Imagem

Imagem

Select Language

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

"Décadence sans élégance" no Brasil do séc XXI. Até quando?

Escrevo visando leitores que gostem de ler, que apreciem uma boa leitura e, claro, para amantes da sétima arte. Assim, como médica, preciso ter o dom de sintetizar (para simplificar e descomplicar), mas como aspirante a escritora, eu não posso exercer o mesmo “poder de síntese” do mesmo jeito que na outra profissão. Assim, nos meus textos, não economizo nas palavras, pois quem gosta de ler não quer síntese, quer história, quer conteúdo, quer detalhes.

Acabo de reler “Cem anos de solidão”, e o que menos se encontra, na escrita do Nobel de Literatura, Gabriel Garcia Marques, é síntese; ao contrário, o colombiano Gabito é detalhista e rebuscado em exagero (e se isso fosse ruim, o romance não seria o segundo maior representante da literatura hispânica, depois de “Dom Quixote de La Mancha”, de Cervantes).

Por que começo assim este meu texto? Porque, com o mundo virtual, as pessoas estão simplificando demais as coisas boas e belas da vida, isso vale para as relações, os amores, as paixões, as escritas, as letras das músicas, as melodias das canções, e quem sabe o que mais... (sexo?? provavelmente também). As pessoas estão se contentando com muito pouco, não mais aprimoram os ouvidos para decifrar um som como bom ou ruim, assistem a lixos e mais lixos na TV aberta sem nenhum questionamento, filmam com sofreguidão eventos e viagens para só depois assistirem virtualmente nas redes sociais da vida.

E têm medo de se envolverem emocionalmente e perdem com isso a chance de uma vida afetiva plena e feliz (apenas é preciso saber que não existe “certificado de garantia” nem muito menos “prazo de validade” nas relações de afeto). Os cinco sentidos, em pleno século XXI, estão completamente embotados, que dirá “o sexto sentido”!!! E por que insisto nesse tema???!!! Já me explico, mas antes de prosseguir, veja abaixo parte de um quadrinho intitulado "O lado ruim de gostar de ler", que um amigo postou na internet, e que é providencial pois ilustra bem esse início do meu texto (principalmente o último quadrinho, que é como, em geral, eu me sinto).
                         
Bem, continuando a minha reflexão, para tentar chegar ao ponto crucial do meu texto. Formatura recente de medicina da UFF do meu filho primogênito. Se não fosse pelas músicas “de corno e de cachorra” (leia-se “sertanejo universitário e funk”), a festa teria sido sucesso absoluto (muita comida e bebida à vontade, decoração impecável, e rolou antes uns “technos” e uns “axézinhos” razoáveis e “dançáveis”). 

“Geração perdida” foi um termo denominado pela escritora, poeta e feminista Gertrude Stein, para abrigar uma geração, na verdade, não literalmente perdida, e sim uma geração de futuros e promissores artistas de várias nacionalidades, perdidos numa Paris no início da 1ª guerra mundial, artistas estes retratados divinamente por Woody Allen, no filme "Meia-noite em Paris" (link* para detalhes do filme, no final do texto). 

Já os anos 80 foram considerados, no Brasil, a “década perdida” (mais em relação ao desenvolvimento econômico que propriamente cultural), com a estagnação econômica e a hiperinflação. Bem, enfim, todo esse vai e volta, sem nenhuma preocupação em estar sendo ou não prolixa (o grande Gabo que o diga), para eu finalmente concluir o meu raciocínio de que, agora, nos primórdios do século XXI, estamos conseguindo reunir, no Brasil, os dois conceitos acima, num único apenas: “geração e década, estas sim, totalmente perdidas no Brasil, literalmente sem rumo e sem futuro, culturalmente falando”. Uma tristeza esta constatação em pleno século XXI.
O artista plástico brasileiro Antônio Veronesi, radicado na França (onde sua arte, prá variar, é mais cultuada por lá do que por aqui), cerca de dois anos atrás, em visita ao Brasil, reagiu com providencial indignação a uma matéria publicada no jornal “O Globo”, após o referido diário ter reservado, no seu “Caderno de Cultura”, um espaço para contar “quantas vezes as meninas se masturbaram no último BBB”, denunciando a baixa qualidade do que é produzido por aqui e vendido como cultura pela conivente mídia nacional e condenou a decadência dos tempos atuais em comparação com anos passados.

Seu questionamento sobre o que é dado para o público consumir é denunciatório: “dizer que o povo gosta de porcaria é conversa fiada, o povo consome o que lhe é dado. A televisão não custa nada ao povo, já ir ao teatro, museu ... isso sim, custa dinheiro”, diz o intelectual. Ou seja, o povo consome porcaria pela televisão, porque é só isso que ele tem acesso. Novelas com temas de traição e gente calhorda, a “lei do Gérson”, BBBs com mulheres e homens com “QI de ameba paralítica de plástico” (inclusive o apresentador), programinhas chulos de auditório, programas humorísticos rasteiros com jargões e bordões “chatérrimos” e por aí vai... 

