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segunda-feira, 27 de junho de 2011

Será que vamos virar bolor?

Triste (e decadente) o país que não reconhece seus próprios talentos. Não é de hoje que ouvimos talentosos artistas reclamando que a mídia brasileira reserva pouco espaço para eles (em detrimento da divulgação de pseudo-talentos como os “BBBs” da vida) e que só passam a ser verdadeiramente reconhecidos no exterior (até o grande maestro Tom Jobim chegou a passar por isso).


O documentário “Loki – Arnaldo Baptista”, realizado pelo canal Brasil e dirigido por Paulo Henrique Fontenelle, mostra como o músico, que foi um expoente da nossa música brasileira, quase foi deixado para sempre no ostracismo, não fosse a divulgação praticamente “boca a boca” desse que foi o mais brilhante músico do rock nacional, talento até hoje inigualável.

Grande líder da banda mais inovadora que o Brasil já conheceu, "os Mutantes", talvez o rock nacional não tivesse nem existido, não fosse esse genial e inovador músico de carreira errática, que tinha um grande futuro pela frente, mas que se perdeu em meio às drogas e a loucura (que provavelmente a droga e o álcool desencadeou).


Com uma vida permeada de incidentes e acidentes (alguns quase fatais) Arnaldo iniciou muito jovem a carreira de arranjador e letrista nato (ele era apenas um adolescente no fervilhar dos revolucionários anos 60) e tinha uma fonte inesgotável de idéias na cabeça, muitas delas incompreendidas até por ele mesmo.


O fim da banda “Os Mutantes” (na virada da década de 60/70, quase concomitante ao fim do seu casamento com a cantora Rita Lee, que era vocalista do grupo) foi um baque para a frágil figura de Arnaldo já consumida por drogas e violência, mergulhando-o numa viagem de depressão, paranóia e incertezas. Eram tempos difíceis no Brasil, os porões da ditadura torturavam os subversivos, o movimento tropicalista estava no seu auge, e a música era uma das maneiras de se expressar os sentimentos reprimidos na época.


O disco “Loki?” já na fase da carreira solo pós-Mutantes, na década de 70 (e o documentário foi inspirado nesse disco e na vida do músico), mostra um compositor que tenta entender (e erradicar) seus próprios demônios, se inspirando na própria dor e nos seus próprios delírios e medos, para compor uma bela obra prima (praticamente uma “tropicália lisérgica”), e o documentário revela uma lição de vida mostrando como se supera a depressão e o vício com dedicação e perseverança.

O disco “Loki?” abre com "Será Que Eu Vou Virar Bolor?", com Arnaldo tocando no melhor estilo dos anos 60, e a letra da música versa sobre o medo de ser esquecido, em um texto permeado de humor e incertezas.

Logo após o lançamento do disco “Loki?” o músico sofreria uma de suas piores crises de violência potencializadas pelas drogas
que culminaram na primeira das muitas internações que passaria, e que o levaria a uma fase de ostracismo, que duraria anos, quando ficou sem amigos, sem mulher e sem trabalho, pois não havia quem o aturasse devido a pessoa violenta que acabou se tornando, numa vida sem limites regada a álcool e drogas pesadas.


Arnaldo tenta suicídio na clínica em que estava sendo internado, jogando-se do andar do quarto do hospital, e fica dois meses em coma, entre a vida e a morte, e hoje recuperado, mesmo com dificuldades na fala e nos movimentos dos braços e perna (seqüelas de lesão cerebral e traqueostomia), está livre das drogas, do álcool, e consequentemente da violência e da depressão que o levou ao fundo do poço e o fez perder tudo que havia conquistado.


Os amigos, que o acompanharam nessa lenta e dolorida fase de recuperação e superação, perceberam o quanto ele lutava pela vida com todas as suas forças. E hoje ele tem uma companheira fiel e dedicada que ele não conseguiu manter quando jovem, bonito e famoso enquanto tinha como sua “concubina” o álcool e as drogas.


Arnaldo “Loki” Baptista era de um ecletismo impressionante, misturava ao mesmo tempo no piano o blues e o rock and roll, mesmo o progressivo, em parceria com o maestro Rogério Duprat, resultando numa mistura até hoje inimitável.

No disco "Loki?", a música "Não Estou Nem Aí", que tem Rita Lee nos vocais de apoio, é quase autobiográfica - "Ontem me disseram que um dia eu vou morrer/Mas até lá eu não vou me esconder/Porque eu não estou nem aí pra morte/Não estou nem aí pra sorte/Eu quero mais é decolar toda manhã."


A balada "Ce Tá Pensando Que Sou Loki?" tem um arranjo que vai da bossa-nova ao samba, e é recheado de referências na letra sobre suas viagens com as drogas, sua “loucura”, seu passado e, claro, sobre Rita Lee, num resumo de todas as suas inquietações pós-Mutantes, com seus questionamentos sobre um futuro incerto.


"Desculpe" (uma releitura de “Desculpe, baby” da era Rita Lee) é considerada por muitos uma das baladas mais “corta-pulsos” da história, provavelmente um recado para Rita Lee: "Desculpe/Se eu fiz você chorar...Não sou perfeito/Nem mesmo você é...Me abrace, diga-me o meu nome/Diga-me que você me quer...Sinta o pulso de todos os tempos/Comigo, até quando não sei...Sinta o barato de ser humano/Comigo/Até quando Deus quiser."


No documentário, assistimos a importância e a repercussão do trabalho do artista no Brasil e no exterior, e mesmo décadas depois do término dos Mutantes, a banda continua sendo referência para muitos músicos dentro e fora do país – há entrevistas, tecendo elogios ao brilhantismo do Arnaldo, na voz de Lobão, Nélson Mota, Rogério Duprat, Roberto Menescal, Tom Zé, Gilberto Gil, e depoimentos de nomes internacionais, como Sean Lennon (o filho de John Lennon) que tocou com o nosso ícone, e Kurt Cobain (o vocalista suicida do “Nirvana”) que veio ao Brasil e tentou em vão contato com o músico. Apenas a Rita Lee, ao contrário, recusou o convite para participar do documentário.


Como curiosidade o documentário ganhou em 2009 o prêmio máximo do Cine Fest Petrobrás Brasil/Nova York, realizado no coração de Manhattan, no Central Park e no badalado “Tribeca cinema” (grupo comandado pelo ator Robert de Niro).


Não sei exatamente o porquê  mas, quando ouço a música “Cotidiano nº 2” (Toquinho e Vinicius), o verso “hay dias que no se lo que me pasa, eu abro o meu Neruda e apago o sol” me faz sempre lembrar do talento vertiginoso e estonteante que foi o Arnaldo Baptista, e com certeza suas músicas continuam atualíssimas, e ele jamais virará bolor.






















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