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quinta-feira, 7 de julho de 2011

O sexo no cinema europeu

O tema “sexo”, no cinema europeu, é sempre mostrado numa abordagem muito diferente daquela que estamos acostumados a ver no cinema norte-americano, qualquer que seja essa a abordagem, seja sob um olhar heterossexual, homossexual, ou mesmo incestuoso. 

O americano padrão é (falsamente) puritano, e o cinema tradicional estadunidense em geral mostra o sexo como um mal, um pecado onde “o salário muitas vezes é a morte”, quase uma premonição, para o espectador, do tipo “se fizer sexo fora do usual e do casamento, serás um pecador condenado ao inferno e à morte”, e as mulheres, “prá variar”, são quase sempre a personificação deste mal – exemplos clássicos: “Atração fatal”, “Instinto selvagem”("Basic Instint"), “Corpos ardentes”("Body Heat"). Mas nos últimos anos, o cinema americano ganhou maturidade e já faz belos filmes sem o ranço do preconceito, como o sensível “O segredo de Brokeback mountain” (se bem que aqui, teve a parceria do cinema liberal canadense e a direção do cineasta chinês radicado na América, Ang Lee).

O cinema europeu, ao contrário, trata de temas indigestos, ligados a relacionamentos sexuais conflituosos, com uma sensibilidade e uma delicadeza apaixonante, sem culpas ou acusações, em geral é o próprio espectador que tirará seus conceitos do que acabará de assistir. Assim, para ficar a par do belo, intimista e inovador cinema europeu, continuo a “série”, falando agora de alguns clássicos do majestoso cinema italiano e alguns dos seus grandes representantes – Bernardo Bertolucci, Frederico Fellini, Michelangelo Antonioni, Vittorio de Sica, Lucchino Visconti, Giuseppe Tornatori (“Cinema Paradiso”, minha paixão eterna e etérea), Gabrielle Salvatori (“Mediterrâneo”) e Ettore Scola (“O baile” e “Nós que nos amávamos tanto”)*.

Bernardo Bertolucci ficou consagrado em seu país, a Itália, e ganhou notoriedade quando escandalizou o mundo inteiro com seu “Último tango em Paris” na década de 70 – o mundo, e principalmente a América conservadora, não estava preparada para tanto sexo (quase) explícito para a época, num filme clássico, não pornográfico. Ousado, o cineasta continua na ativa, com filmes de uma versatilidade extraordinária, cada vez nos surpreendendo com seus temas variados, que vão desde biografias a temas sobre sentimentos e relacionamentos conflituosos, com roteiros sempre inteligentes e movimentos de câmera sofisticados.

Além do "Tango em Paris", Bertolucci lançou “La luna” e depois sedimentou sua fama no mundo, com a bela e envolvente fotografia da magistral mega-produção “O último imperador” (sobre os dias do último imperador da China e o início da República naquele país), arrematando vários Oscars, incluindo melhor filme e melhor diretor, na década de 80, e daí não parou mais – prá citar só alguns: “O céu que nos protege”, “O pequeno Buda”, “Beleza roubada”, “Assédio” e o mais recente “Os sonhadores”.

“La luna” foi filmado na virada da década de 70/80, e é considerada a obra mais polêmica e obscura de sua carreira, abordando o tema incesto num drama intimista e comovente. Uma cantora de ópera temperamental (a atriz Jill Clayburgh, no papel mais instigante e desafiador da sua carreira), com problemas com o filho desde a morte do marido, se muda de Nova York para a Itália a trabalho, e assiste o declínio de seu filho no mundo das drogas, e quando tenta externar o seu amor pelo adolescente, numa tentativa de reaproximação visando livrá-lo da heroína, se vê envolvida numa relação de incesto com o filho, esfacelando assim seus laços afetivos. O diretor consegue ser, apesar do tema e das cenas de sexo, incrivelmente delicado e sensível, numa montagem belíssima, sendo por isso considerado por muitos “o poeta das imagens”. A trilha do filme mistura óperas com clássicos pop, como “Night Fever” dos Bee Gees e a canção italiana San tropez Twist, de Peppino di Capri (veja no final do texto).

Em “Os sonhadores”, Bertolucci usa como pano de fundo a cidade de Paris dos revolucionários anos 60, com seu tumultuado cenário político no ano de 1968, para contar a história de três jovens estudantes atraídos pela paixão por cinema, um casal de irmãos franceses que recebe um jovem americano (o ator e músico americano Michael Pitt, o mesmo de “Last days”)* fazendo intercâmbio na Universidade de Paris, e acabam se envolvendo numa ardente relação a três. 

