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sábado, 9 de junho de 2012

Liberdade de expressão não é artigo negociável

De vez em quando, alguns amigos me pegam para um pequeno “sermão”, preocupados com a repercussão do que falo por aí, e do que escrevo no meu blog ou nos meus e-mails. Sei que a intenção da maioria deles é a melhor possível, mas chego a achar graça, pois não vão conseguir me convencer a mudar meu jeito, é a minha liberdade de expressão que está em jogo, não tenho medo de represálias (não sou política, não estou em evidência na mídia, e nem estamos mais numa ditadura), nunca tive e não será agora, na altura da minha vida, que terei, afinal não é a toa que me apelidaram de “adorável anarquista”.

Há pouco tempo, a jornalista Mônica Waldvogel contou a “saia justa” que passou num seminário médico, num famoso hospital de São Paulo – ela foi convidada para um debate sobre “a apropriação de termos médicos pela imprensa”, sobre a mania dos jornalistas de enquadrarem personagens em doenças. Ao rotularem, por exemplo, políticos de índole duvidosa como “psicopatas”, “bipolares”, “autistas”, “ciclo tímicos”, “psicóticos” ou “esquizofrênicos”, os verdadeiros portadores dessas tais patologias se sentiriam discriminados por conta disso. Questionava-se, no então seminário, o quão pejorativo seria essa comparação para quem sofre, de verdade, da doença em questão.

Quanto à “saia justa” da jornalista – quando interpelada por um dos debatedores do seminário, que perguntou a ela qual seria “a patologia que se enquadraria o contraventor Carlos Cachoeira”, ao que ela respondeu: “nenhuma, ele é apenas um filho da puta, nada mais que isso”. Aparentemente todos teriam achado graça, mas parece que um dos médicos psiquiatras do recinto se sentiu melindrado, pois este a abordou depois do debate, dizendo ter sido filho de uma prostituta, e que "tinha muito orgulho da própria mãe, pois tudo que sabia, tinha aprendido com ela” e, pasmem, que a jornalista o teria ofendido ao comparar o contraventor com um deles.

A jornalista, então perplexa, solta no ar a declaração fatídica: “daqui a pouco, vamos ser processados porque alguém ficou melindrado por ter sido chamado de feio, bobo ou chato”. Ou seja, é o exagero do exagero, tudo agora virou politicamente incorreto, e não se pode nem mesmo xingar quem merece ser xingado??? É um retrocesso, pois agora fazer piada pode virar processo judicial, posição política agora é motivo de patrulha, opinião divergente é tratada como insulto. Haja ouvido de cristal !!!!

O filme “O povo contra Larry Flynt”, conta a história verídica, da glória a ruína, de um conhecido empresário da indústria do sexo dos EUA que, na década de 70, desafiou a Suprema Corte americana com sua revista de sexo explícito (a revista Hustler) e sua boca ferina. No auge do moralismo americano dos anos 70, a sociedade e os políticos americanos tentaram impedir a circulação da revista, que escancarava posições genitais nas suas publicações, mas a Corte americana preferiu seguir os princípios da Constituição daquele país, que prega a liberdade de expressão em primeiro lugar, e condena a figura do censor – “poder expressar o que se pensa é um aspecto da liberdade, e a expressão livre das idéias é essencial para a busca da verdade e para a força da sociedade”.

A Suprema Corte americana, a partir da “Carta de direitos americanos” decidiu, desde o “caso Larry Flynt”, que a América é um país livre, e que cada um que aprenda a conviver com a liberdade de expressão, e que mesmo essa liberdade tem seu preço, tem-se que tolerar o que não se gosta, pois tudo tem um lado bom e um lado perverso. “Quem não quiser ver, que não compre a revista pornográfica, mas censurá-la jamais”. "Deve-se ter o direito de comprar a revista e lê-la ou atirá-la ao lixo" – veja trailer do filme.
Mas, pela facilidade de se processar (afinal, a América se tornou um país de advogados), o número de processos americanos continua imenso, pois a intolerância ao insulto gerou uma cultura infantilizada pelo excesso de melindre e de sensibilidade, a ponto do apresentador americano e comentarista político Bill Maher (autor do polêmico documentário “Religulous”, que satiriza as mais diversas religiões) ter publicado recentemente uma reportagem no NY Times, intitulada “Please stop apologising” (“Parem de pedir desculpas”).
O programa americano “Saturday night live”(SNL), no ar há mais de 35 anos, é famoso por “zoar” toda e qualquer figura da mídia, doa a quem doer, mas aqui no Brasil, o comediante Rafinha Bastos acabou processado por brincar com a "pseudo-moral" de uma cantora brega – a brincadeira foi no CQC, que é um programa voltado para esse tipo de humor escrachado, e me pareceu que os familiares se sentiram mais ofendidos pela zoação com a má qualidade da música deles do que com a gravidez da cantora que, no fundo, foi elogiada como "gostosa" mesmo grávida (é bem verdade que de um modo bem grosseiro, mas ainda assim cabia no contexto), e o comediante acabou perdendo o emprego (cadê a liberdade de expressão?? e pior, era um programa humorístico, portanto não pode ser considerado como desrespeito), mas o humorista está dando a volta por cima, resolveu "pagar prá ver" e assumiu a franquia do programa americano e estreou por aqui com alguma repercussão.

