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sexta-feira, 5 de abril de 2013

A evolução do cinema: "Alfredo, é belíssimo".

“Uma idéia na cabeça e uma câmera na mão”: a cabeça cheia de idéias mirabolantes e revolucionárias era a de Glauber Rocha e a câmera era uma “super 8”. A indústria cinematográfica ganhava, nas décadas de 60/70/80, um novo impulso com as novas bitolas das películas.

Para quem desconhece terminologia cinematográfica, bitola se refere à largura da película, que é expressa em milímetros; até então o cinema usava bitolas de 16 mm até 70 mm que, apesar da qualidade das imagens, exigiam máquinas pesadas de difícil transporte. 


Bitolas de filmes

Assim, a nova bitola de 8 mm, e a seguir a “moderníssima” super 8, a famosa “vedete” portátil de baixo custo dos anos 70/80 (que era da mesma largura que a de 8 mm, mas tinha espaço a mais para as imagens) na mão das cabeças pensantes e revolucionárias da época, acabou atiçando jovens cineastas sedentos por denunciar injustiças, num mundo de ditaduras e de guerra fria (ou mesmo guerras reais, alimentadas pela polarização entre dois mundos rivais, o capitalista e o comunista), mas também um mundo no auge de novidades nas artes, na música, na literatura e consequentemente no cinema.

Com a praticidade da nova câmera, mais leve e portátil, Glauber Rocha criou verdadeiras pérolas do chamado cinema novo brasileiro, tais como “Deus e o diabo na terra do sol” e “Terra em transe” (veja no final do texto). E a música também se beneficiou com a câmera portátil e, ainda nos dias de hoje, o formato “câmera na mão” faz a diferença na hora da praticidade em se deslocar de um lado para o outro.

Tanto que, ainda na recente virada do século, no início do ano 2000, o engenheiro de som Mark Johnson teve a bela idéia de, aproveitando a comodidade da "câmera na mão", montar um estúdio de gravação móvel para conectar o mundo através da música. Para tal intento ele reuniu, em um documentário, músicos de rua, de diversos lugares do mundo, de várias raças e religiões diversas, em seus “habitats” naturais, ao ar livre em parques, praças, estradas, montanhas, no Himalaia, na África do Sul, no Oriente Médio, na Europa e nas Américas, todos “conectados” virtualmente num mesmo objetivo, ou seja, levar paz e tolerância aos quatro cantos do mundo.

O projeto, intitulado “Playing for change” (que, anos depois do documentário, rendeu também um CD/DVD e um show ao vivo), contou com a participação de negros, brancos e indígenas, árabes, judeus e muçulmanos, todos interpretando hinos-pop de paz, cada qual com sua performance própria, num evidente apelo por um mundo melhor. 

Canções como “One love”, “War”, “No more trouble”, "Redemption Song" (todas de Bob Marley), “Talkin’ bout a revolution” (de Tracy Chapman), e a famosa  “Stand by me” (que ganhou fama mundial na voz de John Lennon) entre outras, são interpretadas de maneiras variadas por músicos violoncelistas, percussionistas e até pelo cavaquinho de um único brasileiro (entre mais de 100 músicos participantes), o músico César Pope. (veja abaixo e no final do texto).



Mas nem sempre tudo foi assim tão prático e versátil; se hoje temos salas de cinema com tecnologia 3D, e até 4D (ou seja, já não basta mais assistir em três dimensões, o espectador agora já pode ter a sensação de estar dentro do filme, com direito a fumaça, chuva, movimento e até cheiro), nos primórdios do cinema não havia nem o audiovisual. 

Nos primórdios da sétima arte, a exibição dos filmes, então ainda mudos, era acompanhada ao vivo por uma orquestra de músicos contratados para tocar durante toda a sessão de cinema; de acordo com a cena, a música dava ambiência ao conteúdo do filme, como forma de atrair e seduzir o público, complementando a experiência visual oferecida pelas imagens, e havia também em algumas salas a figura do narrador que tinha como papel explicar certas passagens do filme.