Com cenas de nudez, sexo e incesto, filmadas em longas tomadas, como sempre o diretor consegue realizar um belo filme, abordando novamente assuntos delicados, com tamanha sutileza e sensibilidade, ao som de “Hey, Joe” (canção imortalizada por Jimmy Hendrix, mas no filme é o próprio Michael Pitt quem canta a música - veja no fim do texto, o “making of” do filme, com o ator/cantor e o diretor no ensaio da mesma), canção cuja letra combina com o turbilhão de sentimentos conflitantes dos personagens do filme. Temas difíceis de digerir é verdade, mas... Bertolucci é Bertolucci.

O consagrado diretor italiano Michelangelo Antonioni e seu inesquecível “Blow up”, (no Brasil “Depois daquele beijo”), da década de 60 - a história de um fotógrafo inglês que vive num mundo materialista, e que trata as pessoas apenas como imagens, é um prato perfeito para a genialidade e a câmera de Antonioni. O diretor consegue, com os seus enquadramentos, nos levar ao âmago da profissão do protagonista, ao construir cenas cinematograficamente perfeitas, como no momento em que o tal sujeito faz fotos para um editorial de moda em seu estúdio, em que várias modelos posam simetricamente separadas, enquanto algumas paredes de vidro dividem o cenário, refletindo a imagem delas. Genial.

O tal fotógrafo, durante uma tomada de fotos num parque londrino, fica intrigado com um casal furtivo (a mulher, a atriz Vanessa Redgrave em início de carreira) e começa a filmá-los e acaba documentando acidentalmente um assassinato, e a história irá se desenrolar em cenas recheadas de sensualidade, nudez e suspense, tendo como pano de fundo a chamada “rag week” (semana em que estudantes de várias universidades britânicas, angariam anualmente dinheiro para caridade, através de várias atividades divertidas), presente em quase todos os momentos da película, inclusive na cena final, e que traz um encanto a mais no contexto geral do filme.

Como curiosidade interessante do filme, temos a aparição da banda de blues-rock dos anos 60, “The Yardbirds”, tocando “Stroll on”, numa das cenas em um bar (veja no final do texto), com um dos componentes da banda, o então (quase) desconhecido guitarrista Jimmy Page, que mais tarde formaria a futura banda “Led Zeppelin” com o vocalista Robert Plant. No filme, vemos também o guitarrista Jeff Beck participando da cena, destruindo a guitarra e os amplificadores de som (na época, o futuro “bluesman” Eric Clapton já havia deixado o grupo, pois como purista do blues ficou descontente com os caminhos que a banda tomava pelo universo pop) - veja no final do texto, a evolução do som da banda "The Yardbirds", pré e pós Eric Clapton, até virar "Led Zeppelin".

O mestre do cinema italiano, o cineasta Vittorio De Sica foi um dos que mais influenciou gerações e gerações de novos diretores - Oscar de melhor filme estrangeiro na década de 50, “Ladrões de bicicletas” é um clássico em preto e branco, um retrato fiel da Europa pós-guerra com o desemprego rondando as vidas, e levando italianos à desesperança e ao desespero. O diretor lança mão de atores não profissionais, para mostrar como os italianos comuns se sentiam na época do pós-guerra com a situação catastrófica da economia italiana, e o enorme contingente de proletários desempregados e marginalizados.

“Ladrões de bicicletas” é um filme singelo (não há como não se emocionar com o menino e seu pai em busca da bicicleta que seria o diferencial entre morrer de fome ou ter uma vida digna) e o diretor com sua sensibilidade com a câmera captou esse sentimento com belas imagens e uma bela trilha sonora instrumental que acompanha todo o filme. Já em “Girassóis da Rússia”, o clássico romântico do diretor, tornou-se um dos maiores sucessos da dupla Sophia Loren e Marcello Mastroianni. Emocione-se com a história de um casal separado pela Segunda Guerra. Após anos sem notícias, ela viaja para a Rússia em busca do marido, atravessando cidades e campos de girassóis. Quando enfim ela o encontra, percebe que algo mudou entre eles. Com a música inesquecível do grande compositor estadunidense Henry Mancini, “Os Girassóis da Rússia” é um filme indispensável para os amantes do cinema.

Para saber mais sobre esse gênio neo-realista do cinema italiano (que começou a carreira inicialmente como ator), assista o documentário “Vittorio de Sica: minha vida, meus amores” (trailer no final do texto), com vários depoimentos de amigos e colegas de profissão, entre eles Woody Allen, Clint Eastwood e Ettore Scola.

Frederico Fellini, assim como Vittorio de Sica,  ainda influencia até os dias de hoje os seus contemporâneos (são seus seguidores fiéis, o Woody Allen, Almodóvar, Martin Scorsese), ficando eternizado pela extrema poesia contida em todos os seus filmes, sem exceção, mesmo quando o tema girava em torno de críticas à sociedade, como em “La dolce vita”(*). Filmou os clássicos “Amarcord”, Fellini 8 e meio”, “E la nave va”, “Roma” de Fellini, “Casanova”, entre tantos outros.

