Não é de
hoje que Hollywood faz remakes de filmes europeus. E é sempre muito
interessante a abordagem de um mesmo filme pelo cinema americano e pelo europeu.
Um mesmo
filme, pela visão do europeu, é abordado de maneira muito mais intimista, muito
mais existencialista (provocando reflexões próprias em cada espectador), enquanto o cinema americano investe na ação e nos efeitos
visuais, abordando muito de longe os sentimentos e as emoções (quando o fazem é,
muitas vezes, de maneira quase apelativa, visando arrancar “lágrimas até de
crocodilo”). Óbvio que não é uma regra, há muitas exceções (afinal, a indústria cinematográfica, principalmente a estadunidense, tem uma produção imensa).
As
películas européias têm, em geral, tomadas longas, cercadas de sutilezas (as
pessoas com pouca sensibilidade costumam achar esses filmes chatos e maçantes),
dando tempo ao espectador para que pense (e repense) no que está a assistir, e
assim tire suas próprias conclusões (e isso é fundamental, principalmente nos dias de hoje,
quando se trata de temas polêmicos, sejam eles socioculturais, sexuais ou religiosos).
Já as
versões americanas são sempre mais explícitas e rápidas, e dão o desfecho final
que convém ao diretor e ao estúdio em si, sem dar tempo ao espectador de ter
sua própria opinião sobre o tema abordado (para quem não tem muita “massa cinzenta” para gastar, é um “prato cheio”, muita ação e pouco conteúdo).
Os
questionamentos sobre essa onda de remakes são inúmeros. Falta inspiração e
criatividade em Hollywood? Uns alegam necessidade de “renovação”, aproveitando
os novos avanços tecnológicos, porque “as novas gerações não estariam dispostas
a assistir filmes antigos”, com poucos recursos em matéria de efeitos
especiais, etc.
Pode ser,
mas no caso dos filmes da trilogia “Millenium” (baseada no livro do jornalista sueco Stieg
Larsson, que escreveu uma saga sobre violência sexual contra mulheres, em três volumes), a
película original intitulada “Os homens que não amavam as mulheres”, de
nacionalidade sueca, foi filmada em 2009, e apesar do sucesso internacional de crítica e de público, logo a seguir (apenas dois anos
depois) veio o filme americano intitulado “The Girl with the Dragon Tatoo”.
O que eu posso concluir disso é que, apesar de todo o sucesso internacional do
filme sueco, o espectador americano deve ter um QI médio “prá lá de rasante” e
não consegue assimilar imagem e legenda ao mesmo tempo (eles mal sabem soletrar
uma palavra no seu próprio idioma), ou seja, o “Tico Teco” do espectador estadunidense não
funciona, daí a necessidade do filme na sua língua pátria (ai, que maldade a
minha).
Aqui cabe a velha charada: qual o nome que se dá àquele que domina vários idiomas? Poliglota. E dois idiomas? Bilíngue. E o que só domina um idioma? A resposta certa é...americano (ai, de novo, que maldade!!)
O autor da tal
trilogia partiu de uma história real, o estupro coletivo de uma jovem que ele
presenciou quando tinha 15 anos de idade, e o livro foi uma espécie de redenção (e homenagem
à menina) pois ele se arrependia amargamente por não ter tido coragem de ajudar a
jovem, que se chamava Lisbeth, nome que manteve na ficção (cercada de mistério, dramaticidade e violência, e não poupou nas denúncias de misoginia, incesto e abuso sexual contra mulheres).
A dura
missão de adaptar o então famoso filme sueco ficou a
cargo do cineasta David Fincher (também diretor dos premiados “O curioso caso de Benjamin Burton”, “A rede social”, “Clube da luta” e “Seven”), que não fez feio, apenas usou uma
visão, digamos, mais requintada (o que a grana não faz por um filme!!!), e apelou para a fama do Daniel “James Bond”
Craig no papel principal, apostando também numa abertura bem “hollywoodiana”, repleta
de efeitos especiais, com a famosa música “Immigrant song” do Led Zepellin (abaixo).
Eu,
particularmente, prefiro o filme original sueco, mais misterioso e mais
profundo, com uma aura de mistério num cenário gélido e mais sombrio que a
versão americana (quando foi lançada, eu já tinha visto a versão sueca, e a escolha do Daniel Craig não me deixou desvencilhar do personagem do agente 007).
Gostei mais da atuação dos (praticamente) desconhecidos atores suecos (e quando a versão americana foi lançada, o mistério já não existia para mim, não li o livro, mas quem leu, garante fidelidade ao texto), e também porque as sequências Millenium II (“A menina que brincava
com fogo”) e Millenium III (“A rainha do castelo de ar”) ainda só existem na
versão européia, e tão misterioso e emocionante quanto o primeiro, só dá para acompanhar o suspense,
conhecendo-se os atores que interpretaram os papéis no Millenium I sueco.
O mesmo aconteceu com outro recente sucesso
sueco, o filme sobre vampiros filmado em 2008, “Deixe ela entrar”, ou
seja, também logo depois surgiu a versão americana “Deixe-me entrar”, em 2010.
