Toda
manifestação popular me traz sempre uma esperança de luz no fim do túnel. E não
é diferente nos dias atuais (apesar de, agora com a idade, a gente já estar calejada com
as experiências da vida e principalmente depois de conhecer a sordidez e a mesquinhez do ser humano).
Quando a
ditadura se instalou no Brasil eu era apenas uma menina recém-saída das fraldas.
Mas, como o regime militar durou cerca de vinte anos, acabei alcançando parte
daqueles acontecimentos políticos durante a minha adolescência, que avançaram pela
minha vida, ainda como jovem adulta (e a juventude nos faz achar que “o mundo
pode um dia ser perfeito”).
E como
moradora do interior fluminense, na era pré internet, toda a notícia que nos
chegava à cidade pela imprensa era deturpada – se hoje ainda é assim com o PIG (partido da
imprensa golpista), imagina na época, com os militares mandando e desmandando na imprensa – mas, sem nem saber ainda que eu seria uma
futura cinéfila e que ganharia o rótulo de “adorável anarquista”, sempre fui
uma adolescente questionadora.
Mas
inicialmente eu era alheia à política (mas já fascinada pelo cinema), e me questionava,
entre outras coisas, com os deveres escolares – para que estudar a História de
séculos passados em que eu nem era nascida?? (é ainda hoje um grande
questionamento de grande parte dos pré-adolescentes).
Foi então
que conheci o meu professor de História do segundo grau e tudo mudou –
revolucionário, ele explicava para os seus alunos o processo autoritário no
Brasil, e nos ensinava a importância de estudar História – ele dizia que estudar
a História da humanidade nos fazia aprender a não repetir os erros dos nossos
antepassados – e foi assim que eu comecei a não implicar mais com a matéria, e a me interessar por política.
Mas, mesmo
como “Adorável anarquista”, eu passei muito tempo à margem (contra a minha
vontade) dos processos políticos durante a ditadura, pois ainda menina e
adolescente, meus pais me proibiam de participar das manifestações
revolucionárias nas ruas (e não só isso, numa família machista até o cinema me era proibido)
Mas já adolescente eu sempre buscava informações
sobre o processo ditatorial no Brasil, até que tive o privilégio de conhecer o
tal professor, um intelectual, revolucionário e culto politicamente, e então, fascinada por aquelas idéias socialistas e libertárias, tudo mudou.
Se hoje sou
extremamente crítica quanto ao que “tentam me enfiar goela abaixo”, devo isso
ao estimado professor, pois ele dizia: “não deixem que pensem por vocês”, e
dizia que devíamos aprender a questionar tudo, inclusive as palavras dele mesmo (do
próprio professor), pois deveríamos aprender a pensar por nós mesmos, não
aceitando nada como “verdade verdadeira”, antes de buscarmos a fundo as nossas
próprias conclusões.
Assim, já
adolescente, consegui burlar algumas vezes o cerco dos meus pais, e participei
inclusive de uma passeata em protesto contra a nossa escola, que começou a
questionar o “comportamento” do nosso professor, quando este foi chamado para
prestar depoimento no “famoso" DOPS”, por suas “idéias comunistas”.
E já na
faculdade, ainda sob o regime militar, tive o prazer de conviver com o pai de
uma das minhas amigas da faculdade, o famoso “Diabo louro” (era como ele era chamado
pela imprensa reacionária da minha cidade), que de “diabo” não tinha nada.
Ele era
um senhor extremamente humanitário que lutava contra a exploração dos usineiros
da minha cidade (que praticamente escravizavam os plantadores da lavoura de
cana de açúcar), instigando os trabalhadores rurais a se unirem em greves e
paralisações exigindo melhores condições de trabalho e salário.
Já recém
formada em medicina, vim encontrar o “diabo louro”, no Rio de Janeiro (passei a dividir o apartamento com a filha dele, a minha grande e eterna amiga Taninha),
participando do avanço do processo político, no movimento das “diretas já”, no
longo processo de redemocratização do Brasil.
E ao
completar vinte anos da revolução de 64, o “diabo louro” finalmente foi
reconhecido como um grande ativista que revolucionou a história
da minha cidade do interior – ao ser homenageado, ele disse, numa das entrevistas:
“eu faria tudo de novo, se fosse preciso” (o então “diabo louro” tinha sido preso
mais de 40 vezes, torturado inúmeras vezes e quase foi morto numa dessas prisões, e ficou
exilado na Rússia por vários anos até poder voltar clandestinamente para o
Brasil).
E foi com o
“diabo louro” que aprendi que não era verdade que “comunista come criancinhas”
(era o que minha pobre mãe repetia, sem questionar o que ouvia), e ele
dizia que na Rússia também se cultivava a falsa política de que “capitalista
vende a própria mãe”, ou seja, os regimes são geridos pelo ser humano e o homem
é falho, cada regime divulga o que interessa para manter um povo no cabresto, por
isso aprendi a importância de pensar por mim mesma, de buscar fontes confiáveis
de informação, e mesmo assim “confiar desconfiando”, principalmente quando se
trata de política.
