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sábado, 6 de outubro de 2012

Filosofando no cinema: muito mais que "cinquenta tons de cinza"

“Nosce te ipsum” (“Conhece-te a ti mesmo”). A famosa frase é atribuída ao “Oráculo de Delfos” na antiga Grécia, e é a pedra angular da filosofia de Sócrates que, segundo relatos de seu discípulo Platão, o filósofo teria respondido ao oráculo com outra célebre frase: ”só sei que nada sei”.

A vida tem muito mais que cinquenta tons de cinza. Mas o que tem a ver filosofia com os “cinquenta tons de cinza”? Na verdade, nada... ou tudo, pelo menos para mim. Já me explico.

O badalado livro em questão, “Cinquenta tons de cinza”, não li, pois não me convenceu o tipo de leitura, ainda mais mal escrita (li críticas de fontes literárias confiáveis e foi o suficiente para desistir do mesmo), nunca gostei de melosidades exageradas do estilo “Titanic” (do megalomaníaco James Cameron) e muito menos baboseiras e leituras rasteiras do estilo “Sabrina” (nem mesmo na minha adolescência).  

Não me apetece esse tipo de leitura, ainda mais sobre um “príncipe encantado com ares de Marquês de Sade”. É tudo o que uma mulher não precisa nos dias de hoje. Tantas foram as batalhas, por tantas décadas, e ainda tão poucas as conquistas, e ainda vamos nos deixar subjugar por um reles espécime do gênero masculino? É, no mínimo, um retrocesso, pois já devíamos ter aprendido que “esse príncipe vai virar um chato e acabar dando no saco” (“Malandragem“ de Cazuza e Frejat).



Ao invés do “porno-erótico tom de cinza”, prefiro leituras como as do livro do francês Ollivier Pourriol, “Filosofando no cinema, que aborda filmes cujos temas são desejo e erotismo no telão. Esse professor de filosofia, que usa o cinema como ponte para suas aulas e palestras filosóficas, escreveu também “Cinefilô, as mais belas questões da filosofia no cinema”, abordando de René Descartes a Spinoza sobre as mais diversas questões filosóficas. 

Filosofia, literalmente falando, significa “amor à sabedoria”. A filosofia busca estudar os problemas relacionados à existência e ao conhecimento, e "conhecimento é poder", dizia o filósofo inglês Francis Bacon. Os filósofos sempre buscaram respostas para perguntas tais como quem somos, qual o sentido da vida, e sobre a existência (ou não) de um ser superior, acima do bem e do mal, regendo nossas vidas.

“Cogito ergo sum” (“Penso logo existo”). Descartes nos convida a descartar  (usando um trocadilho com o nome do filósofo) o que ele chamava de “convenção da vida real” para colocar em dúvida a existência do mundo e até de si mesmo.

As pessoas infelizmente (e isso vale também para os homens) ainda apostam a sua própria felicidade no outro, vivemos sempre na dependência do outro nos fazer felizes. E o romantismo de séculos atrás foi cruel com as mulheres, ao criar o mito do príncipe encantado e seu eterno cavalo branco, e as mulheres continuam transcorrendo décadas após décadas atrás dessa fantasia.  Mas a filosofia tenta nos mostrar que o caminho da felicidade está, na verdade, dentro de nós mesmos, e não na dependência de outrem.

O cinema mostra em cores (e não só em cinzas) como tendemos a apostar a nossa felicidade no outro, como em “Depois de horas”, de Martin Scorsese (veja no final do texto), ou então apostando a felicidade no consumo desenfreado, como o insone e patético personagem de Edward Norton em “Clube da luta” (do diretor David Fincher - veja no final do texto) que coloca sua vida nas mãos do seu alter ego Brad Pitt, assim como a protagonista virgem aposta toda sua felicidade no personagem charmoso, mas perverso, de nome Gray, de “Cinquenta tons de cinza”.