Enquanto o
filme sueco usa a história de jovens vampiros como pano de fundo para mostrar o
drama de dois pré-adolescentes desajustados socialmente, com uma visão sombria e
bem mais “dark” (por focar muito mais o “bullying” social, que aprisiona e isola os personagens com seus traumas, do que o vampirismo
em si), já na versão estadunidense a mesma história soa mais como um filme de
gênero, voltado para o terror vampiresco, privilegiando o horror explícito,
intercalando com um toque romanesco do jovem casal (é quase um “Crepúsculo” pré-adolescente), e como sempre investindo em muitos efeitos
especiais, de maquiagem principalmente.
Já o filme
do diretor alemão Win Wenders (dos também excelentes “Paris, Texas” e “Buena Vista Social Club”), intitulado “O céu sobre Berlim” (no Brasil, “Asas do
desejo”), da década de 80, ganhou uma continuação (no Brasil, “Tão perto e tão longe”) do mesmo diretor e um remake
americano melodramático (intitulado “Cidade dos anjos”), no final da década de
90.
No primeiro
original alemão, anjos velam pelas almas perdidas, levando lampejos de esperança, numa Berlim gélida e totalmente
devastada pelos efeitos do Holocausto e ainda sob o Muro de Berlim, e um deles quer adquirir a forma
humana para viver (e sentir de verdade) a paixão por uma mortal trapezista. O mundo eterno
dos anjos é sombrio e em preto e branco (pois a ausência de cores revelaria, segundo o diretor, a essência da alma), e o mundo mortal ganha cores, na visão de
Wenders.
“Asas do desejo” é um filme poético, encantador, repleto de dor e angústia tanto dos humanos quanto dos anjos, que vai desenrolando lânguido e profundo, num ritmo lento, cadenciado e embalado pela poesia do alemão Rainer Maria Rilke, o grande “poeta dos anjos”.
A
continuação alemã (em inglês, “Far away, so close”) conta com a participação
do músico Lou Reed (que acaba de falecer) no papel dele mesmo (que assina grande parte da trilha sonora do filme), e mantém o ator
americano Peter Falk (da famosa série policial “Columbo”, dos anos 70) também
como ele mesmo (como no primeiro filme), e tem como novidade a atriz Natasha Kinski no papel principal
feminino. A música do U2 "Stay: far away, so close" foi a que mais ficou conhecida no filme.
Já na
versão melodramática americana, que investe mais no romance “água com açúcar” e na trilha sonora, é o “anjo” Nicholas Cage que quer perder sua condição de
imortalidade para sentir as dores e as alegrias humanas, ao lado da “cirurgiã”
Meg Ryan, ao som de “Iris” de Go go Dolls, de “If God will send his angels” do
U2, de “Uninvited” de Alanis Morissete, entre outras belas músicas (vídeos
abaixo e no final do texto).
Recentemente
teve uma onda hollywoodiana de remakes de filmes do gênero terror – originalmente de nacionalidade japonesa, tanto “O grito” (da série
japonesa “Ju-On”), como também “O chamado” (original “Ringu”) e também o filme “Água negra” foram adaptados para o
cinema americano (o último sob a direção do nosso Walter Salles com a Jennifer Connely
como protagonista), enquanto “Quarentena" de 2009 é um remake de um filme de terror espanhol intitulado “REC”, de 2007 (que ganhou duas continuações e virou videogame, e foi sucesso de público e de crítica, o que não aconteceu com a versão americana).
O espanhol
“Abre los ojos”, do diretor Alejandro Amenábar, de 1997 (no Brasil, “Preso na
escuridão”) foi adaptado para o idioma inglês como “Vanilla Sky” (em 2001) e
dirigido por Cameron Crowe (de “Quase famosos”, “Elizabethtown” e “Jerry
Maguire”) que manteve Penélope Cruz do elenco original, mas incluiu Tom Cruise
e Cameron Diaz, no papel dos outros dois principais protagonistas.
A história
é a mesma, mas no filme espanhol a interpretação final que se tem soa mais como
uma loucura do personagem principal; já no filme estadunidense foca mais como
se fosse uma conspiração, em torno de uma ficção científica. Mas, na verdade,
nos dois, cabem várias interpretações, e essa é a grande jogada dessa história, dá prá ficar horas discutindo sobre ela (sobre realidade e fantasia,
vida e morte, sonho e pesadelo, lucidez e loucura).
E a lista de remakes europeus não pára: o francês “A gaiola das loucas”, o russo “Solaris”, o francês “Nikita” de Luc Besson (intitulado “The assassin” na versão americana, com Bridget Fonda e Gabriel Byrne) entre os mais populares.
O que se conclui no final é que, apesar de não ser uma regra, o cinema estadunidense, em geral, é despretensioso, e os diretores atendem aos apelos dos estúdios (em matéria de “blockbusters hollywoodianos”) e do espectador americano (trilha sonora e muitos efeitos especiais, mas pouca reflexão) enquanto o europeu investe em cenas repletas de nuances e sutilezas que acabam surtindo mais efeito do que as cenas explícitas do cinema americano.
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