E Veronesi diz mais: “a grande revolução é a da educação e da cultura, senão continuaremos a ser um país de terceira classe, apesar de nosso conhecimento”. O artista define o ciclo vicioso e viciante da TV brasileira como “uma platitude“ e uma “estupidificação“ coletiva (assista abaixo), e propõe sair da espiral da burrice. Mas as sábias palavras do artista se perderam ao vento, pois “taí o BBB 2014”, de volta com o mala do Bial, com incansáveis notícias na mídia sobre quem vai ou não para o tal paredão (que até hoje não sei o que é isso, “nem quero saber e tenho raiva de quem sabe”) e, em tempo, o intelectual chama as tais músicas sertanejas de “uma infecção”, que nomeia como “sertanejectites, bobagens de dois compassos”.


A tal música (se é que pode se chamar de música), a “sertanejectite” que parece agradar (na verdade, fere os ouvidos sensíveis) grande parte dos jovens do novíssimo século, não tem sonoridade e muito menos musicalidade, é um “bate-estaca” sem fim, com suas letrinhas chinfrins e sofríveis: ou o cara é corno, ciente do seu destino (e até feliz por isso), como é o caso das letras das duplinhas sertanejas “techno crássicas” (não confundir com a ótima música do sertão), ou o cara é um galinha de marca maior que trai compulsivamente, como vemos nas letras das “sertanejas universitárias” (vou esperar minha mulher ir no banheiro e ganho cinco minutos de solteiro ela nem vai desconfiar”) e na “música funk de cachorra” (onde a mulher é retratada como um objeto sexual sujo e descartável).
Lamentável, tantos anos gastos para se emancipar, e a mulher joga tudo no lixo (Simone de Beauvoir deve estar se remexendo no túmulo, depois de todo o trabalho para escrever “O segundo sexo”), e se rebaixa a categoria de reles “cortesãs” de outrora, dançando vulgarmente essa merda... não dá prá ser feliz. As letras da nossa bossa nova dos anos 60, da nossa tropicália dos anos 70, e da nossa MPB dos anos 80 retratavam o amor, ou mesmo o fim do amor, exaltando a mulher, era poesia sensual e musicalizada em “verso e prosa” (veja abaixo, “Garotos I” e “Garotos II”), e podia-se dançar sensualmente, sem a atual vulgarização do corpo da mulher.

Desculpem-me se tem alguém que consegue curtir essas merdas sertanejas, mas as duplinhas de cantores (cantores ??) são sofríveis, com suas vozes estridentes e esganiçadas (tive ímpetos de, na festa de formatura do meu filho, subir ao palco, e mandar o fulano da banda sertaneja ao vivo, “que se acha” um cantor, “voltar pro chuveiro e tomar banho de boca fechada”).
Mas...voto vencido (“pobreza de espírito não se discute, apenas se lamenta”), assim que começou a tocar as tais musiquinhas sertanejas universitárias, me retirei do salão de dança e me recolhi à minha insignificância (dando graças a Deus por essa “santa insignificância”) pois a pista voltou a encher rapidamente, e uma música após a outra, o som era sempre o mesmo, de dois compassos apenas, e fiquei a ouvir então as letras das tais musiquinhas (prá depois não dizerem que é “pura implicância” e que “não falei das flores”).

E pasmei, diante de tanta baixaria, uma atrás da outra: “ei menina, empina, empina, que eu já vou prá cima”; e a vulgaridade não parava, e continuava na música seguinte: “encaixa mais que hoje tem, ai ai ai meu bem, mas amanhã não esquece, cada um vai pro seu lado” (putz, nem rima essa merda tem); e ia emendando uma putaria na outra: “passei e te ignorei, você se quiser chamar minha atenção vai ter que levantar o vestidinho”; e não contente lá vinha mais calhordice na próxima música: “vou esperar minha mulher querer ir no banheiro, aí eu ganho 5 minutinhos de solteiro, e ela nem vai desconfiar... e por aí foi noite adentro a “decadência sem elegância” (parafraseando, ao contrário, o músico Lobão com a sua “Décadence avec élégance”).




O que me deixou pasma mesmo é que era uma festa de universitários que, em geral, deveria ser uma classe de “formadores de opinião”, eu juro que achei que estava no lugar errado, na hora errada, imaginei que tivesse “caído de paraquedas” numa festa de jovens do ensino fundamental do suburbão do Rio (sem preconceitos, mas com dó da falta de opcão deles, o que não é o caso dos futuros médicos que ali estavam).

