Imagem

Imagem

Select Language

sábado, 27 de julho de 2013

"Para não dizer que não falei das flores": capitalismo x anarquismo

Afinal, o capitalismo está com os dias contados? Para muitos cientistas políticos, a resposta é sim. No mínimo, o neoliberalismo está em xeque. A crise européia, o declínio da hegemonia americana, os movimentos anti-capitalistas tais como o "Occupy Wall Street" (e similares, em outros países como Inglaterra e Canadá)) com seu slogan "nós somos os 99% (contra os 1% mais ricos dos EUA), todos esses acontecimentos denunciam a decadência e a insatisfação geral com o sistema.

Há algo novo no ar, novos ventos anunciando novos tempos. Mudanças acontecendo lentamente; se "para o bem ou para o mal" ainda não sabemos, mas enfim... mudanças. O povo nas ruas exigindo igualdade e justiça social, conscientizando a sociedade para a realidade do mundo que estamos vivendo. Da primavera árabe às manifestações na Grécia, na Inglaterra, na Espanha, no Egito e agora também no Brasil, a insatisfação com o "status quo" é geral. 

E a "anarquia" se espalhou por todo o planeta. O povo em busca do bem-estar coletivo denuncia interesses de minorias dominantes (tanto política como economicamente). Mas para quem não entende de anarquismo, a palavra traduziria apenas a desordem nas ruas e o vandalismo de uns poucos no meio da insatisfação ordeira de muitos.

Na verdade, o anarquismo não tem nada a ver com vandalismo ou desordem. A palavra “anarquia” é originária do grego, uma mistura da palavra “an” (que significa “sem”) com a palavra “arckhê” (que significa “governante”), ou seja, “anarquia = sem governante”. Enfim, “anarquia” significa “sem governo, sem poder estabelecido”.

O anarquismo defendia a extinção da propriedade e também do Estado e, claro, era uma filosofia ferrenha contra o capitalismo; pregava uma nova ordem social, em que o homem respeitaria o seu próximo sem a necessidade de leis para tal intento.

Pierre-Joseph Proudhon, filósofo francês que viveu no século XIX e considerado um dos mais influentes teóricos do anarquismo, em seu livro mais famoso intitulado "A propriedade é um roubo", dizia que o único dono legítimo da propriedade é o trabalhador que ara e cultiva a terra, seria assim o único detentor legítimo da propriedade. Ou seja, o poder sobre uma propriedade só teria legitimidade para aquele que cultivasse e vivesse do fruto da terra; os grandes latifundiários não mais teriam os tais "podres poderes" e o Estado também não mais existiria.

Um grande discípulo de Proudhon foi o teórico político russo Mikhail Bakunin, um dos principais expoentes do anarquismo dos meados do século XIX. Sabe-se hoje que o anarquismo é uma filosofia quase utópica porque depende da ética do ser humano, e o homem é egoísta e ambicioso. 

Bakunin dizia que a classe trabalhadora só se posicionava como tal, enquanto classe trabalhadora, mas a partir do momento que essa mesma classe alcançasse o poder, cometeria todas as falhas do poder estabelecido (isso não nos lembra nada nos dias de hoje?), por isso ele pregava a ausência do poder coercitivo, pois o poder corrompe. E completava, "quem não acredita nisso, não conhece a natureza humana".

Já no século XX, o escritor canadense George Woodcock escreveu sobre anarquismo em "Idéias libertárias e o movimento anarquista" que pregava uma nova ordem social, longe do socialismo autoritário e do capitalismo selvagem (da polarização do meado do século XX entre a extinta URSS e os EUA).

Tanto Proudhon como Bakunin e Woodcock condenariam o anarquismo violento dos dias de hoje, como o movimento dos "black blocs" (que ficaram internacionalmente conhecidos desde a "batalha de Seattle" no final dos anos 90 e se espalharam pelo mundo, inclusive nos últimos protestos aqui no Brasil) com seus protestos violentos em repúdio aos símbolos capitalistas.