E com esses
“professores” comecei a me interessar por política, e adotei o anarquismo (ausência de lei, mas não ausência de ordem) como
meu princípio de vida. Anarquismo foi um movimento político que defendia a supressão de todas as formas de dominação e opressão vigentes na sociedade moderna, dando lugar a uma comunidade mais fraterna e igualitária, fruto de um esforço individual a partir de um trabalho árduo de conscientização coletiva.
Porque, na minha inocência de jovem, eu imaginava que “não é preciso leis se se tem apreço
pelo próximo”, mas hoje, calejada, sei que o anarquismo puro é uma utopia, pois o
ser humano é facilmente corrompido pelo poder e pelo dinheiro, e a sociedade é
composta, nada mais nada menos, de seres humanos.
Aprendi que
as regras do jogo da vida dependem não só de mim, mas também do meu próximo, e
tanto eu como o meu próximo somos seres humanos, falhos em sua essência, mas hoje acredito que temos que buscar, se não a perfeição, pelo menos exigirmos o que
é melhor para uma grande maioria.
Daí os
protestos nas ruas me deixa esperançosa por um Brasil mais justo. A alienação
política dos jovens de hoje me deixa angustiada (até então as redes sociais
só serviam para bisbilhotar a vida alheia). Não suporto pessoas que só reclamam
e nada fazem para mudar as suas vidas (seja na cidade, no trabalho, na vida
privada, nos relacionamentos).
E, para variar, todo esse movimento nas ruas, fez lembrar-me de... cinema, óbvio. Muitos filmes são baseados em histórias reais, e como veremos, em geral, só se consegue
mudanças com lutas e massacres, e infelizmente a história da humanidade nos
mostra que nem sempre as mudanças se mostraram positivas, afinal “somos humanos,
demasiadamente humanos”, como dizia Nietzsche, mas o que vale é o movimento que
fazemos pela mudança quando estamos descontentes, seja qual for o resultado final dessa mudança.
O
“professor” Robin Williams no filme “Sociedade dos poetas mortos”, que
instigava seus alunos a pensar por si mesmos e mudarem suas vidas, sempre me faz
lembrar o meu querido professor de História.
O filme “O
que é isso, companheiro?” faz uma retrospectiva do processo ditatorial do
Brasil focando no sequestro do embaixador americano Charles Elbrick pelos
guerrilheiros no final dos anos 60 (que contou com a participação do atual
jornalista e político Fernando Gabeira).
O “encouraçado
Potenkin” é um clássico em preto e branco do cinema russo, da década de 20, do renomado cineasta Sergei Eisenstein, na Rússia czarista, no levante histórico da revolta dos marinheiros do navio
Potenkim no início do século XX que culminou na Revolução russa de 1917.
A
famosa sequência no filme, das escadarias da cidade de Odessa (do carrinho de bebê
rolando escadas abaixo com a mãe da criança sendo morta no meio do massacre) já
foi homenageada por outros cineastas, em filmes recentes tais como “Os
intocáveis” de Brian de Palma, com os charmosos Kevin Costner e Andy Garcia
aparando o carrinho do bebê na caça aos capangas de Robert “Al Capone” de Niro.
O filme
“Domingo sangrento” mostra a truculência dos soldados britânicos na Irlanda do
Norte contra civis desarmados na passeata pelos direitos humanos na década de
70 que culminou numa guerra civil naquele país. A música "Sunday bloody sunday" (que faz parte da trilha sonora do filme), da banda irlandesa U2 deixa para sempre o registro do massacre da época.
“Em nome do
pai” é um filme com o ótimo ator Daniel Day-Lewis que tem início com um
atentado do IRA (“Irish Republican Army”), o exército para-militar republicano
irlandês e uma condenação injusta que leva o protagonista a lutar por justiça
por seu pai.
O filme “Sonhadores”, de Bernardo Bertolucci, mostra a história de três jovens vivendo um triângulo amoroso sob o painel das mudanças políticas na revolução de 68 na França (que deu início a toda a derrocada de manifestos por todo o mundo na década de 60).
Assim, fica
a dica: antes de irem para a rua contra toda e qualquer reivindicação, procurem
por fontes confiáveis e não deixem que “pensem por vocês” – mas, isso é papo de política que não cabe aqui no meu blog – apenas lembrem-se: “não deixem que pensem por vocês”, ouçam sempre os prós e os
contras (“a unanimidade é burra”, como dizia Nélson Rodrigues, mas o PIG vai querer sempre nos fazer acreditar em “unanimidade”) e sempre busquem fontes confiáveis (de preferência, sem vínculos partidários) e só então tirem suas próprias conclusões (como eu disse, o meu professor nos mandava questionar até mesmo os discursos dele mesmo).
Rose ler vc me levou ao passado , numa epoca onde as maes nao deixavam as filhas brincar comigo pq eu era a filha do comunista.mas me lembro papai dizer q faria tudo de novo.e o que mais me marcou quando com sete anos , ele preso no Caio Martins me manda esse bilhete: nunca se envergonhe do seu pai.ele nao e um preso comum mas um preso politico.e eu nunca me esqueci e tenho o maior orgulho quando assino meu nome: Barbeto.obrigada por fazer voltar no tempo e sair um pouco do ostracismo onde num pais sem memoria nao se lembre mais devJacyr Barbeto .saibam esses que graças as suas torturas hoje ganhamos o poder de usar as palavras.grande bj.
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