Mas não... eu não tinha “bebido todas”, estava sóbria, infelizmente. Isso tudo antes de entrar “as cachorras em cena”, com as bundas tremulantes cheias de celulites, numa “dança do cio” digna de cadela em pleno coito, no meio de uma avenida qualquer, enlameada, dos subúrbios da vida. Aff... eu tinha que cair fora dali, a festa tinha acabado para mim, e pude entender, com grande alívio, porque meu filho formando sempre se recusava a participar das festas da turma dele, ou seja, “nem tudo ainda está perdido” (mil beijos, filhão, sabia que você não me decepcionaria).
É claro que a nossa MPB sempre teve breguices, representadas por Odair José e outros (“pare de tomar a pílula”) e também algumas baixarias (como a Gretchen com a “melô do piri piri” e outros), mas que não chegavam aos pés da putaria da atualidade, e tínhamos a alternativa da saudável e excelente MPB clássica (João Gilberto, Chico Buarque, Milton Nascimento, Tom Jobim, Vinícius de Moraes e tantos outros ótimos compositores) e da MPB “muderna” (Os Mutantes, Blitz, Paralamas do sucesso, Titãs  e outros músicos de qualidade) para agradar a todos os gostos.

Agora não há mais espaço para estes grandes nomes da nossa música, e o pior, não aparece praticamente nenhum representante de qualidade, só breguice seguida de baixaria e putaria e vice-versa. “Ai, ai, meu Deus, o que foi que aconteceu com  a música popular brasileira”, Rita Lee (abaixo) anteviu o futuro, mas na época não parecia que seria assim tão medonho.



Meus pêsames para o Brasil que, do jeito que vai, tem um futuro cada vez mais sombrio pela frente (no futebol, na música e artes em geral). Terceiro mundo é fichinha (sair dele jamais).

Mas, como não desisto fácil, vou repassando cultura e conhecimento (como faço com os ensinamentos de medicina para os alunos da Universidade), e deixo a dica do belo romance “Cem anos de solidão”, que narra a história fictícia do povoado Macondo, com a saga da família fundadora do vilarejo, os Buendias, que atravessam um século de existência desde o 1° ancestral até o último descendente da família, que assinala o fim da estirpe.

Numa trama rebuscada, cheia de nomes continuamente repetidos, os inúmeros Josés Arcádios e Aurelianos (o que obriga o leitor, a toda hora, ter que consultar a árvore genealógica da família, no início do livro, ou seja, nenhum “poder de síntese” em questão) herdam, além dos nomes, o estado de espírito dos seus ancestrais, e atravessam guerras e massacres, amparados pela garra e pela força da principal personagem (a impenetrável Úrsula, que tem o sobrenome da real avó do escritor, Iguarán) que atravessa todas as gerações da família, vivenciando e carregando toda a solidão e pujança herdada pelos Buendias.

O grande Gabo consegue unir realismo e surrealismo num mesmo romance que é, em resumo, uma coleção de histórias, mitos e lendas do nosso universo latino-americano, num realismo mágico (como ficou conhecido o romance) através de uma metáfora sócio-política da então realidade colombiana (foi escrito nos anos 60) e, por que não dizer, de toda a nossa América Latina. Cada vez mais atual, e imperdível (mas conseguir ultrapassar as primeiras páginas do romance, com seus instigantes entrelaçamentos temporais, é desafiador,... mas eu adoro desafios).

E outra dica que tem a ver com o tema é o romance futurista “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley (veja no final do texto), escrito nos anos 30 do século passado (e cinematografado para a TV nos anos 90) em que o ser humano viveria sob relações mecanizadas, sem envolvimento afetivo, inclusive a relação sexual, numa sociedade fria, alheia, dividida em castas, sem contestação, com a falsa sensação de plena satisfação através da “pílula da felicidade”.
E deixo, também como ilustração do meu texto, o vídeo abaixo, com a pergunta fatídica da MTV: “A televisão tem futuro?”, e para relaxar, um dos esquetes da Dani Calabresa e do Marcelo Adnet na MTV, satirizando programas chulos da TV brasileira. E, como não podia deixar de falar de cinema, aproveito para relembrar o mockumentário “MPB: a história que o Brasil não conhece” (abaixo, link* para maiores detalhes) e não deixem de assistir o divertido filme “Domésticas”, de Fernando Meireles, cuja trilha sonora brega, sem preconceitos, tem tudo a ver com o baixo nível sócio-cultural dessa sofrida classe trabalhista (mas não explica o por quê do mesmo gosto duvidoso do nosso pessoal universitário estar consumindo tanta porcaria).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...