Na verdade, o movimento dos "black blocs" não é exclusivamente de anarquistas nem é de cunho politico, são em sua maioria jovens descontentes com a própria exclusão social que o capitalismo impõe a eles, diante do consumismo que a sociedade estimula mas que a renda de muitos não permite, gerando insatisfação e revolta, principalmente em jovens pobres da periferia.

Mas também é certo que, às vezes, não se consegue mudanças por métodos não violentos. Mesmo não se declarando anarquista, o pacifista Gandhi usou a desobediência civil contra a tirania dos ingleses, na "Marcha do sal", nos anos 30, com centenas de pessoas presas no protesto, inclusive o próprio líder indiano. Também Nélson Mandela, depois do massacre de Shaperville, se viu forçado a desistir da não-violência, que inicialmente pregava contra o apartheid. Só Martin Luther King conseguiu manter firme a ideologia da não-violência, mas também "pagou" caro por isso.

Uma utopia, o anarquismo? É preciso maturidade moral para tal intento, daí a utopia. A sociedade, como um todo, tem que evoluir muito para aceitar um sistema assim tão humanitário e igualitário. É muito difícil, até para mim, que me considero uma simpatizante do movimento anarquista pacifista (daí meu apelido "adorável anarquista"), com filhos jovens, não ceder aos apelos consumistas da sociedade capitalista. 

O anarquismo coletivista defende um mutualismo entre os indivíduos, seria um socialismo libertário (não confundir com o liberalismo da sociedade capitalista), numa sociedade igualitária com liberdade, sem o poder opressor do Estado e da sociedade como um todo (seja ela política, econômica ou social).

No Brasil, o que mais se aproxima de uma sociedade libertária e igualitária, como prega o anarquismo puro, é a comunidade “Noiva de Cordeiro” (um vilarejo na zona rural da cidade de Belo Vale, a cerca de 100 km de Belo Horizonte, em Minas Gerais) que, por razões libertárias se viu obrigada a se isolar das comunidades vizinhas (devido a um ranço preconceituoso ancestral, que transpassou de um século a outro, de geração em geração, numa discriminação sem igual que se estendeu por quatro gerações, em pleno século XX), e criaram uma maneira inusitada de se viver, longe do nosso famigerado capitalismo selvagem  assista, no final do texto, documentário sobre a saga da família e o surgimento da comunidade.

Hoje, o vilarejo lembra o que o anarquismo primitivista prega – é uma comunidade de auto-ajuda comunitária, onde o mutualismo é a razão de ser do vilarejo e atual sobrevivência da comunidade, que é composta na sua grande maioria por mulheres (cerca de 250 mulheres com suas famílias) que cultivam a terra, aram, ceivam, colhem o que plantam em conjunto e dividem fraternalmente por todo o vilarejo (a grande maioria dos homens trabalham na capital mineira). E a liberdade na comunidade se estendeu da economia para o âmbito social, não se aceitando preceitos religiosos, matrimoniais e qualquer forma de opressão à liberdade do indivíduo.

E, ao contrário, a “Ilha das Flores” (ilha que fica em Belém Novo, bairro de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul) – “flores” só no nome, restou apenas lixo e porcos na ilha – é o protótipo, o exemplo fiel, que define o nosso tão famigerado capitalismo selvagem, que prega o individualismo e o liberalismo que levam a toda a sorte de desigualdade social e econômica.

O documentário “Ilha das Flores”, curta-metragem de Jorge Furtado, gravado na década de 80/90, mostra catadores de lixo que sobreviviam do alimento que os donos dos porcos rejeitavam para alimentar seus animais, ou seja, na “Ilha das Flores” o ser humano estaria abaixo dos porcos na prioridade da escolha de alimentos, uma degradação extrema da dignidade humana.

O curta-metragem “Ilha das Flores” ainda continua atual nos dias de hoje, pois mostra uma realidade no sul do Brasil que reflete o que acontece em várias outras regiões do nosso e de tantos outros países, onde a desigualdade social e a ausência de um mínimo de dignidade humana é o cerne da questão liberal capitalista.

E termino esse texto com a frase emblemática do documentário, para reflexão de todos: "o ser humano é um bípede que possui telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor, e que deveria saber o verdadeiro significado da palavra liberdade, uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda".







Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...