O vencedor do Oscar de 2012, “O artista” (trailer no final do texto) começa mostrando essa trajetória do cinema, mas já em sua fase final, exatamente na transição do cinema mudo para o cinema falado. E como a arte imita a vida e vice versa, assim como no filme "O artista", nem tudo foi aceito passivamente, tanto foi a resistência contra o cinema falado que o grande cineasta russo Serguei Eisenstein (diretor de "O encouraçado Potenkim") chegou a escrever um manifesto contra a implementação da técnica audiovisual. 

Muitos outros cineastas renomados também foram inicialmente contra a nova tecnologia; grandes nomes como Charles Chaplin assim como o diretor francês René Clair resistiram à novidade do som no cinema falado. Chaplin acreditava que só continuaria tendo sucesso nos seus filmes se fosse mantida a pantomima (arte de narrar com o corpo) do seu personagem Carlitos; mas o cineasta acabou se rendendo e "se despediu" divinamente do personagem vagabundo no filme "Tempos modernos", e ainda produziu grandes filmes já com a novidade audiovisual como "Luzes da ribalta" e "O grande ditador"(veja no final do texto). 

Outro avanço da indústria cinematográfica foi a evolução do material das películas; nos primórdios da sétima arte usava-se o nitrato de celulose como matéria prima das películas, um material termoplástico gelatinoso, quimicamente instável que podia se incendiar espontaneamente, e que por sua vez era misturado com cânfora, além de corantes e outros agentes, e que tinha um gosto adocicado de gelatina (que funcionava como uma “cola” para unir os componentes da película).

No belo filme italiano “Cinema Paradiso”, o diretor Giuseppe Tornatore, numa quase autobiografia, dá um “aula” sobre a evolução da tecnologia cinematográfica, dos anos 50 aos dias atuais (no caso, anos 90, quando o filme foi rodado) nos diversos diálogos entre os personagens principais. 

O projecionista Alfredo, amável e ranzinza ao mesmo tempo, ensina a arte do cinema ao menino Totó que, na prática, aprende qual o lado certo de colocar a película no projetor, lambendo e sentindo o gosto doce de gelatina (assista abaixo, numa das cenas, uma das "aulas sobre cinema" e, de quebra, a graça e a irreverência do personagem Totó, papel do então ator mirim Tornatore Cascio, xingando o veterano ator Phillipe Noiret, o memorável Alfredo, literalmente mandando-o "tomar naquele lugar").



E, sem acreditar na história de que a película poderia sofrer combustão espontânea, o ainda menino Totó amarga a triste experiência de comprovar a veracidade disso, ao tirar o velho amigo Alfredo de dentro do querido Cinema Paradiso completamente tomado pelas chamas. 

E já rapaz, crescendo na mesma proporção que o cinema, Totó filma apaixonadamente sua musa e eterna paixão adolescente com a então “moderníssima” câmera portátil “bitola 8 mm” (e a película já não mais se incendiava facilmente pois foi substituída por tri-acetato de celulose, muito menos inflamável), até tornar-se enfim, na vida adulta, um cineasta famoso já com o cinema em imagem VHS até chegar a digital dos dias de hoje, mas as lembranças do bom e velho cinema nunca sairiam da memória do menino cinéfilo e agora cineasta Totó (o alter ego do diretor Giuseppe Tornatore).

A história e a magia do cinema foi romanceada e imortalizada para sempre em "Cinema Paradiso", principalmente na antológica cena final - os olhos marejados do ator Jacques Perrim, no papel do Totó já adulto e cineasta, diante das belas cenas de beijos em preto e branco, resume toda a paixão do diretor pelo cinema, ao som instrumental da belíssima trilha sonora de Ênio Morricone. 

Como diz Alfredo, no filme, para o carismático menino Totó totalmente fascinado pelo cinema: "Abracadabra"; e minutos antes da película pegar fogo, encantado pelas imagens percorrendo as paredes até alcançar a praça, para deleite do público, o emocionado Totó diz: "Alfredo, é belíssimo" (veja abaixo). Realmente belíssimo . E inesquecível. "Bravo, Alfredo".

















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