O título “Amarcord” refere-se à expressão fonética da frase “eu me recordo”, num dialeto falado numa região específica da Itália, e Fellini nesse filme faz uma semi-autobiografia da sua vida (mesmo que ele negasse isso) desde a infância, passando pela sua vida familiar, sua educação, sua influência religiosa e política dos anos 30 (época da ascensão do fascismo), através da visão de vários personagens, ora simpáticos ora bizarros, que passaram por sua vida, sem obedecer a nenhuma cronologia (talvez porque, para uma criança, a vida é atemporal e o tempo não conta), mas sempre com uma grande dose de generosidade e afeto pelos seus personagens, ao som do grande compositor italiano Nino Rota.

O prestigiado diretor Lucchino Visconti, dentre tantos filmes premiados (“O leopardo” com o eterno galã Alain Delon, “Noites brancas” com Marcello Mastroiani e “Rocco e seus irmãos”, também com Alain Delon), filmou, na década de 60, a bela adaptação do livro homônimo de Thomas Mann, “Morte em Veneza”, que se passa no início do século XX, e conta a história de um virtuoso músico (no livro, um escritor) de meia-idade, de férias em Veneza, em crise existencial e pessoal, que desenvolve uma “paixão” platônica por um jovem púbere, de uma rara beleza quase andrógina (“mal comparando”, lembra a história do “Retrato de Dorian Gray”, pois a atração do músico não está exatamente na carne, numa relação homossexual, e sim na forma idealizada de beleza que o protagonista já não vê mais em si mesmo, o viço da juventude que se foi com a idade, deixando no seu corpo envelhecido a certeza de que o fim estaria próximo).

Na bela Veneza tomada pela peste, os longos zooms de Visconti mostram o processo de decadência e introspecção cada vez maior do músico, que sequer um dia ousou dirigir a palavra ao seu “amado”. A câmera vai e vem, se esgueirando pelas ruelas da cidade, tornando-se cúmplice do protagonista, que se torna escravo do olhar platônico, num esforço perfeccionista para ver seu objeto de prazer (o belo ator sueco de nome Björn Andrésen - veja no final do texto, “making of” do filme com o diretor e o então jovem ator), e o diretor demonstra, com as belas fotografias e a bela música de fundo, o grande amor que nutre pelos personagens dos seus filmes. Esse é o grande trunfo do cinema europeu, não há julgamento pré-concebido, como no cinema americano, os personagens são vistos como seres humanos (com seus defeitos e qualidades, seus sentimentos e relacionamentos, conflituosos ou não), e como diria Nietzsche, “humanos, demasiadamente humanos”.

A lista não pára, mas o texto se alonga demais, por isso fico por aqui – deixo a lembrança do sensível e comovente “O quarto do filho” de Nani Moretti (com o próprio diretor no papel principal), do clássico “Roma, cidade aberta” de Roberto Rosselini, e do premiado “A vida é bela” de Roberto Begnini, e uma curiosidade que muitos desconhecem, o belo “Perfume de mulher” (*filme estadunidense com Al Pacino, no papel de um militar cego e depressivo) é na verdade, baseado no roteiro do filme italiano de mesmo nome, do diretor Dino Risi, rodado na década de 70, com o ator Vittorio Gassman.

*Textos e trailers sobre os filmes citados em parênteses podem ser encontrados no blog, nos links abaixo.
http://rosemerynunescardoso.blogspot.com.br/2011/05/cinema-europeu-uma-pincelada-para.html
http://rosemerynunescardoso.blogspot.com.br/2010/12/filmes-em-3d-ame-o-ou-deixe-o.html
http://rosemerynunescardoso.blogspot.com.br/2009/10/cinema-paradiso.html
http://rosemerynunescardoso.blogspot.com.br/2010/06/recordar-e-viver.html























2 comentários:

  1. Sábado iluminado: sua volta com um texto antológico e o sol que hoje deu as caras. Minha estrela e meu sol.
    Obrigado. Vê se não perde o seu endereço e apareça sempre para a felicidade dos seus leitores e admiradores.
    Beijão
    Flávio

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  2. Para José Flávio Abelha
    Dizem os cientistas que "o brilho das estrelas depende de parte de sua energia, que se irradia sob a forma de luz, e que elas não duram para sempre", mas com os seus graciosos elogios, será difícil "minha estrela se apagar", e faço minhas as palavras de Walt Disney: "Aprendi que de nada serve ser luz, se não iluminar o caminho dos demais".

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