que se costuma pensar, em relação ao papel da promiscuidade masculina na evolução humana, se ela teve sua importância, esta não estaria necessariamente associada à ausência de vínculos estáveis entre um homem e suas parceiras....... O biólogo holandês Franz de Waal defende a idéia de que a família nuclear foi parte essencial na diferenciação entre os humanos e os outros primatas.

Ao contrário de outras fêmeas primatas, as mulheres não possuem cio ou período fértil visível, estando sempre prontas para o contato sexual, inclusive no período de gravidez........Logo, os homens mais companheiros e presentes tinham mais chances de gerar descendentes do que os aventureiros sexuais, que "davam as caras" vez ou outra.......Assim, talvez, um homem promíscuo teria que ter uma certa disponibilidade para se dedicar às suas parceiras..........

A mulher promíscua, ao contrário, poderia colocar em risco as chances de perpetuação da espécie, pois, ao se acasalar com muitos homens tornaria mais improvável a possibilidade de que um macho assumisse com ela os cuidados da prole. O bebê humano é muito mais frágil do que o de outros primatas, necessitando de cuidados contínuos e intensivos por vários anos até que tenha condições mínimas de “se virar” sozinho........Num mundo inóspito com desafios físicos constantes, onde a obtenção de alimento, água, abrigo e proteção demandavam deslocamentos incessantes, uma mulher sozinha, grávida ou amamentando, teria poucas chances de cuidar de si mesma e da sua cria.

.....Há quem defenda que os filhotes poderiam ser cuidados por adultos que não fossem seus pais biológicos, em arranjos coletivos. Esse argumento parece razoável. Achados arqueológicos muito antigos, contudo, apontam para o fato de que a consanguinidade sempre foi importante na formação de vínculos, mesmo em grupos humanos muito antigos.

Em 2008, um grupo de arqueólogos alemães, ligados à Universidade de Mainz, publicou os resultados de um estudo no qual se confirmou a antiguidade da família nuclear entre humanos. O estudo foi feito com base num conjunto de quatro túmulos coletivos que datam de 4.600 anos atrás, no interior da Alemanha....... Através de análises de DNA, provou-se que, num dos túmulos, pai, mãe e filhos haviam sido enterrados juntos. O achado constitui a mais antiga evidência arqueológica de família nuclear já encontrada e identificada por meio da genética.

O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, por exemplo, defendia a idéia de que a família é necessária para a reprodução social de um grupo humano, pois garante a sobrevivência e a continuidade biológica e cultural do próprio grupo. Nesse sentido, podemos pensar que o surgimento da família nuclear, da organização erótico-afetiva centrada num casal comprometido física e emocionalmente, estaria diretamente associado ao desenvolvimento das camadas mais recentes do nosso cérebro. ........

É difícil pensar na formação daquilo que entendemos por humanidade sem levar em consideração o aumento de volume do nosso córtex. Muito provavelmente, na medida em que o humano em nós se diferenciava dos outros animais por meio da formulação de símbolos, imagens mentais, conceitos abstratos, etc., buscávamos uma maneira de preservar o inestimável patrimônio subjetivo que criávamos, assim como tentávamos perenizar nossa passagem pela terra por meio dos artefatos que inventávamos pelo advento da inteligência racional. Quanto mais pensávamos mais criávamos, quanto mais criávamos mais pensávamos!..............

Até meados do século XX, prevalecia entre os antropólogos a idéia de que a família nuclear era uma instituição apenas cultural. Evidências históricas e arqueológicas, porém, têm fornecido uma visão muito mais ampla da família nuclear, colocando-a como parcela indissociável da experiência humana primordial. O mais interessante dessa nova perspectiva científica da família nuclear é que ela coloca em xeque, em dúvida, a premissa de uma vantagem evolutiva para os homens promíscuos.

Afinal, se a organização erótico-afetiva baseada num casal estável está tão associada à sustentação do desenvolvimento da humanidade como grupo simbólico, racional e inventivo, a inteligência residiria na busca da exclusividade sexual, certo?

Sim, é provável! Ou seja, a evolução ótima da espécie tenderia a nos levar a escolha de condições que garantissem a formação de vínculos mais profundos e estáveis, de forma que pudéssemos gerenciar de perto a forma como o nosso legado individual e coletivo seria transmitido.

Assim, podemos especular que quanto mais sofisticada se torna a experiência humana – com maior volume de informações, eventos, abstrações, etc. – mais os homens inteligentes se voltariam na direção oposta à aventura sexual recorrente, tendendo a serem mais seletivos sexualmente e mais dedicados a uma única parceira.

O foco seria, então, não apenas a transmissão do legado, mas a qualidade do que seria transmitido. Parece fazer sentido, e a recente pesquisa (sobre Infidelidade masculina e QI baixo) torna esse raciocínio ainda mais instigante".


                                                                                   



.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...