Mas um programa do estilo escrachado do SNL americano em uma TV aberta brasileira?? Sei não, vamos ver se realmente vai funcionar. Teria mais chance de sobreviver se fosse num canal a cabo. Mas parece que começou bem, apesar da pouca audiência (só vi partes do programa na internet, e gostei do que vi). O problema para um programa desse tipo é o excesso de melindres das “celebridades” brasileiras, que pode levar o programa à banca rota (ainda mais numa TV aberta).

Mas o comediante tem conseguido se manter fiel ao seu estilo, apesar das várias pedradas que tem tido que  enfrentar, bem diferente da maioria dos humoristas que se dobram às grandes redes de televisão (leia-se rede Globo) e acabam engolidos por elas, se tornando  marionetes sem opinião e sem criatividade – isso vale para humoristas, jornalistas e talentosos artistas que, em geral, começam fazendo sucesso em outras emissoras justamente pela irreverência, mas quando são contratados pela tal emissora se convertem em bonecos sem alma, a mercê do dono da emissora (o "Casseta e planeta" foi um deles, que embarcou nas  paródias das chatérrimas novelas globais e acabou afundando, e pasmem, até o Fausto Silva já foi um irreverente, quando apresentava o "Perdidos na noite" na Band, até fazer o "pacto com o diabo" e tornar-se o chato Faustão dos domingos da Globo).

Mas um humor do estilo do Rafinha Bastos no melhor do SNL é fundamental num país como o nosso, onde a mídia continua a venerar os Sarneys da vida, a dar ibope para o casamento de um Belo da vida, a falar bem do contraventor Cachoeira (e o SNL Brasil tocou "direto na ferida" da revista Veja, que tenta, a todo custo, salvar a própria pele - assista o vídeo abaixo, o "rap" do Cachoeira, e no final do texto, a abertura do programa, com a sátira da comediante Renata "Xuxa" Gaspar, seguindo o mesmo estilo do programa americano).
A verdade é que tem gente que “implora” para ser sacaneado. E a ofensa, opta-se por “pegar ou largar” (ainda mais num programa de humor), melhor mesmo é “fingir de morto” e ignorar os desafetos (“a indiferença é a maneira mais polida de se desprezar alguém”, já dizia Mário Quintana). Mas, é também verdade que, tem horas que o bom e velho “foda-se” é providencial, cai como uma luva, e inclusive faz bem a quem xinga, funciona como um desabafo e liberação de estresse, e de repente dá um alerta para quem foi xingado se mancar.

O polêmico jornalista Paulo Francis, morto na década de 90, politicamente incorreto, questionava tudo, seja esquerda ou direita, e mandava às favas e um “foda-se” ao vivo se fosse preciso, era do tipo “ame-o ou deixe-o”, os amigos o idolatravam, e os inimigos o apedrejavam sempre que podiam, mas nada o fazia mudar (se bem que a Globo muitas vezes o "domou", mas aqueles eram outros tempos), por isso genial porque irreverente.
É muito fácil ser bonzinho. Sinto comiseração dos covardes que pedem para tirar seus nomes de e-mails de listas de denúncias e protestos. Para esses que têm medo até da própria sombra, só posso ter pena, só lamentar, pois são eternamente oprimidos e manipulados, são marionetes do sistema, os eternos “bonzinhos”, estão sempre "no muro", na chamada  "zona de conforto", não entram em discussões, não polemizam, sempre agradando a gregos e troianos ao mesmo tempo.

E não precisa ir longe para encontrar os que paparicam os improdutivos e os sem caráter mas que detêm o poder, num determinado setor em uma repartição (no meu trabalho, há vários exemplos, que eu denuncio abertamente, doa a quem doer, por isso vivem me pedindo para eu tomar cuidado e "maneirar"). Mas ao contrário, para esses meus desafetos (tenho poucos, mas eu os tenho, ainda bem), eu só tenho a agradecer pois, muito mais que os amigos, são eles que me impulsionam para ir em frente e não desistir nunca de lutar contra mau-caratismo, imperícia e falta de ética.

E, como alguém já deixou escrito em algum lugar, “mulheres comportadas não fazem história”, eu pretendo passar pela vida contestando sempre. E, leva a mal não, o mundo tá ficando muito chato, e não ofender ninguém é um jeito bem chatinho de se viver (como eu já disse, tem gente que pede para ser ofendido). Por isso, de vez em quando, mando um “recadinho" malcriado e bem reforçado para os merecedores, e quem se sentir melindrado, eu só tenho uma frase como resposta: “fuck you”.



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