Felicidade. Escolhas. A filosofia nos mostra o caminho do livre arbítrio. Descartes convida-nos a fazer escolhas e que, qualquer que seja ela (a escolha) é sempre boa, nunca uma má escolha, pois nos faz tomar um destino para a nossa vida, e mais importante, nos ensina a perseverar naquela escolha. Para Descartes o pior dos males é a indecisão. Ele dizia que mais que saber escolher, é preciso inclusive inventar escolhas.

O cinema pode nos abrir perspectivas, pensamentos e reflexões (claro que eu estou falando de filmes de qualidade) e ele (o cinema) o faz muitas vezes nos divertindo (mas nem sempre, às vezes nos deixa "deprê", mas faz parte) e dirigindo-se sempre à nossa imaginação, podendo ter um efeito mais imediato, mais direto, e mais duradouro até que a ficção escrita. Pena que muitos só buscam o cinema como diversão e perdem a chance de refletir sobre temas instigantes e intrigantes contidos em muitos desses filmes, sem contar a "aula" de arte e cultura em muitas películas de qualidade.

Assim, o cinema é filosofia pura (e é democrático, pois é praticamente acessível a todas as classes sócio-econômicas), tanto na pele do abobado Tom Hanks em “Forrest Gump” que, apesar do entendimento finito do personagem, usa da sua vontade infinita para alçar seus objetivos, como também no personagem glutão e monstruosamente obeso, do filme “O sentido da vida” do impagável grupo “Monty Phyton” (veja no final do texto) que, por não saber escolher, pede todas as iguarias do restaurante até literalmente explodir.

E para quem não sabe nada de filosofia e quiser se iniciar nesse universo e nessas questões existenciais, nada melhor que “O mundo de Sofia”. O livro norueguês foi lançado na década de 90, mas só traduzida anos depois para o português. Uma aula romanceada de filosofia, muito bem bolada, que consegue agradar adultos e adolescentes interessados em algo mais que "príncipes encantados com contrato assinado de pseudo-liberdade".  

Como a personagem Sofia do romance norueguês de Jostein Gaarder sobre a história da filosofia, eu era uma adolescente inquieta (mas não no sentido de angústia e sim, como diria o filósofo Locke, eu tinha um espírito inquietante e questionador), e questões filosóficas como “quem sou eu” e “o que faço nesse mundo” sempre povoaram minha mente de menina (e livros como “Sabrina” ou “Júlia” não respondiam às minhas perguntas).  

A história romanceada da filosofia contida no livro “O mundo de Sofia” foi parar no cinema (na verdade uma série televisiva norueguesa que chegou há pouco tempo no Brasil em DVD), a obra cinematografada nos leva "ao vivo", junto com a jovem Sofia, à Grécia antiga e passeia pelos corredores do Parthenon junto com os filósofos da Antiguidade (veja no final do texto), encontra a peste negra na Idade Média até chegar aos dias de hoje, complementando visualmente a obra escrita, ou seja, vale a pena ler o livro, e assistir ao filme, para descobrir que a vida tem muito mais que cinquenta tons de cinza".

Atualmente estou lendo Os infinitos de John Banville* e na cabeceira da minha cama já está me aguardando o autor britãnico Ian McEwan* com Serena. Portanto não dá prá perder tempo com qualquer tom de cinza. Mas se alguém está mesmo interessado em livros eróticos, recomendo os autores norte-americanos Phillip Roth e Paul Auster (ou então o próprio Marquês de Sade) que têm textos com temas “calientes”, com certeza muito melhor escritos que “Cinquenta tons de cinza”.

* Detalhes sobre esses autores, aqui no blog, nos links abaixo.
http://rosemerynunescardoso.blogspot.com.br/2011/11/literatura-de-ian-macabro-no-cinema.html
http://rosemerynunescardoso.blogspot.com.br/2009/12/o-fascinio-de-o-mar-de-john-banville.html













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